Apesar da reabertura, a maioria das instituições do ensino superior mantém sistema misto

Mesmo que o modelo varie consoante as faculdades e os cursos, não se prevê, nesta segunda-feira, um regresso total e pleno do ensino superior ao ensino presencial. Em alguns cursos do sector dos politécnicos, porém, com menos alunos por turma, como os técnicos superiores profissionais, o ensino será presencial, bem como os da saúde, com aulas práticas e laboratoriais e horários desfasados.

Apesar de o regresso às aulas presenciais no ensino superior estar marcado para esta segunda-feira, a maioria destas instituições deverá manter o sistema misto, com aulas presenciais e outras à distância, dividindo os alunos por turnos. Mas também há instituições que vão privilegiar o ensino remoto até ao final do ano lectivo e outras nas quais regressam ao ensino presencial, em primeiro lugar, as aulas práticas e, depois, as teóricas. O sector dos politécnicos, por exemplo, prevê um regresso faseado, no qual as áreas consideradas prioritárias para o ensino presencial regressarão na segunda-feira, ficando os cursos das ciências empresariais, da educação e das humanidades com regresso marcado para 26 de Abril e 3 de Maio. Desde o início da pandemia, o ensino superior nunca regressou totalmente ao ensino presencial.

De acordo com informações prestadas ao PÚBLICO pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), que abrange as universidades portuguesas públicas, não deverá haver, nesta segunda-feira, instituições a fazer um regresso pleno ao ensino presencial, devendo a maioria manter o regime misto, o que possibilita reduzir o número diário de alunos nas instituições. “Tirando algumas excepções que não devem ser confundidas com o todo, as universidades irão retomar as actividades nos mesmos moldes em que decorreu todo o primeiro semestre deste ano lectivo. Ou seja, em regime de ensino misto, com turmas divididas por turnos entre ensino presencial e a distância, privilegiando sempre que possível a realização presencial das aulas práticas”, lê-se numa mensagem que o presidente do CRUP e reitor da Universidade do Porto, António de Sousa Pereira, fez chegar ao PÚBLICO por escrito.

Nas recomendações do Governo relativas ao planeamento do processo de desconfinamento, já se apontava para um planeamento faseado a partir de 19 de Abril – “Tendo presente as actuais circunstâncias, que requerem prudência, as instituições científicas e de ensino superior devem planear uma reactivação faseada de actividades lectivas e não lectivas com presença de estudantes.”

No Iscte, por exemplo, optou-se pelo ensino à distância até ao final do ano lectivo, uma vez que a maioria das aulas termina na primeira quinzena de Maio (o calendário das instituições varia, podendo as aulas terminar durante o mês de Maio ou estender-se até Junho): “Na fase final do ano lectivo 2020-21, o Iscte mantém o princípio da não obrigatoriedade do ensino presencial, tendo em conta que a generalidade dos cursos terminará a actividade lectiva dentro de duas a três semanas, ou seja, na primeira quinzena de Maio. As instalações do Iscte, incluindo a biblioteca, laboratórios e salas de aula e de reunião, estarão em funcionamento e disponíveis para os docentes, estudantes e investigadores que pretendam utilizá-las.” Isto significa que, apesar de não estarem previstas aulas presenciais, tal poderá acontecer, mesmo que pontualmente, se professores e alunos identificarem essa necessidade.

O presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Pedro Dominguinhos, explica que, apesar de o regresso ao ensino presencial ser “desejado e ambicionado”, a opção deste sector foi por um “regresso faseado” às aulas presenciais teóricas e práticas. “É um regresso desejado e ambicionado, porque, naturalmente, nas áreas da saúde, das engenharias, do desporto ou das artes performativas, é fundamental o ensino presencial. A componente prática e laboratorial é essencial, por exemplo, na enfermagem, na fisioterapia ou entre outros das tecnologias da saúde”, explica.

Este universo das aulas práticas e laboratoriais, bem como os cursos técnicos superiores profissionais e os alunos do primeiro ano da generalidade dos cursos, regressarão nesta segunda-feira ao ensino presencial. Há alguns cursos, como os técnicos superiores profissionais, que, por terem menos alunos por turma, poderão iniciar em pleno as aulas presenciais. Outros cursos como os da saúde também não terão mais aulas à distância, mas sim práticas e laboratoriais com horários desfasados. Já nos outros casos e mesmo nas outras fases, por questões sanitárias, os alunos terão, rotativamente, aulas à distância e presenciais.

