Universidades tentam evitar fraudes e falhas nos exames à distância

Câmaras ligadas, browsers bloqueados e avaliações orais por videoconferência são algumas das soluções arranjadas pelas instituições de ensino superior para substituir os exames presenciais. Mas há alunos preocupados com a privacidade e ligações de Internet instáveis.

Foi só à terceira que Joana Costa, 23 anos, conseguiu chegar ao fim de um teste online da faculdade sem percalços. A primeira prova de avaliação à distância foi difícil de fazer com a professora a interromper constantemente os alunos para fazer comentários (“liguem as câmaras”, “lembrem-se do tempo”, dizia). O segundo ficou por fazer, com a ligação da Internet da estudante a cair pouco depois do início.

”Acontece muito cá em casa”, admite ao PÚBLICO Joana Costa, a concluir o mestrado de Engenharia do Ambiente do Instituto Superior Técnico. Muitas vezes, tem de assistir às aulas na cozinha, onde estão sempre a passar pessoas, porque fica mais perto do router. “A única coisa a fazer naquele dia era esperar que a Internet voltasse para avisar a professora.”

Os colegas, que estavam todos conectados numa chamada de vídeo, dizem que ainda ficaram a ouvir a docente a chamá-la, pedindo-lhe que voltasse a ligar a câmara.

A avaliação da cadeira em questão, Poluição Atmosférica e Tratamento de Efluentes Gasosos, resulta de quatro pequenas provas e de um exame final. Com o início das aulas online, em Março, decidiu-se que as avaliações iniciais seriam feitas no Socrative, uma plataforma online que permite elaborar questionários simples, com videoconferências em simultâneo no Zoom para evitar fraude. O problema é que quando se sai de uma prova, não se volta a entrar.

“Ainda não sabemos como será o exame final, mas deve ser numa plataforma semelhante”, sugere Joana Costa. “Espero que a Internet não caia.”

A escolha do método de avaliação é uma decisão com que várias instituições se debatem. As respostas vão chegando aos alunos, mas os detalhes são escassos. Para já, em boa parte das disciplinas, os professores do ensino superior estão a optar pela avaliação contínua – tal como já faziam em regime presencial. A nota final baseia-se na realização de trabalhos e projectos, complementado por pequenas provas, escritas, mas sobretudo orais, feitas à distância.

“Sei que farei pelo menos uma prova em casa com uma plataforma que bloqueia o ecrã. Será no dia 15 de Junho, mas não temos mais informação”, partilha Liliana Leitão, 23 anos, estudante da licenciatura em Educação Básica, um curso da Escola Superior de Educadores Maria Ulrich em parceria com o Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA). “Até agora, as únicas avaliações que fiz foram apresentações de grupo em videoconferência”, continua.“Têm existido problemas, com ligações a cair e professores que não ouvem, mas estamos todos a tentar.”

A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa diz que está prevista uma época especial para alunos com problemas técnicos. Os exames à distância da instituição arrancaram esta quarta-feira, em regime virtual. Antes de começar, os alunos, que acedem ao exame com as credenciais da faculdade, autorizam que seja tirada uma fotografia com a câmara do computador que ficará anexa ao exame e substitui a monitorização da prova.

Numa situação destas, é muito fácil alguém encontrar forma de produzir uma fraude

José Vieira, pró-reitor da Universidade de Aveiro

“É difícil antecipar todos os problemas, mas há um conjunto de soluções alternativas para compensar alunos que reportem falhas de electricidade ou a perda de conexão”, explica Joaquim Ferreira docente e presidente do conselho pedagógico da Faculdade de Medicina. “É impossível confirmarmos se as situações são reais, ou estratégias de alunos que estão a ter dificuldades em responder às perguntas, mas está previsto o acesso a um período especial de exames.”

Para evitar fraude, a faculdade optou por exames com perguntas cronometradas que vão sendo apresentadas aos alunos aleatoriamente. “Isto impede que estejam todos a responder à mesma pergunta em simultâneo”, justifica o docente, que estará sempre contactável durante as provas dos seus alunos. 

A maior dificuldade, diz, foi a falta de tempo: “Estamos a implementar um novo modelo de avaliação devido à situação excepcional no país e no mundo. Isto foi tudo decidido em meses quando normalmente teríamos anos.”

