Ainda estamos longe dos três mil empregos científicos prometidos pelo Governo para o final de 2018, mas as instituições vão “grão a grão” abrindo concursos. O primeiro balanço sobre os progressos no emprego científico contabiliza, para já, uns escassos 626 contratos formalizados mas o Governo espera ultrapassar a meta e chegar aos 4526 até ao final deste ano.

 

Chama-se Observatório de Emprego Científico e pretende divulgar todas as semanas – a partir desta quinta-feira – a informação actualizada sobre os processos de contratação de investigadores e docentes doutorados, entre outras possíveis formas de emprego científico. O objectivo é claro e Manuel Heitor, ministro da Ciência, não deixa espaço para ilusões: além de impor transparência, o novo observatório servirá para pressionar os reitores e responsáveis pelas instituições a avançar com os processos. Feitas as contas aos vários caminhos que podem levar a novo emprego científico, desde Janeiro de 2017 até 10 de Julho deste ano, foram contratados 626 investigadores. Um cenário desolador se não fossem as expectativas do Governo que sublinha que “estão actualmente em execução mecanismos que permitirão contratar, pelo menos, mais 4526” até ao final deste ano.

A primeira leitura é que há muitos concursos por abrir, muitas vagas por preencher. Por exemplo, no processo relativo aos quase dois mil bolseiros doutorados abrangidos pela norma transitória da lei do emprego científico aprovada em 2017, as instituições de ensino superior que apresentam uma taxa de execução superior a 50% contam-se pelos dedos de uma mão: são quatro apenas. Para os quase dois mil bolseiros doutorados abrangidos por esta nova legislação foram abertos até agora apenas 592 concursos, sendo que a formalização destes concursos se fica pelos 71.

Nos outros (muitos) indicadores analisados pelo Observatório de Emprego Científico neste primeiro levantamento geral, o balanço não é melhor. Mas, para compensar, o que pode parecer um mau começo, se as previsões do Governo se confirmarem aproxima-se algo que será um grande boom no sector com mais 2426 doutorados contratados até ao final de 2018.

A teia dos múltiplos processos de contratação no sector é complexa. Há os contratos para investigadores doutorados ao abrigo da norma transitória da nova lei do emprego científico, há candidaturas individuais, candidaturas institucionais, planos de emprego dependentes da avaliação dos centros de investigação e financiamento de projectos de investigação pela Fundação de Ciência e a Tecnologia (FCT) que obrigam à contratação de um investigador doutorado. Há ainda docentes doutorados do ensino superior e investigadores com contratos a termo certo desde 2007 e “colaboradores em carreiras gerais” (como os bolseiros de gestão de ciência e tecnologia e os bolseiros técnicos de investigação) à espera de ver a sua situação resolvida ao abrigo do Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP). São assim cinco vias de emprego científico e ainda o caminho aberto pela regularização de situações precárias com o PREVPAP, esclarece Pedro Barria, adjunto do ministro da Ciência que está a coordenar todo este processo de recolha e divulgação de dados.

E como estamos, ponto por ponto? Há 1951 bolseiros doutorados abrangidos pela norma transitória e para estes foram abertos 592 concursos, ou seja 30% do total a abrir pelas instituições que têm de o fazer até ao final de Agosto de 2018. O prazo parece demasiado apertado ou as instituições demasiado atrasadas. Apesar de o ministro acusar as instituições de alguma “inércia”, a verdade é que, segundo explicou Pedro Barrias, as instituições arrastaram os procedimentos concursais até agora porque só em Maio deste ano foram celebrados os contratos-programa com a FCT que lhes garantiram o financiamento.

E o que acontece a quem não o fizer? A lei que converte todas as bolsas pós-doutoramento com pelo menos três anos em contratos, através de concursos, não prevê nenhum tipo de sanção para incumprimento, mas o ministro admitiu ao PÚBLICO que os bolseiros que se sintam de alguma foram lesados possam recorrem à justiça para forçar a abertura de concursos. Ainda neste capítulo da nova legislação, o Observatório de Emprego Científico destaca algumas das instituições mais e menos cumpridoras.

Assim, com uma taxa de execução superior a 50%, encontram-se o Instituto Politécnico de Bragança, o ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Com uma taxa inferior a 5% há seis instituições: o Instituto Politécnico de Leiria, o Instituto Politécnico do Porto, a Universidade da Madeira, a Universidade de Aveiro, a Universidade de Coimbra e a Universidade dos Açores.

Nas instituições privadas sem fins lucrativos havia 567 bolseiros sinalizados e foram abertos já 282 concursos, existindo cinco instituições com taxa de execução de 100% – o Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, o Instituto de Telecomunicações, a CEU – Cooperativa de Ensino Universitário, e o INESC-MN.

