Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa queria obrigar alunos a usar programa de vigilância para fazer exames mas recuou em 24 horas

Informação foi enviada esta quarta-feira aos alunos por e-mail, mas a direção da Faculdade de Direito recuou na decisão 24 horas depois: os exames vão ser afinal presenciais e quem não se conseguir deslocar a Lisboa pode ser avaliado por Zoom. O software em questão chama-se Proctorio e consegue gravar, filmar e obter outras informações pessoais dos utilizadores. Se os alunos rejeitassem o uso do programa nos exames de recurso, ficariam impedidos de realizar as provas - e por isso chumbavam. "É uma invasão de privacidade", argumentam

Os alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa receberam esta quarta-feira a informação de que seriam obrigados a instalar um programa de vigilância nos seus computadores pessoais para poder realizar os exames de recurso referentes ao 1.º semestre deste ano letivo. O requisito foi dado a conhecer num e-mail enviado pelo Secretariado dos Órgãos da Faculdade: “As provas serão agora monitorizadas por um programa de proteção, o que implica uma configuração prévia do seu sistema”, pode ler-se na mensagem a que o Expresso teve acesso.

No entanto, menos de 24h depois, a Direção da Faculdade recuou na decisão e alterou as regras: os exames serão afinal presenciais, e os alunos que não conseguirem deslocar-se às instalações da Faculdade podem fazer um requerimento para serem autorizados a realizar as provas à distância através do Zoom, desde que os casos sejam "devidamente fundamentados".

"A FDUL encontrava-se a preparar, em sede dos órgãos próprios e em articulação com os alunos, o reforço da fiabilidade do sistema Moodle, associando-o a uma solução de proctoring", pode ler-se no despacho desta quinta-feira que reverteu a decisão, que cita "dúvidas em matéria de proteção de dados" por parte da comunidade estudantil."

O software em questão, o Proctorio, tem a capacidade de filmar com áudio os alunos durante a execução das provas. Além disso, também é capaz de recolher informações pessoais relacionadas com o uso de internet dos utilizadores.

Segundo apurou o Expresso, a situação estava a causar indignação junto dos alunos da Faculdade de Direito, que consideram tratar-se de um “escândalo” e de uma “invasão de privacidade" por parte da instituição de ensino. A época de exames começa no dia 6 de abril, e o Proctorio ia estar "integrado" pela primeira vez no Moodle, a plataforma de ensino à distância da própria faculdade, informa o e-mail.

"Há plataformas similares que já estavam a ser usadas no Instituto Superior Técnico e na Faculdade de Ciências. A Faculdade de Direito não implementou isto na altura e não faz sentido implementar agora", diz ao Expresso Hélder Semedo, presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa e aluno na Faculdade de Direito. "Não posso concordar com a inclusão deste software porque viola o direito de privacidade dos alunos. Estão a ser forçados a instalar um programa nos seus computadores que controla o que eles estão a fazer e o ambiente onde estão, desde desvios do olhar até aos barulhos que ouvem", alerta o responsável. "É muito intrusivo, independentemente de haver uma pandemia ou não."

Este sentimento de indignação foi amplificado pelo facto de que o referido programa seria de instalação obrigatória: para realizarem os exames, os estudantes tinham de concordar com os “Termos de Serviço” e com as “Políticas de Privacidade” do software em questão, caso contrário ficavam impedidos de ser avaliados - ora, dado que se trata da época de recursos, isto significa que os alunos que se recusassem a ser filmados e escutados não podiam realizar as provas de outra forma, chumbando assim às unidades curriculares.

Ao Expresso, o Gabinete de Comunicação da Universidade de Lisboa lembrou que cada faculdade tem "autonomia pedagógica e administrativa" para tomar este tipo de decisões, e remeteu mais esclarecimentos para a Direção da Faculdade de Direito. O Expresso tentou contactar várias vezes Paula Vaz Freire, diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas até ao momento não foi possível obter mais esclarecimentos.

Não é a primeira vez que o uso de programas deste género dá problemas em Portugal. No mês passado, a Associação Académica da Universidade do Minho solicitou ao Reitor que declarasse a “proibição imediata” da utilização da plataforma Respondus nos processos de avaliação, sendo que a Respondus tem características idênticas às do Proctorio.

Lá fora, o Proctorio também tem sido motor de várias polémicas em meios universitários: na semana passada, por exemplo, a Universidade de Vancouver restringiu o uso remoto deste e de outros programas em provas de avaliação, depois de meses de queixas por parte de alunos, professores e funcionários. A decisão foi tomada no Senado da instituição numa votação de 55 contra seis, e o comunicado tornado público cita as funcionalidades de “gravação automática e análise de dados através de algoritmos” do Proctorio

Nota: Texto atualizado às 15h35 com a notícia do recuo da Direção da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

25 MARÇO 2021 Tiago Soares - Jornalista