Alunos cobram para fazerem exames de outros 

A generalidade das instituições de ensino superior vai fazer as avaliações finais do segundo semestre deste ano lectivo à distância. É uma realidade que coloca em risco a “credibilidade da avaliação” no ensino superior, reconhece o pró-reitor para os sistemas de informação da Universidade de Aveiro (UA), José Vieira. “Costumo dizer que qualquer aluno tem hoje mais mecanismos de comunicação à sua disposição do que tinha o quartel-general dos Aliados na II Guerra Mundial. Numa situação destas, é muito fácil alguém encontrar forma de produzir uma fraude”, ilustra.

Há dias, o jornal espanhol El Pais, contava como estudantes universitários se oferecem em anúncios online para fazerem exames a troco de dinheiro, ligando-se remotamente ao computador do estudante ou respondendo à distância às questões colocadas nas provas. Os preços, segundo o jornal espanhol, variam entre 15 e 35 euros. Noutros países, como por exemplo no Peru, também estão a surgir anúncios deste tipo nas redes sociais.

Em Portugal, o PÚBLICO não encontrou ofertas deste tipo online. No entanto, garantir a credibilidade da avaliação foi uma preocupação das instituições de ensino superior desde o momento em que encerraram portas, em meados de Março. Enquanto a transição para o ensino à distância foi resolvida “de forma surpreendente rápida e ágil”, considera José Vieira, o problema da avaliação “subsistiu sempre”.

Apenas quando se considerar “que não existem condições, os exames serão realizados presencialmente, garantindo escrupulosamente todas a condições de segurança sanitária”, explica o reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sáàgua. A orientação de realizar os exames apenas a algumas disciplinas será seguida também pelas restantes universidades e politécnicos – à semelhança do que está a ser feito também na retoma das aulas presenciais, que está a acontecer apenas nas “cadeiras” laboratoriais e práticas.

Nas épocas especiais de exame – em Julho ou em Setembro, dependendo das instituições – “espera-se que possa haver mais provas presenciais do que à distância”, avança fonte da Universidade do Minho. Instituições como a Universidade de Coimbra ou o Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, vão seguir o mesmo caminho.

Essa é, porém, uma metodologia que se torna difícil em “cadeiras” com um grande número de inscritos, sobretudo disciplinas teóricas do primeiro ano das licenciaturas. José Vieira dá o exemplo de Cálculo II, uma disciplina partilhada por vários cursos da UA, que tem mais de 1400 estudantes matriculados.

Foi para responder a esses casos que a UA criou um grupo de trabalho para avaliar plataformas de avaliação à distância existentes no mercado, que integra professores das universidades de Lisboa e de Trás-os-Montes e Alto Douro. Nas últimas semanas foram várias as universidades e institutos politécnicos que criaram iniciativas de colaboração como esta. “Quer da parte dos professores quer da parte dos alunos não havia conhecimento de que existiam ferramentas tão boas para fazer os exames à distância”, avalia José Vieira, da UA.

É uma área em crescimento, com a empresa de análise de mercado MarketsandMarkets a estimar que o sector do ensino online ultrapasse 23 mil milhões de dólares (19,4 mil milhões de euros) até 2023. Muitas das ferramentas focam-se em evitar a fraude académica. Algumas, como a Proctorio, utilizam câmaras e inteligência artificial para monitorizar a linguagem corporal do aluno. Outras, como a ProctorU, dependem de professores vigilantes ligados por videoconferência. 

Ao todo, o grupo de trabalho da UA coordenou e avaliou perto de duas dezenas de possibilidades. Assim, os exames escritos serão resolvidos no Moodle, uma plataforma de ensino à distância que a generalidade das instituições de ensino já usava, ou através da plataforma Blackboard, que é usada por instituições como o Iscte e tem um funcionamento semelhante.A realização das provas de avaliação nessas plataformas é combinada com a utilização do Safe Exam Browser, desenvolvido pela ETH de Zurique, na Suíça, uma das mais conceituadas universidades europeias. Este software de acesso à Internet funciona como os browsers comuns, mas com uma particularidade que faz, neste contexto, toda a diferença: uma vez activado, não é possível usar outra janela do computador, evitando que o aluno possa copiar ou recorrer a ajuda externa.

