FCT anuncia novo sorteio de recrutamento de investigadores doutorados

Era bom que de fato o novo ano trouxesse uma vida nova, cheia de esperança, para os jovens (e não tão jovens) investigadores doutorados à procura de uma justa oportunidade de emprego científico. Infelizmente, o novo concurso do Estímulo ao Emprego Científico Individual (CEEC) que acaba de ser anunciado pela FCT, apenas vai perpetuar o penoso ciclo na vida da grande maioria dos cientistas portugueses que ocorre pelo menos desde 2012, quando a FCT lançou o concurso de recrutamento do programa Investigador FCT. Existe neste momento um sentimento de frustração nos 3371 investigadores doutorados que não conseguiram ver concretizadas as suas expectativas de obter uma posição no último CEEC. Não tenho grandes dúvidas que durante todo o ano de 2019, o sentimento prevalecente era o da angústia e brevemente será o de resignação. É preciso repensar a forma como se está a promover o recrutamento de investigadores doutorados: tem que se premiar o mérito e diminuir a aleatoriedade dos processos de avaliação.

Sobre este problema, a Associação Nacional dos Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT) divulgou uma análise estatística que, pela primeira vez, demonstrou inequivocamente que existe um grande fator de aleatoriedade na atribuição das classificações aos candidatos neste tipo de concursos. Se o que se pretende é premiar o mérito do candidato, estes concursos têm vindo a apresentar enormes falhas no cumprimento desse objetivo. De facto, é extremamente difícil defender concursos onde o mérito do candidato deveria contar com 70% da classificação final, mas onde é frequente encontrar várias situações aberrantes, com candidatos classificados com quase a nota máxima, mas com uma produtividade científica bastante inferior a quem ficou excluído do concurso. A matemática é simples e com 70% da nota a pender no currículo do investigador, estas situações não deveriam ocorrer. Por muito que a FCT tente argumentar que não há erros graves neste(s) concurso(s), a matemática não engana. Este problema torna-se mais evidente quando as taxas de aprovação são reduzidas, tal como aconteceu na edição de 2018, cujos resultados foram divulgados recentemente. Parece-me evidente que não podemos aceitar que isto continue assim. Errar é humano; não admitir eventuais erros é inaceitável. Ao longo da última década, a ANICT tem feito esforços para promover um sistema de avaliação baseado no mérito individual e que o mesmo seja o mais justo possível. Sabemos que não existem métodos de avaliação perfeitos, mas não devemos resignar-nos e esperar pelo próximo sorteio.

Para se perceber como se pode melhorar, parece-nos óbvio que temos que identificar onde estão as grandes falhas. Em relação ao extinto IF e agora CEEC, a principal falha prende-se com a forma de avaliação destes concursos: a avaliação referente ao recrutamento de recursos humanos não pode ser semelhante à dos projetos de I&D que, naturalmente, são subjetivos. E aí reside o grave problema do recrutamento de recursos humanos para investigação pois, na sua essência, falham importantes princípios previstos no código do procedimento administrativo, desde já o princípio da igualdade e da proporcionalidade. Isto porque, dentro do mesmo painel de avaliação, os vários candidatos não são avaliados da mesma forma e, no extremo, para 100 candidatos poderão haver 100 avaliadores externos distintos, com sensibilidades e opiniões muito diversas. O resultado é o que se vê: num concurso que deveria premiar o mérito, temos uma autêntica lotaria cujo bilhete de participação é extremamente caro, trazendo enormes prejuízos não só aos investigadores, mas a todos os contribuintes portugueses, pois, uma vez mais, temos investimento de décadas desperdiçado, muito por falta de visão estratégica a longo prazo dos sucessivos governos.

Expresso - Opinião de Nuno Cerca*

*Investigador Principal com agregação na Universidade do Minho, Presidente da ANICT