“Nunca teremos diplomados a mais. Aliás, precisamos de ter ainda mais”: arrancaram as candidaturas ao ensino superior

Em entrevista ao Expresso, Mariana Gaio Alves, presidente da direção do Sindicato Nacional do Ensino Superior, recusa que um aumento das vagas e o consequente acesso de alunos com médias mais baixas prejudique os cursos com médias de entrada mais altas. Esta sexta-feira arrancou a primeira fase de candidaturas ao ensino superior

Arranca esta sexta-feira a primeira fase de acesso ao ensino superior. Quais as expetativas após um ano letivo que já se aproximou mais da normalidade pré-pandemia?

Há poucas semanas tivemos a notícia de que haveria um ligeiro aumento de vagas, cerca de 2%. Isso é boa notícia mas achamos que deveria ser um aumento ainda mais reforçado porque em Portugal continuamos a ter poucos estudantes no ensino superior e poucos diplomados. Penso ainda que há uma incerteza, maior que a habitual, para quem se está a candidatar este ano, porque as notas dos exames do secundário no ano passado foram tendencialmente mais elevadas e agora foram menos. Isto introduz alguma incerteza relativamente aos resultados das candidaturas. O que seria também importante era garantir recursos financeiros, de equipamentos, de infraestruturas e de melhoria das condições de trabalho dos professores do ensino superior. De modo geral, todos os estudos que temos indicam que a adaptação ao ensino remoto de emergência correu bem, mas teve implicações em termos do bem-estar e motivação dos alunos e da sua permanência no ensino superior. O desafio do próximo ano é regressar ao ensino presencial e continuar a manter os estudantes que já ingressaram anteriormente a concluir os percursos de aprendizagem. Falta-nos investimento.

Se o aumento de 2% das vagas é pouco, qual seria o aumento desejável?

É difícil de quantificar. Estamos a falar do concurso nacional de acesso de jovens mas depois o ensino superior também é procurado por adultos e temos de ter mais políticas de acesso que favoreçam a entrada de todos estes grupos diferentes. No concurso nacional de acesso temos sempre um crescimento do número de alunos que ingressam mas também há sempre alunos que não têm vaga. Este aumento tem de ter em conta a distribuição pelo país, é importante que não se concentrem todas as aberturas de vagas nas instituições do litoral.

Estão satisfeitos com a forma como estes 2% foram distribuídos?

Sim. A nossa preocupação é que tendencialmente temos sempre menos estudantes a escolher instituições no interior e, de facto, precisamos mais uma vez de ter políticas de acesso ao ensino superior que permitam dar condições aos jovens para frequentarem outras instituições e que lhes deem, por exemplo, apoios sociais para que se possam deslocar para outras cidades para estudar. No ensino superior não estão apenas em causa as propinas, no caso de um estudante deslocado há os custos indiretos: alojamento, alimentação, transportes.

“Podem existir casos em que se sente alguma iniquidade porque no ano passado as médias foram mais elevadas”

Há pouco referia que as médias do ano passado subiram nos exames também pelos moldes como decorreu o processo de avaliação. Este ano as médias desceram. Uma vez que os exames realizados no ano passado também podem ser usados para concorrer este ano ao ensino superior, considera que podem ser criadas situações de injustiça?

Injustiça não é a palavra certa. Há uma grande incerteza porque de facto pode haver jovens que se candidataram no ano passado e não conseguiram entrar e que este ano têm uma média mais elevada que os deste ano. Mas é muito difícil estar a prever qual vai ser o efeito porque estamos a falar de milhares de jovens que só agora vão começar a fazer as suas escolhas. Mas de facto podem existir casos em que se sente alguma iniquidade porque o ano passado as médias foram mais elevadas e este ano aproximam-se daquilo que era habitual antes da pandemia.

Porquê estas diferenças de um ano para o outro? Acham que houve algum facilitismo nos exames nacionais de 2020 por ser um ano completamente atípico?

Não. Houve uma preocupação nos exames do secundário do ano passado em construir as provas de outra forma porque se entendeu - e bem - que os alunos tinham tido um ano letivo bastante atípico em que grande parte do tempo foi em casa e uma série de constrangimentos que a pandemia obrigou. Houve uma estratégia diferente na construção dos exames que fez com que, nomeadamente na correção, fossem selecionadas as perguntas em que os alunos tinham tido respostas mais corretas ou completas. Houve uma forma diferente de fazer os exames e isso fez com que as notas fossem mais altas. Este ano, os critérios retomaram aquilo que era mais habitual em termos de resultados médios.

Caso se venham a registar estas iniquidades, tem alguma proposta ou solução para atenuar esta desigualdade?

É complicado e há sempre a resposta mais fácil que seria 'ter mais vagas’. É o que me parece mais imediato mas não sei se isto irá acontecer já nesta fase.

Acha que pode vir acontecer, embora o Ministério tenha afastado para já essa possibilidade?

Desejo que possa acontecer não só para este concurso mas de forma estruturada para os próximos anos.

“Com os exames temos os alunos triados em função das suas respostas a um exame, mas a formação no ensino não se resume às respostas a exames”

Vamos considerar o curso de medicina, em as médias são extremamente altas e no qual, por exemplo, abriram mais 100 vagas na Universidade do Algarve. O aumento do número de lugares irá provocar a diminuição das médias. Isto não põe em causa a qualidade ou conhecimentos com que os alunos chegam ao curso?

Onde garantimos a qualidade da formação é ao longo da frequência do ensino superior. Com os exames temos os alunos triados em função das suas respostas a um exame, mas a formação no ensino não se resume às respostas a exames. É uma medida que temos para estabelecer o acesso e mede apenas isso: os conhecimentos que o aluno conseguiu evidenciar naquele dia, naquela hora e naquela prova. Diria que não é extremamente preocupante se, num cenário virtual, a média descer. O que temos de garantir é se precisamos de mais 100 vagas em medicina. E aparentemente precisamos: abriu recentemente um curso numa privada e tem havido diversas insistências para que se formem mais médicos. Portanto, tudo indica que sim. Se precisamos, então o que temos de garantir é que o número de vagas seja acompanhado de um investimento que permita formar médicos com a qualidade que desejamos.

Abrindo o número de vagas não corremos o risco de estar a ter mais alunos no ensino superior do que espaço no mercado de trabalho?

Por comparação com os outros países da União Europeia temos em Portugal menos licenciados. Os diplomados do ensino superior têm melhores condições em termos profissionais (melhores salários e condições, menor probabilidade de ficarem desempregados). Países que consideramos como mais desenvolvidos e avançados têm esse investimento na qualificação das pessoas. Nunca teremos diplomados a mais. Aliás, precisamos de ter mais ainda. E devemos apostar na qualificação das pessoas enquanto estratégia nacional.

Marta Gonçalves Jornalista | 6 AGOSTO 2021