UM DE NOS Bernardo Cunha

“Os alunos são a razão de eu estar aqui”

19-05-2023 | Paula Mesquita | Fotos: Nuno Gonçalves

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É funcionário da Associação Académica da UMinho desde 1979

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Começou a trabalhar na papelaria da Associação Académica, na rua D. Pedro V, em Braga, com 17 anos. Hoje gere o Espaço Recurso, no campus de Gualtar

É um dos nossos rostos mais familiares e quase ninguém passa por cá sem o conhecer. Bernardo Cunha já dedicou 43 dos seus 60 anos à AAUMinho e coordena o Espaço Recurso no campus de Gualtar.

Quando começou a sua ligação com a Associação Académica e com a Universidade do Minho? 
Comecei a trabalhar na Associação Académica da Universidade do Minho (AAUMinho) em 1979. Tinha 17 anos. Vim substituir uma prima na papelaria da Associação, que, na altura, funcionava junto à entrada do edifício onde é hoje a sede da AAUMinho, na rua D. Pedro V, em Braga. À esquerda da entrada, havia um pequeno guichet, mesmo pequeno [sorrisos], com algumas estantes onde se expunham uns caderninhos, esferográficas… e onde se tirava fotocópias. Era nesse edifício onde, nos primeiros anos da UMinho, a maioria dos estudantes tinha aulas. Já os laboratórios estavam instalados em pavilhões pré-fabricados, perto da Rodovia e os serviços funcionavam no edifício do Largo do Paço. A Universidade do Minho era basicamente isto...
Ainda pequena, portanto.
Sim, mas os tempos eram agitados! [sorrisos] A Revolução do 25 de Abril era recente, a juventude estava cheia de energia e tudo era azáfama. Uma semana depois de ter começado a trabalhar, que coincidiu com o período eleitoral para a Associação Académica, com várias listas a concorrer, dei por mim a pensar: “Onde é que vim parar?!”. Os estudantes eram "terríveis"; até me pediam para guardar no guichet objetos que incitavam à violência: correntes, matracas e outros do género… Havia telefonemas anónimos, ameaças de bomba, com a polícia a entrar no edifício para detectar a suposta bomba… Cheguei a presenciar um aluno que fazia parte de uma lista candidata e, numa tentativa de proteger a urna de votos, agrediu uma colega! Depois passou tudo, mas, inicialmente, fiquei mesmo assustado.
Tempos bem diferentes dos atuais.
Os estudantes eram muito ativos e reivindicativos. Tinham “sangue na guelra” e estavam cheios de ideias novas! As RGA’s [Reuniões Gerais de Alunos], por exemplo, eram muito participadas; as salas enchiam-se e, entusiasticamente, discutiam-se e defendiam-se objetivos comuns. Também eram (éramos todos) em menor número e isso fazia com que nos sentíssemos quase como uma família. Havia alunos de todos os pontos do país, conhecíamo-nos todos. Íamos para as festas, noitadas e serenatas juntos… era um ambiente muito bonito. Tempos diferentes dos de agora!
Sentiu-se bem neste ambiente académico?
Tornou-se a minha segunda casa! Sinto que fui sempre mais uma pessoa entre muitas e que as minhas limitações físicas, que são visíveis, na verdade nunca foram limitações. Para quem vive com algum tipo de condição, é muito importante sentir que nos veem como uma pessoa normalíssma. Até o professor Lúcio Craveiro da Silva, reitor na altura [1981-84], perguntava-me muitas vezes: “Então Bernardo, está tudo bem? Os meninos [estudantes] estão a portar-se bem? Faça-lhes ver que os funcionários também estão em primeiro lugar!” [sorriso] Esta ligação foi sempre tão forte que muitas pessoas pensam que pertenço à UMinho. Senti-me sempre acarinhado e respeitado por todos: pela Reitoria, pelos professores, pelos colegas e pelos estudantes. Muitas vezes, chegavam-se ao pé de mim e: “Ó Bernardo, como é, logo vamos à farra?”. Às vezes, nem pensavam que havia certas coisas que eu não podia fazer e isso fez-me tão bem!
Gosta de trabalhar rodeado de juventude?
Gosto. Os estudantes são meus amigos e eu sinto que sou importante para eles. Já fui distinguido como membro honorário da AAUMinho, na altura juntamente com Miguel Macedo, então secretário de Estado da Juventude, e Rui Durães, ator da TVI. É claro que este reconhecimento é gratificante e sinto que vale a pena continuar a trabalhar, dando o melhor. Agora, sob uma direção feminina, tem sido tudo impecável! [sorriso] A Margarida Isaías é incansável e nunca me faltou nada. Principalmente nesta altura do Enterro da Gata, com a venda de bilhetes e a intensificação do trabalho, mostrou-se sempre disponível. Já tinha saudades de ter uma menina na direção da AAUMinho! [sorriso] A meu ver, as meninas por vezes são mais exigentes e levam as coisas mais a sério.
Como se desenvolveu o seu percurso profissional?