“Cerca de um terço regressará na segunda, outro na semana seguinte e outro terço a partir de 3 de Maio. A prioridade serão os cursos das áreas de saúde e as aulas laboratoriais e práticas”, diz Pedro Dominguinhos. Já a 26 de Abril regressarão ao ensino presencial, por exemplo, os cursos de ciências empresariais e, a 3 de Maio, as áreas da educação e humanidades. Nos anos finais de alguns cursos, em que houve “condensação de aulas para terminar as aulas em Maio”, o ensino online manter-se-á até ao final de Abril, permitindo que os alunos possam ir para estágios em Maio e concluir o curso em Julho, de forma a poderem candidatar-se a mestrados: “Mas são casos residuais”, prossegue o responsável, considerando que representam cerca de 10% dos alunos do sector. A maioria dos exames será presencial e, quanto à testagem, já começou e continuará até 3 de Maio nestas instituições.

Na Universidade do Porto, o modelo a seguir na generalidade das faculdades também deverá ser o híbrido, ou misto, com algumas excepções, tendo em conta a especificidade dos cursos e a necessidade de aulas práticas, como Medicina, Medicina Dentária ou cursos de Belas Artes. No caso de escultura, por exemplo, os alunos precisam de materiais, ferramentas e até de fornos para fazer os trabalhos. Quanto aos exames, nesta universidade deverão ser presenciais, prevendo-se também a existência de casos em que os alunos possam ser avaliados por trabalhos e avaliação contínua, algo que já aconteceu.

Testagem em curso

Na Universidade Nova de Lisboa, nenhuma faculdade regressará exclusivamente ao ensino presencial, mas também não manterá apenas o regime à distância. Em todas, o sistema será misto, em princípio até ao final do ano lectivo, segundo informações prestadas pela instituição. Esta universidade vai começar a testar alunos, docentes e colaboradores a partir desta segunda-feira. A realização dos testes decorrerá “de forma voluntária e gratuita”: “Em parceria com a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), os testes vão ser efectuados por equipas da área de saúde da Nova e por enfermeiros contratados para o efeito”, lê-se numa nota enviada à imprensa.

No caso da Universidade de Lisboa, o vice-reitor, João Barreiros, explica que, dado o universo de faculdades que engloba, não é possível optar por um único modo de funcionamento. Ainda assim, admite que nesta segunda-feira nenhuma das faculdades regressará de forma “100% presencial”. O vice-reitor considera que um “regresso súbito” presencial não era adequado em termos sanitários. Apesar de não considerar a expressão do regime misto a mais adequada, por entender que depende muito da especificidade de cada curso, João Barreiros admite que, na maioria dos casos, esse será o modelo a seguir até ao final do ano lectivo, com a ressalva de que a preferência pelo ensino à distância acontecerá, sobretudo, nos cursos menos prejudicados por ele, como o Direito e as Literaturas, e que não se abdicará do ensino presencial em muitas outras situações. “Há um ano que percebemos que podemos aumentar fortemente o ensino à distância, mas varia conforme os cursos e, dentro dos cursos, conforme as disciplinas”, diz João Barreiros, ressalvando que a avaliação será feita de forma presencial.

Em algumas faculdades que estarão perto do final do ano lectivo, o ensino deverá manter-se à distância, estando, “previsivelmente”, nesta situação a Faculdade de Letras, por exemplo. “As que se manterão, preferencialmente, em ensino à distância até ao final do ano lectivo são as áreas em que a necessidade de práticas laboratoriais, de saídas de campo, é menor, como as Literaturas ou o Direito. A Faculdade de Direito funciona razoavelmente bem à distância, ou as Literaturas, mas não quer dizer que não precisem, pontualmente, de situações de presença”, ressalva o vice-reitor.

Já cursos que “exigem uma presença física” são, por exemplo, Medicina, Engenharias, Ciências, “uma parte da Agronomia, da Arquitectura”. Exemplos de formações que necessitam da componente prática passam, entre outros, pelas actividades clínicas em Medicina, Medicina Dentária, Farmácia, Veterinária, bem como as que decorrem em laboratórios científicos. Outro caso em que “não é possível fazer tudo à distância” é a Faculdade de Desporto. Há, ainda, áreas que também “exigem componente presencial”, como os cursos de Escultura e de Arquitectura, nos quais os alunos precisam de meios, maquetes, materiais, fornos.

