Até quando a ADSE não vai ser regulada?

Pode uma empresa, ou um instituto público, dizer que não quer ser regulado? Pode uma qualquer organização estar acima da lei? A resposta é óbvia, mas a ADSE pensa que não. Ninguém fiscaliza as contas da ADSE, os seus riscos e as responsabilidades assumidas.

A ADSE começou, ainda no Estado Novo, como um subsistema de saúde, um mini SNS ao serviço dos trabalhadores públicos. No final do anterior regime Portugal começava, timidamente, a criar um Estado Social, onde as empresas e alguns sectores de actividade ofereciam coberturas de risco em troca de uma quotização. Após o 25 de Abril e com as sucessivas leis de Base de Saúde, a ADSE tornou-se, nas palavras do Tribunal de Contas, uma “seguradora”, que passou a cobrir riscos complementares ao SNS, ou simplesmente maior conforto na prestação de cuidados.

De facto, a ADSE é uma seguradora: mutualiza os riscos de saúde pelos seus beneficiários. Tem, porém, três diferenças face às normais existentes no mercado. 1. Ao contrário da generalidade dos operadores, a ADSE não avalia o risco centrado no indivíduo, mas sim no coletivo de beneficiários. Não é o único operador em Portugal a funcionar nestes moldes. Há mais operadores com este registo. 2. É o Governo, via Orçamento do Estado que fixa o valor dos prémios de seguro. 3. E finalmente há o acesso controlado - não é qualquer um que pode ser cliente deste antigo subsistema.

Estas três caraterísticas fazem da ADSE uma seguradora cativa - uma seguradora detida pelo empregador, que oferece os benefícios apenas aos seus trabalhadores, através de um prémio (aqui chamado de a quotização) definido por si, e com um risco controlado de forma coletiva. Apesar de ser uma estrutura invulgar, as seguradoras cativas estão previstas no ordenamento jurídico português e comunitário. E são sujeitas a um regulamento mais leve, mas ainda assim exigente.

Assim sendo, mantém-se a pergunta: porque não é a ADSE controlada pelo regulador dos seguros? Uma seguradora assume responsabilidades futuras, pelo que tem de estar bem capitalizada, ter um adequado modelo de governação, gerir os riscos de negócio e depositar as contas de forma regular e transparente. Ora nada disso é feito na ADSE. Há alguns indícios que as "coisas" não estão bem. De tempos a tempos o Tribunal de Contas ou outra entidade solicita uma avaliação atuarial de forma a avaliar os riscos futuros - e os resultados nunca são muito animadores. O modelo de governação costuma ser igualmente pouco claro, não se sabendo quem manda neste organismo.

É de notar que ao invés da quotização (por grupo) suportar a totalidade do risco dos beneficiários, a ADSE financia as suas responsabilidades colocando os mais novos a sustentar os beneficiários mais velhos. Este modelo de financiamento é extremamente instável e que obriga a contas muito precisas para que não concorra para a sua ruína. Quando a ADSE vai abrindo o acesso a outros trabalhadores, de forma muito controlada e em janelas temporais muito precisas, sabemos que as contas não podem estar bem. Sabemos que estamos perante um sistema piramidal, quando cada geração de funcionários públicos devia estar a financiar-se a si própria.

Assim temos um organismo público que age como uma seguradora, mas não respeita as mesmas regras de concorrência, que assume responsabilidades de forma piramidal e não é fiscalizado, que tem a seu cargo grande parte da saúde dos funcionários públicos e que se tiver dificuldades financeiras tem de ser salva por todos os contribuintes.

Perante estes factos anunciados de forma regular nos jornais, também a Autoridade de Supervisão de Seguros e Pensões (ASF) não toma nenhuma iniciativa. A necessidade de supervisionar a ADSE foi já abordada no parlamento, sem também grande consequência. Os beneficiários e a população em geral também parecem estar pouco preocupados. Implicitamente assume-se que se não houver dinheiro o Estado paga.

Uma eficaz regulação, alias uma regular apresentação de contas faria com que estas responsabilidades fossem mais facilmente reconhecidas.

O Orçamento do Estado de 2025 vai começar a ser discutido e com ele o valor da quotização/prémios que os trabalhadores públicos terão de pagar. É altura do Governo reconhecer o risco atuarial e transformar este instituto público de facto na seguradora cativa que de facto é. É altura de fazer uma reforma – mesmo que seja uma reforma light.

Expresso – Artigo de opinião de Filipe Charters de Azevedo, economista e empresário