Funcionários públicos perdem poder de compra mesmo com novo aumento: salários encolhem até 8,6% em dois anos

Governo anunciou atualização de 1%, a somar aos aumentos de janeiro. Com a inflação elevada, as remunerações vão contabilizar perdas em termos reais. O Expresso mostra-lhe as contas para várias carreiras, no dia em que sindicatos e Governo voltam a reunir-se

Mesmo com a atualização adicional de 1%, anunciada na passada semana pelo Governo de António Costa, os salários da Função Pública vão perder poder de compra. Em termos acumulados, ou seja, considerando os anos de 2022 e 2023 (desde que a inflação disparou), as quedas em termos reais podem chegar aos 8,6%. As perdas são transversais e atingem também baixos salários.

No entanto, quem mais perde são os salários mais elevados, que contaram com um incremento mais modesto em janeiro. Há casos, como os professores catedráticos em topo de carreira, onde as perdas ultrapassam os 500 euros mensais.

Os cálculos do Expresso, com base nos dados das tabelas salariais publicados pela Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), mostram que as exceções são poucas. Apenas os assistentes operacionais que ganhavam o salário mínimo, e os assistentes técnicos, no início da carreira, terão em 2023 ganhos salariais reais.

Depois de em outubro passado a ministra da presidência, Mariana Vieira da Silva, ter fechado um acordo com os sindicados da Administração Pública (AP) filiados na UGT - Fesap e STE -, os funcionários públicos receberam, no início deste ano, uma atualização salarial entre 2% e 8%. Esta atualização foi mais expressiva para os salários mais baixos, reduzindo-se, progressivamente, à medida que os salários aumentavam. E assegurava um mínimo de 52 euros mensais de incremento.

Na semana passada, o Governo anunciou uma atualização adicional, transversal a todos os funcionários públicos, de 1%. Na apresentação do novo pacote de resposta à inflação para as famílias, o ministro das Finanças, Fernando Medina, disse que este aumento adicional é uma “medida de justiça” para com quem assinou os acordos da AP com o Governo, porque é isso "que resulta da aplicação das contas finais que temos para o ano 2022".

A questão é que, tendo em conta a projeção do Banco de Portugal para a inflação este ano, 5,5%, que se soma a uma escalada de preços perto dos 8% em 2022, os salários da Função Pública vão perder em termos reais, mesmo com este incremento.

Os cálculos do Expresso, realizados a partir da remuneração base bruta de diversas carreiras e posições remuneratórias, mostram que as perdas no poder de compra são transversais. Ou seja, os salários em 2023, em termos reais, ficarão abaixo de 2021, mesmo com este segundo aumento. As perdas acumuladas em 2022 e 2023 são diferenciadas, mas podem chegar aos 8,6%.

Esta diferença na evolução real dos salários resulta de vários fatores. Primeiro, a atualização salarial de janeiro foi também diferenciada, beneficiando os salários mais baixos. Segundo, os assistentes operacionais na base da carreira, com os salários mais baixos da AP, recebiam o salário mínimo desde 2021, já que as atualizações da Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG) tinham vindo a ‘engolir’ diversas posições remuneratórias desta carreira. Terceiro, como resultado da subida do salário mínimo nos últimos anos, a tabela salarial dos assistentes operacionais, bem como dos assistentes técnicos, foi atualizada entre 2022 e 2023, com os respetivos trabalhadores a beneficiaram de saltos salariais mais expressivos do que os restantes funcionários públicos. Quarto, essa atualização da tabela salarial deu-se também com os técnicos superiores e, pontualmente, com outras carreiras (por exemplo, na GNR e na PSP).

PERDAS SÃO TRANSVERSAIS E PODEM SUPERAR 500 EUROS MENSAIS

Tudo somado, só os assistentes operacionais (auxiliares de educação ou de ação médica, motoristas, etc), que recebiam salário mínimo, e os assistentes técnicos (pessoal com funções administrativas e formação ao nível do ensino secundário), no início da respetiva carreira, escapam às perdas reais no salário base.

Os cálculos do Expresso consideram apenas as remunerações-base, excluindo o impacto do aumento do subsídio de refeição, de 4,77 euros para 5,20 euros, logo em outubro de 2022, e, a partir de abril, para 6,00 euros, como anunciou o Governo. Também não são considerados os efeitos da progressão na carreira, já que estes são variáveis entre trabalhadores, com a maioria dos funcionários públicos a demorar dez anos para avançar uma posição remuneratória.

As contas indicam que mesmo os salários baixos sofrem uma degradação real entre 2021 e 2023. É o caso dos assistentes operacionais, cuja remuneração estava acima do salário mínimo e, por isso, não beneficiaram da sua atualização, perdendo entre 3,8% e 4,9%. Já para militares da GNR e agentes da PSP na base da carreira, a degradação é mais ligeira, ficando pelos 0,4%.

São os salários mais elevados que sofrem as maiores quedas em termos reais. Enfermeiros, militares da GNR, polícias, médicos, docentes universitários e professores, no topo das respetivas carreiras, sofrem uma degradação real dos salários de 8,6% em termos acumulados, no espaço de dois anos. Em valores absolutos, isto significa uma redução salarial em termos reais que pode ultrapassar os 500 euros mensais

Sónia M. Lourenço Cátia Mateus Carlos Esteves, Expresso