Aguir e Silva

In memorium Vítor Aguiar e Silva (1939-2022): o professor que reconfigurou os estudos literários na universidade portuguesa

Prémio Camões em 2020, era um nome central dos estudos camonianos e autor de uma Teoria da Literatura estudada por sucessivas gerações de universitários.

O camonista e teórico da literatura Vítor Aguiar e Silva, distinguido em 2020 com o Prémio Camões, morreu esta segunda-feira aos 82 anos, anunciou a Universidade do Minho (UM), onde ensinou desde 1989 até à sua aposentação, em 2002.

“Foi um nome maior da universidade portuguesa e deixa a sua acção inscrita de forma indelével na história da Universidade do Minho. A sua obra científica marcou decisivamente os campos dos estudos literários e da teoria da literatura, do ensino da língua portuguesa e das políticas de língua”, resume o comunicado da UM.

Autor de uma monumental e muito reeditada Teoria da Literatura, originalmente publicada em 1967 e ainda hoje uma obra de referência, Aguiar e Silva foi também um nome central dos estudos camonianos, aos quais dedicou um vasto conjunto de obras, de Notas sobre o Cânone da Lírica Camoniana (1968), passando por títulos como o pioneiro Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa (1971), O Significado do Episódio da Ilha dos Amores na Estrutura de Os Lusíadas (1972), ou o notável Camões: Labirintos e Fascínios (1994) – que lhe valeu o Prémio de Ensaio da Associação Portuguesa de Críticos Literários e o da Associação Portuguesa de Escritores –, até A Lira Dourada e a Tuba Canora (2008) ou Jorge de Sena e Camões. Trinta Anos de Amor e Melancolia (2009).

Deve-se-lhe ainda a coordenação de um fundamental Dicionário de Luís de Camões, publicado em 2011 pela Caminho, no qual conseguiu reunir os mais importantes investigadores portugueses e estrangeiros da obra camoniana.

A par dos seus trabalhos ensaísticos, a sua docência deixou uma marca profunda em diversas gerações de estudantes. Aguiar e Silva foi um desses professores que deixa discípulos, quer na Faculdade de Letras de Coimbra, da qual foi professor catedrático, quer depois na Universidade do Minho.

Foi também frequentemente chamado a desempenhar funções públicas no âmbito das políticas para a promoção da língua e cultura portuguesa. Além de ter estado na génese do Instituto Camões, coordenou a Comissão Nacional de Língua Portuguesa (CNALP), tendo sido ainda membro do Conselho Nacional de Cultura. Veemente opositor do AO90, foi um dos signatários da petição Em Defesa da Língua Portuguesa contra o Novo Acordo Ortográfico.

Agraciado pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública em 2004, a sua obra ensaística recebeu diversas distinções, dos já referidos prémios atribuídos a Camões: Labirintos e Fascínios (1994) até outros mais recentes, como o Prémio Vergílio Ferreira de 2002, atribuído pela Universidade de Évora, o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores, o prémio D. Dinis, da Casa de Mateus, em 2009, o prémio de ensaio Eduardo Prado Coelho, conquistado em 2010 com o livro Jorge de Sena e Camões. Trinta Anos de Amor e Melancolia, que fora publicado no ano anterior pela editora Angelus Novus, o Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural, em 2018.

Uma sucessão de consagrações que culminou em 2020 com a atribuição do Prémio Camões. Justificando a escolha do nome de Aguiar e Silva pela “importância transversal da sua obra ensaística, e o seu papel activo relativamente às questões da política da língua portuguesa e ao cânone das literaturas de língua portuguesa”, o júri resumiu deste modo a relevância do seu trajecto de camonista e teórico da literatura: “No âmbito da teoria literária, a sua obra reconfigurou a fisionomia dos estudos literários em todos os países de língua portuguesa. Objecto de sucessivas reformulações, a Teoria da Literatura constitui-se como exemplo emblemático de um pensamento sistematizador que continuamente se revisita. Releve-se igualmente o importante contributo dos seus estudos sobre Camões”.

Se o prémio Camões tornou o seu nome mais conhecido fora dos meios universitários e literários, também gerou alguma polémica, sobretudo nas redes sociais, com um catedrático reformado da Universidade de Coimbra, José Oliveira Barata, a lamentar que a então ministra da Cultura, Graça Fonseca, tivesse salientado o “perfil humanista” de alguém que, acusava, teria denunciado às autoridades alguns dirigentes estudantis estudantes durante a crise académica de 1969, quando Aguiar e Silva era assistente do professor Costa Pimpão.

Plena forma intelectual

Nascido na freguesia de Real, em Penalva do Castelo, no dia 15 de Setembro de 1939 – completaria 83 anos na quinta-feira –, Vítor Manuel Aguiar e Silva fez os estudos liceais em Viseu e licenciou-se depois em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra, onde também se doutorou e iniciou a sua carreira docente, prosseguida a partir de 1989 em Braga, na Universidade do Minho. Professor catedrático do Instituto de Letras e Ciências Humanas e vice-reitor da UM a partir de 1990, ali fundou e dirigiu o Centro de Estudos Humanísticos e a revista Diacrítica.

Em 2021, a Associação Portuguesa de Escritores lançou em Braga a primeira edição do prémio bienal Vida Literária Vítor Aguiar e Silva, cujo primeiro vencedor foi o ensaísta João Barrento. No ano anterior, Aguiar e Silva publicara na Almedina Colheita de Inverno, um livro de mais de quinhentas páginas no qual confluem os dois principais veios do seu trabalho de investigador, os estudos camonianos e a teoria da literatura, presentes numa recolha de ensaios que, aos oitenta anos, o mostravam em plena forma intelectual.

Luís Miguel Queirós - 12 de Setembro de 2022, Público

https://www.publico.pt/2022/09/12/culturaipsilon/noticia/professor-vitor-aguiar-silva-morre-82-anos-2020265?fbclid=IwAR0xr8i7XL_6uBQxsOZTWoNoERxBxIIZ1KVdbYQKKtY96xJhWQG6Bk8erlA