Medo trava novas denúncias de assédio

Alunos do ensino superior manifestaram-se a 7 de abril em frente à Reitoria da Universidade de Lisboa

Identificação de alunos que prestaram depoimentos de forma anónima aumentou tensão na FDUL

O clima de “medo, desconfian­ça e tensão” na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) aumentou na última semana, a partir do momento em que começaram a circular entre professores e estudantes os áudios com a possível identificação dos alunos que deram testemunhos à RTP e à TVI sobre casos de assédio moral e sexual na instituição, diz ao Expresso Dejanira Vidal, presidente do Núcleo Feminista da FDUL, criado no início deste ano já com o intuito de abordar esta questão há muito falada nos corredores da escola.

“Os testemunhos foram dados com a voz distorcida e a cara tapada. E mesmo assim alguém ousou descobrir quem falou. A mensagem que querem passar é: independentemente do que possam fazer para manter o anonimato, nós vamos descobrir quem vocês são”, lamenta aquela estudante do 2.º ano de Direito. E se já era difícil para os alunos denunciar as situações, agora é muito mais: “Duvido que voltem a sentir-se seguros para falar.”

Até porque, segundo relatos dos estudantes, o comportamento de alguns professores não se alterou depois de várias denúncias terem vindo a público, nem com a garantia dada pela direção de “tolerância zero” a quaisquer abusos. Em sala de aula, por exemplo, continuam a ouvir-se comentários de docentes como “não vale a pena queixarem-se, porque nada acontecerá” ou frases irónicas que tentam ridicularizar as queixas: “Acham que isto que estou a fazer é assédio? Vejam lá se é assédio...”, conta Dejanira Vidal.

O núcleo de estudantes a que preside tem-se reunido com a direção da Faculdade e apresentou já um conjunto de propostas contra o assédio, pois as medidas entretanto anunciadas são consideradas insuficientes e pouco eficazes no sentido de transmitir segurança e garantir aos alunos denunciantes que não serão prejudicados na sua avaliação ou percurso académico.

“Ao longo de vários anos, a FDUL tem vindo a ignorar os sinais de alerta de uma academia corrompida, quando esta devia ser um espaço seguro, onde a liberdade, a aprendizagem e a ética reinam, e não um espaço de medo, toxicidade e vassalagem, como tem vindo a ser. É indispensável existirem mecanismos e ações rápidas e efetivas para combater o assédio, o machismo, o racismo e a xenofobia dentro das suas instalações”, defendem os estudantes no documento enviado à direção da FDUL.

COMISSÃO INDEPENDENTE

Entre os mecanismos defendidos propõem a criação de uma comissão contra o assédio, centralizada na Universidade de Lisboa (UL) - e não nas faculdades onde residem os problemas. E para que seja o mais “imparcial possível na averiguação e no tratamento do processo, a maioria dos membros deverá ser externa à UL”, devendo esta estrutura funcionar, por exemplo, na Reitoria, mas “jamais na própria Faculdade, para não causar qualquer constrangimento à vítima”.

Enquanto este órgão não existe, os alunos defendem que o e-mail criado pela direção da Faculdade para denúncias sobre assédio e discriminação seja gerido por uma pessoa externa à FDUL e que não fique “a cargo de uma subdiretora, como acontece neste momento”. Além disso, querem que o anonimato das vítimas seja mantido pelo menos numa fase inicial da queixa. “Se há um professor que é versado por várias denúncias, é dispensável saber os nomes de cada um dos alunos que o acusam”, explica Dejanira.

Da parte da Reitoria da UL admite-se a criação de novos mecanismos para combater o assédio na instituição. “Estamos a refletir sobre o que se está a passar e há várias possibilidades para melhorar o sistema, mas ainda nada está decidido”, diz o vice-reitor, João Peixoto.

QUEIXAS RARAMENTE SÃO FORMALIZADAS

A existência de casos de assédio, sobretudo moral, de professores sobre alunos é falada há décadas e está longe de se restringir a uma ou duas faculdades. Mas a verdade é que as palavras raramente passam a atos.

“Sou provedor há oito anos, e ao longo deste tempo nunca recebi qualquer participação de assédio em nenhuma das escolas da Universidade. As queixas que recebemos são sobretudo relacionadas com propinas, avaliação e problemas pedagógicos entre docentes e alunos, mas que nada têm a ver com assédio. Por isso fiquei surpreendido [com a divulgação de queixas na FDUL]”, diz o provedor do Estudante da UL, Bruno Sousa, explicando ainda que, por regra, este órgão só intervém mediante a apresentação de queixas. “Neste caso, não tive qualquer intervenção, já que ela não foi solicitada, nem sequer pela Associação de Estudantes. Por outro lado, como a direção da Faculdade já estava a intervir, resolvi aguardar o desfecho do processo.”

Também na Universidade do Porto (UP) a situação é em tudo semelhante: “Em seis anos, chegaram-me dois casos, mas as pessoas em causa não quiseram prosseguir e apresentar uma queixa formal. É preciso fazê-lo, não há outra forma. Um era um caso de assédio moral, o outro de assédio sexual. De resto, não me chegou mais nada. Sei os ‘zunzuns’ que correm, mas chegar ao provedor não chegam”, conta Carlos Costa, ex-diretor da Faculdade de Engenharia e agora responsável por esta área, lembrando que em todas as faculdades são “conhecidos os professores que não tratam bem os alunos ou que têm condutas mais graves”.

Recentemente foi noticiada uma queixa de assédio se­xual apresentada por uma aluna da Faculdade de Letras da UP contra um docente da escola e que originou um procedimento disciplinar. “As questões de assédio sempre se puseram. O limiar de aceitação por parte das pessoas diminuiu, ao mesmo tempo que, por outro lado, foi havendo mais abertura para que as pessoas não tenham problemas em apresentar queixa. Há 12 ou 15 anos havia casos de assédio, racismo. Simplesmente, agora — e bem —, finalmente, as pessoas sentem-se livres de apresentar queixa e de não terem medo de retaliações. Mesmo assim é uma minoria”, lamenta o provedor do Estudante do Porto.

EXPRESSO - ISABEL LEIRIA E JOANA PEREIRA BASTOS