Depois do pequeno guichet, criou-se um espaço maior, onde é atualmente o Bar Académico, com papelaria e serviço de reprografia. Nessa altura, o trabalho já era mais intenso, principalmente com o trabalho de reprodução dos textos de apoio para os alunos estudarem. Não havia Internet, era tudo à base de fotocópias. Assumi a responsabilidade desse espaço e já contava com pessoas sob a minha coordenação. Mais tarde, quando abriu o campus de Gualtar, saímos da D. Pedro V e passámos para uma das salas do CP I [Complexo Pedagógico I]. A universidade crescia e o trabalho também. Fotocopiar uma sebenta ou um livro era sempre “para ontem”. Estive na papelaria seis anos, até que a AAUMinho cedeu, à exploração, o espaço à Copissaurio. Dois dos funcionários passaram para a empresa e eu continuei com a Associação Académica, que não quis abdicar de mim. Como eu era o elo de ligação entre a academia e esta associação, criou-se um espaço, que começou por ser um bengaleiro, onde os estudantes guardavam guarda-chuvas, pastas, malas do fim de semana… Algum tempo mais tarde, passei a fazer inscrições para os grupos e as atividades culturais, a vender bilhetes para os autocarros da Associação e, assim, foi evoluindo até ao atual Espaço Recurso, onde nos encontramos [no átrio do Complexo Pedagógico II].
O que lhe dá mais gosto no seu trabalho?
Cumpri sempre o lema de considerar que os alunos estão em primeiro lugar e são eles a razão de eu estar aqui: nunca fez parte de mim dizer-lhes “Não” ou “Não posso”. Se o fizer por alguma razão, explico-lhes a razão. Coloco-me no lugar deles. Não me esqueço que num determinado momento são alunos e que precisam do nosso serviço, mas, mais tarde, serão profissionais, com cargos e funções mais ou menos importantes, com os quais me posso cruzar. A experiência veio confirmá-lo: hoje, onde quer que eu vá ou esteja, sinto uma alegria e um orgulho muito grandes, porque as pessoas reconhecem-me e percebo que as marquei pela positiva! [sorriso] Porque é pelos alunos que estou aqui e o meu relacionamento com eles foi sempre impecável.
Tem alguma estória que queira partilhar?
Hoje de manhã, a minha colega Susana, com quem tomei o pequeno-almoço, contou-me que um antigo aluno da UMinho ligou para a Rádio Comercial, no dia em que a rádio atribuiu ao Dia do Bernardo, a dizer que conheceu um Bernardo na Universidade do Minho, há mais de 30 anos, e que gostava muito que ele (eu) estivesse a ouvir a rádio naquele momento, porque lhe (me) queria enviar um forte abraço. Fiquei, obviamente, bastante comovido. Estar neste lugar requer alguma calma e algum sentido de humor, sabe? Os alunos também têm alturas menos boas. Todos nós. Temos que os compreender. Por exemplo, esta altura é de trabalhos e exames, andam mais nervosos… aparece sempre quem nos dê uma resposta...
Que custa mais ouvir…
Exato. Tenho outra estória engraçada... Conheci a apresentadora Iva Domingues quando ela tinha 10 anos. Ainda eu trabalhava na D. Pedro V. O pai dela, sr. Custódio, era professor de História na Escola Secundária Francisco Sanches e estava também a tirar uma segunda licenciatura na UMinho. Muitas vezes, enquanto ele ia dar aulas, a Evinha ficava comigo a fazer os trabalhinhos de casa. Ela era muito querida. Os alunos já a conheciam. Até lhe arranjaram um traje à medida dela para vestir! O tempo foi passando até que, numas férias de verão, o sr. Custódio sofreu um enfarte e faleceu, infelizmente. A partir dali, deixei de ver a Eva. Passados uns anos, entrou para uma licenciatura na UMinho e veio logo ter comigo à papelaria dar-me um abraço: “Olha o Bernardo! Que saudades!”.  Só quando me disse que era a Eva, a filha do sr. Custódio, é que a reconheci. Tenho muitas estórias assim, que me marcam e que lembro com carinho!
Como vê os estudantes hoje? 
É uma geração diferente das dos primeiros tempos da universidade, muito fruto da própria evolução da sociedade. Lembro-me, há uns anos, que os pais deixavam os filhos à porta da Central de Camionagem ou da Estação de Comboios com a mala e dinheiro na mão e, a partir dali, tinham de se desenrascar até terminarem os estudos. Tinham autonomia, tinham liberdade, mas tinham também mais responsabilidade. Hoje, isso já quase não acontece. São bons alunos, com ferramentas e valências que há anos nem sequer existiam, mas são menos pró-ativos e contam muito com os pais para que as coisas aconteçam.
O que é que gostava de ver acontecer, antes de se retirar da Associação Académica?
Gostava de ver o edifício da sua sede construído aqui, no campus de Gualtar, antes de me aposentar. Ainda vou ficar mais um bocadinho, embora já me possa aposentar sem qualquer penalização. Já se ouve falar deste projeto há tantos anos… teria um significado muito especial, porque a AAUMinho é um bocadinho de mim. Melhor: é uma grande parte de mim! [sorriso] Esta é a minha segunda casa e foi este o meu primeiro e único emprego. Gostava de ser eu a estrear as novas instalações. Era o que eu mais queria! [sorriso]
Que planos tem para o futuro?
Não posso pedir muito mais. Felizmente, gosto muito do que faço, gosto do contacto permanente com os estudantes. Sinto que este trabalho, mentalmente, não me deixa envelhecer, sabe? [risos] Já vou fazer 61 anos, mas, enquanto puder, vou continuar nesta rotina, porque me faz bem. Às vezes, comparo-me com colegas e amigos da minha idade - alguns estudaram na UMinho - e sinto-me com o espírito mais jovem! Por isso, faço planos de ficar por aqui até ao limite da idade e depois gozar a minha reforminha. Mas vai-me custar muito, sabe?… Dei tudo por esta casa. Estou até a ponderar doar o meu corpo à Universidade do Minho para investigação. Se dei tudo em vida, porque não doar também o meu corpo à Ciência? Este corpinho é digno de ser investigado! [risos]

19-05-2023 | Paula Mesquita | Fotos: Nuno Gonçalves

NÓS - Jornal Online da UMinho | nº 123 | maio'2023