Exigidos 31 milhões de euros ao Estado por atrasos da Justiça

No final do ano passado estavam pendentes nos tribunais administrativos, dos mais congestionados do país, 169 acções por violação do direito à decisão judicial em prazo razoável. Para reduzir prazo de decisão, estas acções foram consideradas prioritárias em Maio de 2017.

É uma ironia. Os tribunais administrativos, dos mais congestionados do país, são quem decide os processos contra o Estado por atrasos na Justiça.

E para não se dar o ridículo de se violar o direito à decisão judicial em prazo razoável no processo que pretende responsabilizar o Estado pelo atraso num outro caso que correu nos tribunais, desde Maio de 2017 que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) recomendou que estas acções fossem consideradas prioritárias e monitoriza a sua evolução.

Segundo dados que este organismo enviou ao PÚBLICO, no último semestre do ano passado, estavam pendentes nos tribunais administrativos de primeira e segunda instância 169 processos, cujo valor global ascende a cerca de 31 milhões de euros.

A ineficiência da justiça administrativa e fiscal

Na recomendação, de 23 de Maio de 2017, o conselho superior admitia que havia “um número significativo de processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais (TAF) visando a efectivação da responsabilidade extracontratual do Estado por atraso na administração da Justiça, alguns dos quais já com duração que pode ser considerada excessiva”. E lembrava que, em Outubro de 2015, uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) reconheceu que os tribunais administrativos tinham evoluído muito nos últimos anos na apreciação deste tipo de acção, passando a obrigar os cidadãos a reivindicar uma indemnização por atrasos na Justiça nos tribunais portugueses, só podendo depois disso recorrer ao tribunal europeu.

Mas para tal continuar a ocorrer, reconhecia o CSTAF, era essencial que a própria acção de indemnização fosse “decidida em prazo razoável devendo velar-se por que a sua demora não comprometa o seu carácter de meio efectivo”. O conselho superior não soube, contudo, precisar ao PÚBLICO a duração média destas acções. Na deliberação, o conselho pedia aos presidentes dos tribunais administrativos e fiscais para identificarem as acções deste género pendentes há mais de um ano sem decisão final.

Facto é que o ano passado, Portugal não teve qualquer condenação por atrasos na Justiça no TEDH, apesar de no currículo já contabilizar 143 condenações por violação do direito à decisão judicial em prazo razoável. 

A prioridade dada a estes casos não alivia, contudo, o congestionamento a que continuam sujeitos os TAF, que acumularam acções durante longos anos à espera de decisão. Uma “situação preocupante” nas palavras de Conceição Gomes, coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça, que em 2017 apresentou um estudo de fundo sobre os problemas da Justiça administrativa e fiscal. Isto apesar da investigadora reconhecer recentes melhorias, resultantes das medidas de reforço que foram tomadas a nível de recrutamento de juízes. “O que encontrámos foi uma justiça a duas velocidades, que despachava rapidamente processos urgentes e simples, mas que escondia processos mais complexos que ficavam pendentes durante muitos anos”, constata Conceição Gomes.

Equipas especiais de juízes

Foi para tentar resolver os processos mais antigos que começaram a trabalhar no início deste ano as equipas especiais de juízes, com uma duração limitada a dois anos, dedicadas a resolver só os casos mais antigos. Actualmente, segundo o CSTAF, estas equipas contam com 29 juízes que vão analisar cerca de 8800 processos que deram entrada até 31 de Dezembro de 2012. Este universo é apenas uma parte dos processos que entraram há mais de seis anos nos TAF e ainda não tiveram uma decisão da primeira instância.

“Neste momento, os tribunais administrativos e fiscais já apresentam um saldo positivo entre processos decididos e processos entrados. O grande problema é o passado. O passivo acumulado durante anos”, afirma Luís de Sousa Fábrica, advogado e professor na Universidade Católica. De forma geral, este docente universitário, que integra o CSTAF, concorda com as alterações propostas nos cinco diplomas que integram a reforma da Justiça administrativa e fiscal aprovada em Conselho de Ministros em Setembro passado e que está actualmente em análise no Parlamento, onde em Janeiro todos os partidos aprovaram na generalidade algumas das leis.

Mas para Sousa Fábrica o problema dos TAF não se resolve com alterações legislativas, mas com mais investimento. “Era muito importante instalar os gabinetes de apoio com assessores jurídicos que possam ajudar os juízes em tarefas acessórias como a pesquisa de jurisprudência ou de biografia sobre uma determinada matéria”, sustenta o advogado. E acrescenta: “O juiz é um bem escasso. Não faz sentido ocupá-lo com minudências”.

O juiz tributário Filipe Neves, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, concorda. “Não precisamos de mais ideias geniais, mas de organização, objectivos atingíveis e meios humanos”, resume o magistrado. A juíza do Tribunal Central Administrativo do Sul, Ana Celeste Carvalho, lamenta que nunca tenha havido vontade política de dotar os TAF dos meios adequados. “No estrangeiro um juiz de primeira instância chega a ter três ou quatro assessores. Em Portugal, não temos qualquer tipo de apoio quer administrativo, quer técnico”, nota.

Os gabinetes de apoio estão previstos na lei desde 2009, ou seja há uma década, mas nunca foram instalados. Sete anos antes, em 2002, já o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais previa que estas instâncias dispunham de “assessores que coadjuvam os magistrados judiciais”. Também nunca saíram do papel.

Questionado pelo PÚBLICO, sobre porque os gabinetes de apoio nunca foram criados o Ministério da Justiça, diz que este Governo, em funções há quase três anos e meio, “não pode responder por eventuais omissões de executivos anteriores”. Adianta que, neste momento, por sua iniciativa, “está em apreciação na Assembleia da República a revisão do modelo dos gabinetes de apoio”.

Mariana Oliveira - 16 de Abril de 2019, Público