Concurso da FCT envolvido em polémica

Foram 500 os investigadores admitidos e 3600 os que ficaram de fora. Entre estes, dois Prémios Pessoa e muitos ‘de topo’

Este concurso tinha regras conhecidas por todos. Valorizava sobretudo os currículos dos últimos cinco anos. E não foi o presidente da FCT que fez a avaliação, mas um júri internacional”, defende-se Paulo Ferrão, presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, depois de esta semana terem sido conhecidos os resultados do Concurso de Estímulo ao Emprego Científico (CEEC), que atribuiu contratos de trabalho a 500 investigadores em seis grandes áreas de pesquisa. A defesa prende-se com a indignação suscitada pelo facto de, entre os 3600 que ficaram de fora, se encontrarem nomes como o da historiadora Irene Flunser Pimentel e o da cientista Maria Manuel Mota, ambas distinguidas com o Prémio Pessoa e com cartas dadas nos seus campos de investigação. “É delicado”, admite Paulo Ferrão, lembrando que a lista divulgada é provisória, estando agora a decorrer o período de 10 dias durante o qual os candidatos podem contestar os resultados.

É por esta razão que Irene Pimentel não se alonga no comentário aos critérios — “discutíveis” — que determinaram a sua exclusão. “Ainda não sei se vou recorrer”, diz. A historiadora, especializada no estudo da PIDE e do Estado Novo, apresentou um projeto que pretende averiguar a relação da PIDE/DGS com os serviços secretos europeus e dos Estados Unidos. E a rejeição significa “simplesmente, após anos de investigação, não ter um ordenado para trabalhar”. “Pode haver projetos melhores, mas há demasiadas pessoas como eu que foram rejeitadas”, conclui.

Já Maria Manuel Mota não tenciona pedir a reavaliação do seu projeto relacionado com a doença que investiga há 20 anos, a malária. “O júri diz que a abordagem é inovadora, mas que não percebe o impacto na saúde humana”, revela a diretora do Instituto de Medicina Molecular, notando a “perplexidade” com que leu estes argumentos. “Em relação ao meu currículo, focaram-se em aspetos que não considero importantes, como ter supervisionado muitos doutoramentos”, refere. Maria Manuel Mota faz questão de dizer que, por ter tido contratos de cinco anos desde 2005, não se considera precária. Porém, “o meu contrato com a FCT terminou há um mês e eu deveria ter-me candidatado a esta posição [no âmbito do CEEC] um ano atrás. É aqui que reside a precariedade”, esclarece.

“Decapitou-se a ciência nacional no seu topo, capaz de angariar verbas privadas para a investigação”, lamenta um investigador

“Este concurso substituiu as bolsas pós-doc e o programa Investigador FCT da anterior legislatura”, diz Sandra Pereira, da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC). E se é uma “tentativa de acabar com a precariedade dos investigadores”, não cria maior estabilidade. “O concurso de 2017 abriu em 2018 e todo o ano passado os investigadores estiveram na corda bamba”, sublinha a dirigente. Por outro lado, o atraso teve por consequência que “haja vários concursos lançados ao mesmo tempo”, ocasionando duplicações na atribuição de financiamento — nomeadamente naqueles que decorrem da aplicação da Norma Transitória do Decreto-Lei 57, que obriga as Universidades a abrir concurso para uma vaga por cada bolseiro que o seja há mais de três anos. “A tutela tem de garantir que, nos casos em que o candidato tenha de optar por um dos dois, não haverá desperdício e o financiamento passará para outro candidato”.

Um investigador da Universidade de Aveiro, que coordena uma equipa na área do ambiente, observa também a discrepância entre o número de investigadores em início de carreira e os profissionais de topo admitidos. Preferindo o anonimato, confessa sentir-se “vigarizado” pelo facto de 66 investigadores principais e apenas quatro coordenadores terem sido contemplados no CEEC, enquanto 430 juniores e auxiliares foram aceites. “Decapitou-se a ciência nacional no seu topo, aquele que dirige as equipas e que é capaz de angariar verbas privadas para a investigação”, lamenta, revelando que já contestou a sua exclusão do concurso.

Por sua parte, a historiadora Cláudia Ninhos, que ficou entre os 500 contratados, não esconde que a boa notícia tem o seu reverso: “Não foi criada uma carreira de investigação. Quando este contrato acabar, temos novamente de concorrer. E em seis anos as regras do jogo podem mudar.”

Confrontado com estas críticas, Paulo Ferrão explica que o CEEC aceitou 12% dos candidatos que concorreram em cada categoria, e que o número de lugares atribuídos em cada uma delas foi proporcional ao número de candidatos avaliados. “O rácio não difere do que é utilizado por outras entidades de referência, como o European Research Council”, afiança.

“Muitos dos 3600 que ficaram de fora podem vir a ser aceites nos outros concursos que abriram ou estão por abrir”, e que vão gerar “um total de 5000 contratos apoiados pela FCT”. O responsável assegura ainda que “não vai haver duplicações” de financiamento: “Se durante a audiência prévia um candidato desistir, publicaremos sempre uma lista final com 500 contemplados. E se um candidato preferir o contrato do CEEC ao lugar obtido ao abrigo da Norma Transitória, a instituição em causa pode avaliar o projeto de outro candidato.”

Luciana Leiderfarb - Expresso