Mas as novas fórmulas de emprego científico não se resumem à porta aberta pela nova lei. No âmbito do primeiro concurso para candidaturas institucionais para planos de emprego científico estão atribuídos um total de 400 contratos para investigadores doutorados, existindo actualmente 58 planos de emprego científico. Na porta das “candidaturas individuais de investigadores doutorados” (as antigas bolsas de pós-doutoramento) está prevista a atribuição de 500 contratos pelo concurso de 2017. E Manuel Heitor adiantou ao PÚBLICO que o concurso de 2018, que deverá abrir em Setembro, vai atribuir mais “cerca de 400 contratos”.

No âmbito da avaliação das unidades de investigação prevê-se mais 400 contratos de investigadores doutorados. Por fim, num dos processos mais tumultuosos dos últimos tempos que foi o atraso de vários meses na aprovação dos projectos de investigação apoiados pela FCT, o concurso para projectos de investigação de 2017 vai levar à contratação de 1618 investigadores, um por cada projecto aprovado e financiado.

E ao abrigo do PREVPAP, a regularização tem sido reservada para “casos verdadeiramente excepcionais”, admite o ministro. Uma ressalva que explica a baixa “taxa de execução” do Governo, com, por exemplo, 2558 requerimentos de docentes doutorados do ensino superior apresentados, 81% analisados e apenas 7% dos casos regularizados. Neste indicador, foram também apresentados 1630 requerimentos de investigadores doutorados, tendo sido analisados 24% e regularizados 20% dos casos. Melhor estará a situação de colaboradores em carreiras gerais, com 1103 situações de bolseiros de gestão de ciência e tecnologia e bolseiros técnicos de investigação regularizadas no âmbito do PREVPAP até ao início de Julho de 2018. Neste último caso, foram analisados 2300 requerimentos submetidos.

1951 é o número de bolseiros doutorados abrangidos pela chamada “norma transitória” da nova lei do emprego científico que terão direito a um contrato de trabalho através de concurso

Para juntarmos aos já referidos 71 contratos formalizados no âmbito da norma transitória da lei do emprego científico e chegarmos ao total de 626 investigadores e docentes contratados até agora, temos de somar os 444 docentes doutorados abrangidos pelo regime transitório do ensino superior politécnico público e ainda os 111 contratos dos concursos regulares de contratação e progressão de investigadores e docentes.

A FCT tem vindo a publicar no seu site os progressos nas várias frentes do emprego científico. Mas Manuel Heitor quis fazer mais do que isso. Quis fazer, sobretudo, mais pressão. O Observatório de Emprego Científico junta o “útil ao agradável” porque cumpre também o princípio da transparência, comprometendo-se a publicações semanais que serão divulgadas no Portal do Governo e no site da FCT a partir de desta quinta-feira.

“Este processo do emprego científico é complexo, com muitas vias diferentes, e a ideia do observatório é clarificar estes processos e estamos não apenas a estimular mas a pôr também alguma pressão nas instituições, sempre no respeito da sua autonomia. Este observatório serve como um processo contínuo de persuasão”, referiu o ministro.

A verdade é que se todas as previsões se cumprirem, Manuel Heitor conseguirá não só alcançar como ultrapassar as metas que fixou para esta legislatura. O ministro prometeu criar três mil empregos até ao final de 2018 e cinco mil até ao final da legislatura. Se tudo correr como espera, terá, pelo menos, 4526 contratos no final de 2018.

71 é o número de contratos formalizados ao abrigo da norma transitória da lei do emprego científico

Só quem anda muito distraído é que não se terá dado conta dos agitados tempos que se vivem na ciência em Portugal. Há protestos dos investigadores que viram as costas ao ministro da ciência e ao primeiro-ministro, queixas dos reitores, reitores acusados de boicote ao emprego científico, cartas abertas e muitos artigos de opinião de cientistas inconformados, um ministro que se junta a um manifesto que pede mais e melhor para a ciência em Portugal, desespero de quem espera por ver o seu projecto avaliado e aprovado, denúncias de erros e falhas de quem ficou para trás, a oposição ao Governo a apontar para o falhanço e falta de coragem na luta contra a precariedade na ciência.

Apesar das divisões, há alguns consensos. Por exemplo: é preciso contratar mais investigadores. Ou mais genérico ainda: é preciso acabar com a precariedade na ciência (e em todos os outros sectores, já agora). Porém, se os reitores reclamam que para contratar mais precisam de mais recursos financeiros, o ministro responde que a barreira não é o financiamento e reclama pela “responsabilização” das universidades e politécnicos do país. Manuel Heitor tem feito repetidamente este apelo à responsabilização, sublinhando sempre que deve ser salvaguardada a autonomia das instituições. O Observatório de Emprego Científico será um sinal de impaciência perante a “inércia das instituições”. Um sinal que será ainda mais urgente quando os protestos (que o ministro desvaloriza, considerando que estão sobretudo centrados em Lisboa) parecem ter subido de tom nos últimos tempos.

ANDREA CUNHA FREITAS

12 de Julho de 2018, Público