Função pública perde até 9% em 2022 e 2023

Governo vai avançar com aumentos salariais diferenciados em 2023. Mas a maioria dos trabalhadores perde poder de compra

Se é um funcionário público e não ganha o salário mínimo, então, fica já a saber que, com poucas exceções, vai perder poder de compra em 2022 e 2023. No espaço de dois anos a degradação dos salários, em termos reais — ou seja, considerando o impacto da inflação —, pode chegar aos 8,8%, indicam os cálculos do Expresso, analisando diversas carreiras e posições remuneratórias. Em termos absolutos, as perdas podem chegar a €566 mensais.

No início desta semana, o Governo apresentou aos sindicatos da Administração Pública uma proposta para aumentos salariais diferenciados na Função Pública, para o próximo ano. A ideia é privilegiar os escalões remuneratórios mais baixos, já que são os mais afetados pela escalada da inflação. Assim, o Executivo propõe um aumento de 8% (€56,58 mensais), para os €761,58, na base remuneratória da Administração Pública, que está este ano alinhada com o salário mínimo nacional, €705. Além disso, garante um aumento anual de pelo menos €52,11 mensais, ou um mínimo de 2%, para todos os funcionários públicos. Isto significa que todos os trabalhadores que ganham até €2600 brutos mensais (87% dos funcionários públicos) terão, na prática, uma atualização superior a 2%. Por exemplo, para quem ganha até €1000 ultrapassa os 5,5%. Estes aumentos sucedem-se a uma atualização salarial transversal de 0,9% em 2022.

Contudo, o aumento previsto para o próximo ano, somado ao registado em 2022, fica, para a maioria dos trabalhadores, longe de compensar a inflação acumulada nestes dois anos. Tendo em conta a estimativa do Governo de 7,4% para 2022, e a do Conselho das Finanças Públicas, de 5,1% para 2023, são poucas as carreiras e níveis remuneratórios que saem valorizados, indicam os cálculos do Expresso.

Uma das exceções são os assistentes operacionais — motoristas, auxiliares de ação educativa, auxiliares de ação médica, entre outros —, nas primeiras posições remuneratórias, e cuja remuneração está alinhada com o salário mínimo e tem subido com este. Beneficiam ainda com o aumento de 8% previsto na base remuneratória da Administração Pública. Tudo somado, vão chegar a 2023 com uma remuneração-base bruta 1,5% acima da que tinham em 2021, em termos reais. São mais €10,9 por mês.

Outra exceção são os assistentes técnicos — pessoal em funções administrativas, com qualificações ao nível do 12º ano — em início de carreira, cuja tabela remuneratória beneficiou de uma atualização extraordinária este ano, para os diferenciar de quem ganha o salário mínimo, e que contarão com outro aumento adicional, já no próximo ano. Aliás, os cálculos do Expresso incluem apenas esse incremento adicional no caso da carreira de assistente técnico, uma vez que, apesar de também estar previsto para técnicos superiores e assistentes operacionais, a medida será faseada ao longo da legislatura, não se conhecendo ainda o calendário concreto.

A partir daqui somam as perdas que podem chegar, no conjunto dos dois anos, aos 8,8%. Em termos absolutos, são os médicos no topo da carreira, com os salários mais elevados da Administração Pública, que registam maior degradação salarial em termos reais, chegando a perder €566 por mês. A degradação do poder de compra em 2022 e 2023 soma-se à sentida desde 2010, ano em que se iniciou o congelamento da Tabela Remuneratória Única, só interrompido em 2020 e, depois, em 2022. Comparando com 2010, a perda real dos salários até 2023 pode chegar a 18,4%.

CÁTIA MATEUS E SÓNIA M. LOURENÇO