No mercado existem outras soluções como o Lockdown Browser, que funciona de forma semelhante ao Safe Exame, ou outros “navegadores” que não bloqueiam o computador, mas avisam o professor quando o aluno tenta abrir outra janela do browser. As universidades decidiram também recorrer a softwares complementares, como o Turnitin, usado pela Nova de Lisboa, ou o Urkund, recomendado na Universidade do Algarve, que servem para detectar plágio. Na Universidade da Beira Interior será usado o medQuizz.

“A gravação é muito mais intrusiva”

Em muitos casos, a combinação de plataformas e softwares será complementada pelo recurso a plataformas de videoconferência para os professores garantirem quem está a responder ao exame. As instituições asseguram, porém, que as sessões não serão gravadas.

É algo que a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) considera fundamental. “A gravação é muito mais intrusiva, sendo necessário definir medidas concretas para impedir a gravação, quer de um lado, quer do outro, em exames e apresentações orais”, nota Isabel Cruz, porta-voz da CNPD.

No caso da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, as câmaras apenas serão utilizadas para fotografar os alunos antes do começo do exame que será feito através da plataforma QuizOne. A possibilidade de outro tipo de vigilância era algo que estava a preocupar os estudantes. Até agora, porém, a CNPD diz que não recebeu quaisquer queixas por parte de alunos, instituições ou professores sobre as plataformas escolhidas, registando apenas dúvidas pontuais de docentes sobre a legislação.

A instituição não se pronuncia sobre soluções específicas, mas diz que é importante existirem alternativas. “Para haver consentimento dos alunos, é preciso liberdade de escolha. Para isso têm de existir outras opções, como poder fazer o exame na faculdade”, explica Isabel Cruz. Para a CNPD, quando não é possível encontrar alternativas, o “fundamento da licitude tem de ser o interesse do aluno”, sendo necessária a realização de um estudo de impacto sobre as soluções encontradas.

“O facto de muitos alunos utilizarem computadores dos pais ou de outros familiares, através de computadores partilhados, proporciona que, além da exposição dos alunos, se coloque em causa a exposição de outros utilizadores desses computadores que nada têm a ver com o propósito inicial”, justifica Carlos Carvalho, director executivo da empresa de cibersegurança Adyta, uma spin-off da universidade do Porto. 

Na semana passada, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) anunciou que irá realizar um conjunto de testes a vários sistemas de avaliação remota, com vários anos de desenvolvimento e operação em todo o mundo, dado que não existe uma solução “à medida” que possa cobrir todas as necessidades das diferentes instituições de ensino superior em Portugal. O projecto-piloto está a ser desenvolvido pela FCCN, a Unidade de Computação Científica da FCT, no âmbito da Nau — a infra-estrutura técnica de publicação e serviços de acompanhamento de cursos para grandes audiências que integra a Iniciativa Nacional Competências Digitais (INCoDe.2030).

Não há uma só solução (...) E nem é sequer necessário que seja uma solução tecnológica

José Vieira, pró-reitor da Universidade de Aveiro

“Não há uma só solução”, comenta José Vieira, pró-reitor da Universidade de Aveiro. “E nem é sequer necessário que seja uma solução tecnológica”, acrescenta. Naquela instituição está também a ser seguida uma solução que passa por revelar aos alunos o exame de modo parcial, “ajustando a escala temporal” à realização de um exame online.

Apesar da demora de algumas universidades definirem e explicarem como funcionarão os exames, alguns alunos acreditam que os actuais desafios têm permitido uma maior proximidade das instituições com os estudantes. 

“Tem existido muita compreensão por parte dos professores”, reconhece Joana Costa, a aluna do IST que ficou barrada de acabar uma das provas do mestrado. “A professora já me disse que o meu caso será reavaliado no final do semestre, e o primeiro teste que fizemos com a plataforma não vai contar porque a própria percebeu que foi difícil concentrarmo-nos com tanta interrupção”, explica a aluna. “É um processo de adaptação de ambas as partes.”

Karla Pequenino e Samuel Silva - 21  de Maio Público