Reforma aos 69 anos permite adiar défice do sistema de pensões

Estudo inovador diagnostica o aparecimento de “défices crónicos” no sistema português de pensões dentro de 10 anos. E avança com soluções, destacando a maior eficácia do aumento da idade da reforma em detrimento de contribuições mais altas ou de pensões mais baixas. A solução tem efeitos negativos na adequação das futuras pensões e obriga a manter os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho.

Problema: o sistema previdencial da Segurança Social português está cada vez mais perto de cair num cenário de défices permanentes que, dependendo da utilização da almofada do Fundo de Estabilização, pode chegar já em 2028. Solução: a mais eficaz, aumentar a idade da reforma em três anos; as menos eficazes ou mais problemáticas, subir as contribuições para o sistema ou abrandar o ritmo de aumentos das pensões. Este é o quadro traçado pelo estudo sobre a “Sustentabilidade financeira e social do sistema de pensões português”, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, e que recupera mais uma vez o modelo sueco como a solução mais radical para resolver o identificado desequilíbrio crónico da Segurança Social em Portugal.

O estudo - que recorre a um modelo inédito em Portugal de micro-simulação dinâmica (DYNAPOR) – identifica, através de uma análise prospectiva da evolução do Regime Previdencial da Segurança Social, que o equilíbrio entre as responsabilidades com pensões futuras e as receitas em contribuições não conseguirá “evitar o surgimento de défices no Regime Previdencial da Segurança Social, que se estimam ter início no final da próxima década (2028) e que esgotarão os fundos do FEFSS [almofada do sistema] pouco mais de uma década depois”.

Perante este diagnóstico, os autores do documento – coordenado por Amílcar Moreira, doutorado em Política Social pela Universidade de Bath – propõe um cenário base de soluções para tentar adiar a formação de um buraco no equilíbrio do sistema (que começa a formar-se em 2028 e alarga-se até 10 mil milhões em 2050) com três medidas de efeitos e eficácia diversos: subir da idade da reforma; aumentar as contribuições; cortar o valor das pensões futuras. Todas as medidas seriam para implementar a partir de 2025.

O estudo clarifica, desde logo, que “dos três cenários analisados, o aumento da idade de reforma é aquele que parece oferecer um maior potencial para melhorar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões”. A base desta medida assenta “num aumento de três anos da idade de reforma” que permitiria “adiar o aparecimento de défices crónicos no Regime Previdencial da Segurança Social para além de 2070”. Embora a análise tenha arrancado com um cenário de aumento da idade da reforma em quatro anos, a sugestão fixa a subida em três anos, o que – dado os actuais 66 anos e 5 meses em vigor em 2019 – colocaria a idade da reforma na casa dos 69 anos no momento em que se começariam a criar os primeiros “défices crónicos” no sistema (2028, sem a utilização do FEFSS - Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que adia a abertura desse “buraco” para 2039).

No entanto, embora realcem que “o aumento da idade de reforma reforçaria a capacidade de proteger os indivíduos contra uma quebra abrupta de rendimentos na passagem à reforma”, os autores do estudo também reconhecem que esta mudança no sistema “diminuiria marcadamente a adequação das futuras pensões (…) e ainda colocaria pressões que poderiam resultar no aumento da pobreza entre os pensionistas”. E deixam um alerta: “o efeito esperado do aumento da idade de reforma depende da capacidade da economia para manter os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho”. Sob pena de a medida “expor os trabalhadores mais velhos a períodos de inactividade forçada, reduzindo o universo de potenciais contribuintes para o sistema”. Adicionalmente, “a absorção desta oferta adicional de mão-de-obra poderá desencadear pressões para reduzir os salários na economia, diminuindo então as contribuições para o sistema”.

No que diz respeito às outras medidas – cortar o valor das pensões (através da redução de 0,1 a 0,5 pontos percentuais da taxa de formação anual da pensão)​ e aumentar as contribuições de trabalhadores e empregadores (entre 0,5 e 2,5 pontos percentuais) – o estudo reconhece virtudes, mas alerta para os riscos. Por um lado, “aumentar as contribuições para o sistema seria mais eficiente a adiar o aparecimento de défices crónicos no sistema e a prolongar a vida útil do FEFSS”. Por outro, “no longo prazo, a imposição de cortes nas pensões asseguraria uma redução mais expressiva dos défices no Regime Previdencial da Segurança Social”.

No entanto, “os cenários que implicam uma redução do ritmo de crescimento do valor das pensões teriam consequências mais gravosas para a sustentabilidade do sistema de pensões, nomeadamente no que se refere à adequação das pensões e à taxa de pobreza entre os pensionistas, com 65 ou mais anos”. Já “o aumento das contribuições revelou ser o menos eficaz na redução da necessidade de transferências do Orçamento de Estado”.

