Superior Aulas ao sábado, gravadas e sem ajuntamentos nos anfiteatros

Garantir que todos os alunos vão à faculdade é a prioridade no próximo ano. Mas com adaptações

Na Universidade Nova de Lisboa (UNL) a decisão está tomada: se a evolução da epidemia do novo coronavírus não obrigar a fechar novamente as portas, os estudantes voltarão às faculdades a partir de setembro. Mas as salas de aula não se vão encher como até aqui. As turmas serão partidas em três e haverá rotação entre grupos.

Nas aulas teórico-práticas, se um grupo está com o professor, os outros dois estarão noutros espaços ali perto ou na biblioteca, a assistir à distância. E as matérias que são exclusivamente expositivas serão gravadas e disponibilizadas numa plataforma, havendo, além do vídeo com o professor, documentos de apoio, como gráficos ou powerpoints, e uma área para perguntas e respostas.

“O aluno pode ver as vezes que quiser e à hora que lhe der mais jeito, à noite se gostar de fazer noitadas ou de manhã cedo se for mais madrugador. Este modelo liberta o professor da carga horária semanal que estava dedicada às aulas teóricas, permitindo que tenha mais tempo para estar com os alunos em grupos mais pequenos para resolver problemas, tirar dúvidas ou fazer debates, coisas que desde Bolonha — que comprimiu a duração e o currículo — quase não havia tempo para fazer”, explica o reitor, João Sáàgua, adiantando que a universidade fará um investimento de €2 milhões em tecnologias digitais.

Também na Universidade de Lisboa, a maior do país, se preparam adaptações, com respostas diversas consoante as escolas e as áreas científicas, admite o reitor António Cruz Serra, antecipando três cenários: um improvável, em que as faculdades regressam ao funcionamento anterior à pandemia, mas que implica que o vírus desapareça; um mais dramático de fecho e retorno total ao ensino à distância e um terceiro, semipresencial, “mais provável e mais trabalhoso”.

Isto porque o cumprimento da distância de segurança obriga a reorganizar turmas e, eventualmente, a contratar mais recursos, para que todos os alunos passem pelas aulas teórico-práticas e laboratoriais, mas em grupos mais pequenos, explica o reitor. O que está posto de parte, reconhece, são anfiteatros cheios de jovens a ouvir o professor. “Não me parece que haja condições.”

O PROBLEMA DAS DISTÂNCIAS

“Estamos a trabalhar sem rede”, desabafa, por seu turno, o reitor da Universidade do Porto, criticando a Direção-Geral da Saúde (DGS) por não ter emitido novas orientações para o ensino superior. “As que estão em vigor, preveem dois metros radiais em torno de cada pessoa e isso inviabiliza por completo o funcionamento da Universidade. Um auditório para 300 pessoas fica com capacidade para 20. Nem as salas de espetáculo funcionam assim. Para essas a DGS permite uma ocupação cadeira sim, cadeira não”, diz António Sousa Pereira.

Ali, a prioridade é também garantir que todos os alunos vão à universidade, ainda que possam não ir todos nos mesmos dias e ao mesmo tempo. Nas aulas presenciais, uns podem assistir in loco, outros à distância e rodar; nas práticas, admite-se, se necessário, a redução do número de horas. E há ainda limitações específicas para as áreas da saúde, com os hospitais a poderem impor restrições na livre circulação dos estudantes.

Em todos os casos, garante o reitor, há soluções a ser pensadas: “Nos cursos de saúde podemos ter maior recurso à prática simulada ou transmissão de consultas com autorização dos doentes.”

António Sousa Pereira confia que, com o conhecimento que já se tem da doença e de quais são os grupos de risco, seja possível funcionar o mais normalmente possível no próximo ano, sem o pânico e o receio que chegaram a sentir-se em março, à medida que os casos de doentes confirmados na comunidade iam aparecendo. “Claro que vão aparecer nas universidades, como aparecem nas empresas, nos lares, nos hospitais. O que as pessoas não podem pensar é que o vírus só circula das 9h às 17h, dentro das instituições de ensino e que lá fora podem juntar-se e fazer tudo normalmente.”

Dito isto, o reitor, volta a sublinhar: “O ensino à distância como alternativa não tem pés nem cabeça. É e deve ser um método complementar. Não podemos dizer que é muito importante ter a investigação dentro das universidades e depois manter os alunos à distância.”

No Minho, a orientação é a mesma, com particular atenção a quem vai se estrear no ensino superior. “É fundamental que os estudantes dos primeiros anos tenham uma experiência o mais intensa possível da vida nos campi universitários, das suas bibliotecas, dos eventos culturais e desportivos”, defende o reitor Rui Vieira de Castro.

Para compatibilizar essa presença com as regras de distanciamento social, a Universidade do Minho prevê alargar os horários de funcionamento: “Vamos garantir a utilização intensiva dos espaços, entre as 8h e as 20h, incluindo o sábado na semana letiva.” Mesmo assim, admite o responsável, pode não ser o suficiente se as restrições da DGS para a ocupação se mantiverem, admitindo, por isso, que parte do funcionamento dos cursos e das horas de contacto entre professores e alunos terá de ser não presencial.

É PRECISO MAIS DINHEIRO, DIZEM REITORES

É sobre o recurso a esta modalidade de ensino misto que o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, Gonçalo Velho, lança o aviso: “O modelo não presencial compromete a qualidade do ensino, contraria a vontade de alunos, agentes económicos e orientações internacionais. É preciso que as instituições não avancem para as soluções mais fáceis de implementar.”

A esta preocupação acresce o receio do desemprego, já que, alerta Gonçalo Velho, com as dificuldades financeiras acrescidas das instituições — a perda de receitas com cantinas, residências e serviços prestados a alunos e empresas — os contratos mais precários podem vir a ser os primeiros sacrificados. “Já recebemos indicações de contratos que não vão ser renovados”, garante.

Também o Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas alertou ontem para a necessidade de o Executivo rever o contrato assinado com as instituições para a legislatura e as respetivas verbas. “O futuro dos estudantes está em causa se o Governo não atualizar os seus compromissos face às exigências que a pandemia causou”, explicam.

Mais ação social para os alunos cujas famílias perderam rendimentos, adequação das instalações para garantir o regresso com “segurança” e aquisição de meios informáticos e digitais são as três áreas em que, dizem os reitores, é preciso intervir.

ISABEL LEIRIA COM JOANA PEREIRA BASTOS Expresso