Nos casos que implicam “cuidados adicionais no regresso às aulas práticas”, a universidade terá o “cuidado de aumentar a testagem”, num processo em que se pretende “testar muito e frequentemente onde é preciso e pouco onde é preciso testar pouco”, e fazendo “o ajuste à situação dia-a-dia”. Para João Barreiros, a testagem não pode ser concentrada num “único momento”, como numa semana, por exemplo, tendo de ser “feita continuamente até ao final do ano lectivo e, em particular, nos cursos que exigem uma presença física”. Merecerão também especial atenção as residências universitárias e quem trabalha nas cantinas. Durante os primeiros 15 dias, a universidade fará uma reavaliação da situação e, consoante a informação dada pela testagem, dará indicações de maior ou menor abertura em relação ao ensino presencial, e ainda que as faculdades tenham autonomia nessa decisão.

Assim, pretende testar-se toda a comunidade universitária novamente, nas 18 faculdades, quer por convocatória, quer por sistema aleatório. Através do programa de testagem articulado entre a Direcção-Geral do Ensino Superior, a CVP e as instituições de ensino superior, esta universidade receberá cerca de 55 mil testes – destes, já recebeu 16.800, e irá receber mais cerca de 16 mil na segunda-feira. O resto dos recursos necessários ao processo de testagem ficará a cargo da universidade, que garante ainda que, se for necessário mais do que aqueles 55 mil testes, o assegurará “com os seus meios e recursos”. Já antes, por iniciativa da universidade, testou a comunidade. Desde Abril de 2020, testaram 20 mil pessoas (a universidade tem cerca de 55 mil pessoas, entre alunos, funcionários, docentes e investigadores). “Só tivemos 2% de casos desde Abril até agora”, diz João Barreiros, referindo-se a 400 casos positivos.

57% dos estudantes do ensino superior preferem as aulas presenciais

A maioria dos estudantes do ensino superior prefere o regime presencial de aulas – 56%. Já os que são mais favoráveis a um modelo de ensino híbrido são 35,5%. Apenas 8% preferem o e-learning, em exclusividade. Estes são dados de um estudo do ISAG – European Business School e do Centro de Investigação de Ciências Empresariais e de Turismo da Fundação Consuelo Vieira da Costa, recolhidos no primeiro confinamento.

Intitulado “Práticas de Lazer, Emoções e Ensino E-learning dos Estudantes do Ensino Superior”, o estudo foi realizado entre Março e Maio de 2020, por questionário online com 527 inquiridos: 56% indicou que se manteve igual o interesse pelo curso e 45,2% pelo estudo em geral. Continuou também igual a relação com os colegas (46,9%) e, para 46,3%, a relação com os professores.

Apesar da preferência pelo ensino presencial, os estudantes reconheceram vantagens no e-learning – 70,8% concordaram ou concordaram totalmente que as actividades em e-learning eram relevantes para a aprendizagem e 58,2% considerou que concedia maior flexibilidade na gestão do tempo. Ainda assim, 67,4% dos estudantes concordaram ou concordaram totalmente que exige muito esforço de aprendizagem.

Apesar de estarem preocupados com a pandemia (7 em 10 estudantes), o estudo “mostrou que o isolamento social, durante o primeiro confinamento, não despertou sentimentos negativos extremos entre os estudantes do ensino superior”: “Nessa altura, os inquiridos afirmaram que se sentiam pouco ou nada envergonhados (83,9%), agressivos (78,9%), amedrontados (69,3%), aflitos (66,4%), transtornados (64,5%), abatidos (63%), deprimidos (61,8%), incomodados, tristes ou agitados (cerca de 61%) e chateados (60,3%)”, lê-se na nota enviada à imprensa. Mas também se sentiram “pouco ou nada vigorosos (63,3%), empolgados (62,8%), estimulados (60,7%), inspirados (55,6%) ou entusiasmados (52,4%)”.

Ouvir música (62,4%), ver séries e filmes (51,4%) e fazer as lides domésticas (41,2%) foram as actividades que mais inquiridos fizeram com maior regularidade. No extremo oposto, estão a prática de exercício físico fora de casa (53,5%), bricolage (49,1%) e a ida às compras (29,6%).

De acordo com dados enviados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e no âmbito do Programa de Testagem CVP – Ensino Superior, que prevê a entrega às instituições científicas e de ensino superior, públicas e privadas, de kits de testes rápidos de antigénio, foram até agora entregues 247.650 mil kits. Nesta segunda-feira, o ministro Manuel Heitor estará na Universidade do Porto, no Instituto Politécnico do Porto e na Universidade de Aveiro.

Maria João Lopes e Samuel Silva | 19 de Abril de 2021, Público