Vacinação no superior: reitores atacam ministro e há professores que recusam dar aulas

Ao contrário dos colegas do ensino básico e secundário, docentes das universidades e politécnicos não estão nos grupos prioritários. Ministro Manuel Heitor diz que a exigência é “corporativista”. Há professores que estão a recusar dar aulas presenciais.

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) responsabiliza o ministro da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor, pelo facto de os professores e funcionários do sector não terem sido incluídos nos grupos prioritários para a vacinação, ao contrário do que aconteceu com os trabalhadores do ensino básico e secundário e também das creches. “Não há nenhuma razão científica que justifique” esta opção, entende o presidente daquele organismo, António Sousa Pereira, pelo que esta “só pode ter sido política”.

A exclusão do ensino superior das prioridades da vacinação causou “um grande desconforto” entre os docentes, diz Sousa Pereira. O CRUP entendeu que era altura de “deixar registado o desagrado” do sector. A situação está a tornar-se “complicada” uma vez que há professores universitários que estão a “recusar dar aulas presencialmente enquanto não forem vacinados”, avança o líder dos reitores das universidades públicas.

A situação é confirmada ao PÚBLICO pela presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), Mariana Gaio Alves. Aquela estrutura sindical apresentou um aviso de greve no início do ano lectivo, que se mantém em vigor, que permite aos professores recusarem dar aulas sempre que considerem não estar reunidas condições sanitárias. Após o regresso das aulas presenciais, no início desta semana, houve “vários colegas a recorrer” a esta prerrogativa.

A presidente do Snesup também fala num clima de “grande revolta” entre os professores, que se sentem “abandonados e injustiçados”. No mês passado, o sindicato já tinha defendido a inclusão dos professores das universidades e politécnicos nas prioridades da vacinação.

Agora juntam-se as vozes dos reitores a esta exigência. Há cerca de 35 mil professores no ensino superior, aos quais se somam cerca de 15 mil funcionários, um número “irrisório no actual momento” do plano de vacinação, entende o presidente do CRUP.

António Sousa Pereira – que é médico e dirigiu durante 14 anos o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – entende que “não há nenhuma razão científica que justifique” a exclusão dos docentes e funcionários do ensino superior das prioridades da vacinação, quando os colegas dos outros níveis de ensino foram incluídos. “Pelo contrário”, prossegue, desde o início do anosurgiram surtos no ensino superior, mais até do que no ensino obrigatório”.

“Não sendo técnica nem científica”, a exclusão dos professores do ensino superior das prioridades da vacinação “só pode ser política”, volta a sublinhar Sousa Pereira, apontado baterias ao ministro Manuel Heitor: “As justificações que ele tem apresentado não têm racional possível.”

No mês passado, o ministro da Ciência e Ensino Superior já tinha afirmado que professores do ensino superior “não deviam passar outras prioridades” de vacinação. Esta semana, voltou ao assunto, classificando a exigência dos docentes de “intrigas corporativistas”.

Durante uma visita à Universidade do Porto, o governante garantiu que “não há uma discriminação” dos professores do ensino superior e apresentou argumentos para um tratamento diferente do que foi dado aos colegas do ensino obrigatório. “Temos períodos de contacto entre os estudantes e os docentes muito inferiores a todos os outros níveis de ensino”, afirmou.

O critério seguido pela task-force da vacinação para excluir o ensino superior das prioridades leva em consideração que o recurso ao ensino à distância é, para os alunos mais velhos, mais eficaz do que no ensino obrigatório – mesmo em período de desconfinamento muitas instituições mantiveram um sistema misto, com aulas presenciais e online. Além disso, foi considerado que o ensino com crianças tem tendência a criar um cenário de maior proximidade física entre professores e alunos do que com adultos.

Essa ideia “não corresponde de todo à verdade”, defende Mariana Gaio Alves, do Snesup, lembrando que, em aulas práticas, como laboratórios ou ateliers de cursos artísticos, a proximidade entre docentes e estudantes é até maior no ensino superior do que na escolaridade obrigatória.

Samuel Silva 23 de Abril de 2021