Ensino profissional e artístico passam a ter acesso especial ao ensino superior

Governo cria via de acesso especial que se alarga também aos cursos de aprendizagem, de educação e formação para jovens e da rede de escolas do Turismo de Portugal. Intenção é que alunos possam candidatar-se já no ano lectivo 2020/21, mas instituições têm reservas quanto ao calendário.

Não é a primeira vez que está em cima da mesa, mas o Governo quer que seja no próximo ano lectivo que os estudantes que terminam um curso profissional possam entrar numa licenciatura ou mestrado integrado sem terem que fazer os exames nacionais. Para isso, será criado um concurso especial, que tem em conta as especificidades das suas formações. Os alunos de cursos artísticos ou de aprendizagem (cursos ministrados nas escolas profissionais e centros de emprego) também vão poder concorrer.

De acordo com o projecto de decreto-lei, que está em discussão com os parceiros do sector, e ao qual o PÚBLICO teve acesso, as candidaturas destes estudantes ao ensino superior serão feitas a nível nacional, através do sítio da Internet da Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), à semelhança do que acontece com os estudantes que concorrem ao concurso nacional. Uma proposta feita há um ano – e que acabaria por ser abandonada – previa que os alunos do profissional corressem individualmente a cada uma das instituições onde teriam possibilidades de entrar.

Os estudantes do ensino profissional podem continuar a concorrer ao concurso nacional de acesso, se assim quiserem – tendo, para isso, que fazer os exames nacionais, tal como os estudantes dos cursos gerais. Mas passam também a ter uma via alternativa que não prevê exames nacionais, mas provas específicas, que podem ser teóricas ou práticas, e que são feitas pelas instituições a que se candidatam.

Este concurso especial é voluntário. Ou seja, as universidades e politécnicos podem escolher se querem ou não abrir esta via de acesso. Podem concorrer, além dos titulares de um curso profissional, os estudantes de cursos artísticos especializados, de aprendizagem, de educação e formação para jovens e da rede de escolas do Turismo de Portugal.

As provas específicas têm um peso máximo de 30% na classificação final do aluno. Para a seriação dos concorrentes vão ser também levadas em conta a nota final do curso profissional (que valerá no mínimo 50%) e as notas na prova de aptidão profissional (20%). Apesar de fazerem provas individuais nas instituições a que concorrem, o concurso tem um carácter nacional, o que pretende “homogeneizar os critérios de entrada”, explica o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), João Guerreiro.

A seriação é feita de forma centralizada pela DGES, uma solução elogiada pelo presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Marco Alves, porque cria condições para haver “regras mais justas” do que na proposta do ano passado, baseada em concursos locais, com critérios estabelecidos por cada instituição de ensino. Este dirigente associativo reconhece que “é preciso criar um mecanismo que dê alguma equidade no acesso” aos estudantes do ensino profissional, mas garantindo que todos “fazem o mesmo esforço para entrar no ensino superior”.

O ensino profissional está a melhorar as suas taxas de sucesso

Nos últimos anos, várias vozes defenderam que as regras especiais para os alunos dos cursos profissionais podem facilitar excessivamente o seu percurso, criando injustiças em relação aos estudantes dos cursos científico-humanísticos, o que tem atrasado a implementação de uma medida que o Governo vinha anunciando desde o início da anterior legislatura

No final do ano passado, a tutela já tinha antecipado que iria voltar a propor regras de acesso especiais para os alunos do profissional, depois de um relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência ter mostrado que a percentagem destes estudantes que prossegue estudos é ainda minoritária: 82% dos alunos que concluem um curso profissional não seguem para o ensino superior.

Os exames nacionais

A dificultar o acesso destes estudantes a uma licenciatura estava o facto de, para entrarem no concurso nacional de acesso, terem que passar, tal como os colegas dos cursos de carácter geral, por exames nacionais. No caso dos alunos do profissional, estas provas versam sobre matérias que, em muitas situações, não tinham abordado nas aulas. Pais e professores há muito pedem uma solução para a questão.

O diploma encontra-se “em fase final de processo legislativo”, informa fonte do gabinete de Manuel Heitor. A intenção do Governo é que o concurso especial possa avançar este ano, garantindo o acesso daqueles que pretenderem entrar no ensino superior no ano lectivo 2020/21, um prazo com o qual o presidente da CNAES, João Guerreiro, concorda: “esta possibilidade tem gerado expectativas muito positivas junto dos estudantes do ensino profissional.”

No entanto, João Guerreiro considera que a implementação da nova via especial de acesso ao ensino superior tem que ser implementada “por fases”. “Num primeiro ano, deve abranger um número moderado de instituições e cursos”.

Já as instituições têm dúvidas da exequibilidade do calendário. “Temos que fazer provas que nunca fizemos. Implementar este ano é um desafio muito grande”, afirma o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos. “Estamos em Fevereiro e temos que ter atenção aos prazos”, concorda Fontainhas Fernandes, que lidera o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP).

O CRUP apresentou ao Governo um conjunto de dúvidas sobre a execução deste concurso especial para os estudantes do ensino profissional, mas genericamente o seu presidente considera que este pode ser “uma boa ferramenta” para “alargar a base social do ensino superior e garantir o cumprimento dos índices de formação do país”.

O relatório Estado da Educação, apresentado em Novembro, mostra que Portugal não foi capaz de cumprir a meta europeia de ter 40% da população com um diploma, o que devia ser atingido no próximo ano. Em 2018, na população dos 30 aos 34 anos, o país estava ainda a 6,5 pontos percentuais do objectivo. No "contrato de legislatura" recentemente assinado com as instituições, a tutela espera atingir este objectivo em 2023.

Quanto ao CCISP, está ainda a ultimar a análise do projecto de decreto-lei que lhe foi enviado pelo Governo, reservando para os próximos dias uma posição mais completa sobre esta proposta.

Samuel Silva - 19 de Fevereiro de 2020, Público