Depois de enquadradas estas medidas, o estudo – que será apresentado esta sexta-feira – avança para exploração do modelo sueco como aquele que melhores resultados apresenta no equilíbrio do sistema. Um modelo que implica uma alteração profunda do regime vigente em Portugal, com a criação de um plano de poupança-reforma obrigatório (PPR), em regime de capitalização e com recurso ao sector privado, tudo concentrado numa conta denominada “PPR premium”. “A introdução de um sistema inspirado no modelo sueco em Portugal permitiria uma redução significativa da despesa em pensões, que atingiria, em 2070, poupanças na ordem dos 15%”. Para além disso, esta solução – polémica e que tem vindo a separar as águas ideológica e politicamente, nos últimos anos, em Portugal - “possibilitaria ainda uma redução do tamanho dos défices do sistema quando se esgotassem os fundos do FEFSS” (ver texto relacionado).

Mais pensionistas até 2045

As conclusões do estudo partem de uma radiografia exaustiva do sistema português a partir da utilização do DYNAPOR, que simula as trajectórias de vida de uma amostra representativa da população portuguesa usada pelo Instituto Nacional de Estatística, até 2070. E essa radiografia mostra uma diminuição, entre 2020 e 2070, da população portuguesa de 10,2 milhões para 7,9 milhões de pessoas, acompanhada de “uma redução da população activa em cerca de 37% e de um aumento da proporção de pessoas com 65 ou mais anos (de 22% para 36%)”.

Em paralelo, “entre 2020 e 2045, o número de pensionistas deverá crescer de forma significativa: de cerca de 2,7 milhões para 3,3 milhões”. Apesar da previsível quebra posterior, “em 2070, mais de um terço da população receberá, no mínimo, uma pensão”. Assim, até 2045, pelo menos, “a despesa em pensões, em valores absolutos, deverá crescer substancialmente”.

Por outro lado, “o aumento expectável do valor das pensões da Segurança Social (a preços constantes) não se traduzirá numa melhoria da adequação das mesmas, dado que, apesar do aumento das pensões, estas não conseguirão acompanhar a dinâmica dos salários”.

Finalmente, a Taxa Bruta de Substituição das novas Pensões de Velhice da Segurança Social vai manter-se relativamente estável depois de 2030, variando entre os 66% e 69%”. E, “tendo em conta a dinâmica assumida nos rendimentos de trabalho e das pensões, estima-se que a percentagem de pensionistas (com idade igual ou superior a 65 anos) em risco de pobreza possa aumentar”.

Este é o quadro definido com base num cenário macroeconómico central assumido pela Comissão Europeia (2017), com uma diminuição da população em idade activa que limitará, de forma decisiva, o potencial de crescimento da economia portuguesa. Para além de assentar em projecções relativamente optimistas da Comissão Europeia quanto ao crescimento da produtividade e dos salários em Portugal.

central a ideia de que “o sistema de pensões exigirá transferências avultadas para cobrir os défices financeiros da CGA (primeiro) e da Segurança Social (depois), assim como o custo das prestações não contributivas do sistema”.

Recomendações dos autores do estudo

- futuras discussões sobre como melhorar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões devem ter sempre em consideração os efeitos distributivos do mesmo, ou seja, a sua sustentabilidade social;

- quaisquer medidas neste domínio devem ser baseadas em evidência sólida, independente e publicamente auditável;

- o Estado português deve adoptar um mecanismo de avaliação da sustentabilidade financeira do sistema de pensões português que seja autónomo do Ageing Report, desenvolvido pela Comissão Europeia, e baseado num cenário macroeconómico que reflicta – de uma forma mais precisa – as especificidades da economia portuguesa;

- os resultados alcançados neste estudo, a propósito da introdução em Portugal de um sistema de pensões semelhante ao sueco, não devem excluir a possibilidade de avaliar outras modelizações deste tipo de sistema (por exemplo, com a inclusão de uma opção de plafonamento das contribuições) ou de se estudar outras alternativas de reforma sistémica – como, por exemplo, a introdução de um sistema de pontos;

- analogamente, não deve excluir-se a possibilidade de estudar aprofundadamente opções de reforma que dependam de variáveis externas ao sistema, como a identificação de fontes alternativas de financiamento;

- caso se opte por reformas de natureza mais incremental, deve ser dada particular atenção ao modo como as reformas em análise poderão potenciar, ou limitar, a capacidade do FEFSS para assegurar a sustentabilidade financeira do sistema. Seria também importante avaliar formas de melhorar a regulação do FEFSS, com o intuito de potenciar o seu impacto no sistema de pensões, nomeadamente, introduzindo limites à utilização dos fundos do FEFSS, e definindo critérios que maximizem a rentabilidade dos activos do Fundo, entre outros;

- finalmente, é essencial ter em consideração que o sistema de pensões é um terreno especialmente propício à existência de efeitos não lineares e de consequências não previstas. Assim sendo, a escolha de uma estratégia de reforma deverá ser cuidadosamente calibrada, procurando potenciar os efeitos positivos e menorizar os impactos negativos.

Pedro Ferreira Esteves - 12 de Abril de 2019, Público