Estava em teletrabalho e foi forçado a regressar à empresa? Saiba se tem de o fazer

Trabalhadores denunciam patrões que ignoram o teletrabalho e exigem um regresso físico às instalações da empresa. Ministério do Trabalho reforça: “A lei é bastante clara”. Autoridade para as Condições do Trabalho deixa conselhos

Ainda o estado de emergência não tinha acabado e algumas empresas já estavam a planear o regresso ao trabalho com as devidas medidas de segurança sanitária: turnos desencontrados, distanciamento social, máscaras, luvas… Há empregadores que, no entanto, estão a ignorar um ponto importante do Plano de Desconfinamento: “É obrigatória a adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam”.

O Expresso falou diretamente com trabalhadores que se queixam de receber indicações para voltar fisicamente à empresa, ainda que tenham estado em teletrabalho até agora e nada tenha mudado nas suas funções. “O Plano de Desconfinamento ainda não tinha saído e o meu chefe já tinha enviado um e-mail a dizer que era para voltar ao escritório”, diz uma advogada de Lisboa. “Não havia necessidade nenhuma. Ainda vivo com os meus pais e todos os dias quando volto para casa penso que os posso estar a pôr em risco. O vírus não deixou de existir”, acrescenta.

Contactado pelo Expresso, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social diz que “a lei não poderia ser mais clara”. No entanto, Inês Arruda, advogada especialista em direito laboral, diz que há algumas zonas cinzentas. “Ter estado em teletrabalho até agora é um bom indício de que pode e deve permanecer nesse regime. No entanto, se parte das funções de um determinado empregado passavam por atendimento ao público, por exemplo, agora que ele volta a ser possível, o empregado deixa de poder estar em teletrabalho. O mesmo acontece se tiver equipamento em casa que agora é necessário na empresa”, explica a advogada, que tem estado a trabalhar em casos que opõem empresas a trabalhadores em relação a este assunto. E dá um exemplo: “Tenho aqui um caso de uma empresa de publicidade e marketing que alega que é prejudicada pela pouca produtividade decorrente da falta de partilha de ideias com os colegas. É uma situação que não é preto no branco”.

Nestas zonas cinzentas, as relações laborais entre empregadores e trabalhadores podem agravar-se. Inês Arruda explica que, em certos casos, a única coisa a fazer é “o trabalhador informar que vai permanecer em teletrabalho e esperar que a empresa reaja”. No pior cenário, podem ser aplicadas faltas injustificadas e a querela pode escalar até ao despedimento.

Foi isso que fez uma técnica de recursos humanos com quem o Expresso falou. “Eu teria de apanhar transportes públicos e o escritório é pequeno. São demasiados riscos desnecessários para mim e para os outros. Informei a empresa que ia permanecer em teletrabalho e até hoje o ambiente não é o melhor”, diz a entrevistada. “Para mim é uma questão de valores e de saúde pública e privada, mas acredito que haja trabalhadores que nem pensem duas vezes em voltar ao trabalho por estarem saturados de estar em casa e talvez terem medo de perder o emprego. No entanto, é importante não esquecer que ainda há uma pandemia e que a DGS nos está sempre a pedir para sermos agentes de saúde pública”.

Contactada pelo Expresso, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) esclarece que “os trabalhadores a quem seja requerido o regresso ao trabalho presencial podem, nos termos do art.º 29.º do DL 10-A/2020, requerer, preferencialmente por escrito, a manutenção da prestação de trabalho na modalidade de teletrabalho. Caso esse pedido seja recusado pela entidade empregadora, podem submeter a questão à apreciação da ACT, fazendo um pedido de intervenção inspetiva, o que permitirá uma análise mais adequada do caso concreto por esta Autoridade”.

Este regime que exclui o acordo entre empregador e empregado no acesso ao teletrabalho só perdurará, no entanto, até ao final do mês de Maio. A partir dessa data, anunciou António Costa na passada sexta-feira, haverá um regresso à legislação anterior, que exige um acordo entre as partes para que o trabalhador possa exercer as suas funções a partir de casa. O Primeiro-Ministro admite, porém, que esta lei ainda vai ser revista até lá.

21.05.2020  Expresso - RÚBEN TIAGO PEREIRA