20 anos de Bolonha: quadruplicou número de portugueses a estudar pela Europa

Numa altura em que se assinalam os 20 anos da assinatura do Acordo de Bolonha, em 1999, o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, aponta a mobilidade dos estudantes, a modernização do superior e o reforço da atividade científica como os principais ganhos do país.

Bolonha também ajudou a tornar as universidades portuguesas mais atrativas para alunos de países não europeus.

A assinatura do acordo de Bolonha faz nesta quarta-feira 20 anos. E a adesão de Portugal a este projeto destinado a criar um espaço comum do ensino superior na Europa ultrapassou as expectativas, defende ao DN o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor. "Estamos muito avançados face aos ideais iniciais", afirma, considerando que "a mobilidade dos estudantes na Europa, como parte de uma cultura associada ao Erasmus", é uma das marcas de Bolonha.

Desde o início deste século, o número de estudantes portugueses que anualmente dedicam ou um semestre ou um ano a estudar noutra instituição europeia cresceu quase 400%. E o trajeto inverso também aumentou de forma significativa. "No ano 2000, eram cerca de 2500 os estrangeiros em Portugal e 2500 os portugueses que iam para o estrangeiro num semestre ou num ano letivo, num programa do tipo Erasmus", lembra. "Neste ano letivo estão cerca de 15 mil [alunos de outros países europeus] em Portugal e perto de dez mil portugueses em mobilidade no estrangeiro." Igualmente significativo, considera, é o facto de estes números terem crescido significativamente "nos últimos anos".

Estes dados dizem respeito apenas à mobilidade entre instituições do ensino superior europeias, que se tornou mais fácil com a criação de um sistema de graus e diplomas homogéneo entre os países signatários - 47 -, numa área geográfica que ultrapassa as fronteiras da União Europeia, estendendo-se à Rússia e à Turquia e abrangendo países como a Suíça e o Vaticano. Um sistema caracterizado por primeiros ciclos (equiparados à licenciatura) mais curtos, de três anos, seguidos de mestrados (2.º ciclo), de dois, e dos doutoramentos.

Tal como a introdução de um sistema de créditos académicos [European Credit Transfer System, ECTS], reconhecidos entre todos, permitiu não só facilitar esta mobilidade dos alunos como o reconhecimento pelas diferentes instituições das habilitações obtidas entre os diferentes países.

Mas esta abertura das fronteiras europeias do ensino superior, associada ao "reforço da qualidade" das universidades portuguesas, também tornaram Portugal mais atrativo para estudantes de outros pontos do mundo, nomeadamente de países lusófonos, como o Brasil e Angola. "Se considerarmos o volume total, considerando os alunos em mobilidade e os outros casos, já temos cerca de 50 mil estrangeiros a estudar no país", diz Manuel Heitor.

A agência que veio eliminar os nichos "de baixa qualidade"

Uma das obrigações decorrentes da adesão ao Processo de Bolonha, de forma que os cursos oferecidos no país pudessem ser reconhecidos internacionalmente, foi a introdução de um sistema externo de controlo. A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), introduzida pelo então ministro Mariano Gago - em cuja equipa Heitor era secretário de Estado do Ensino Superior - não foi recebida de forma consensual. E ainda hoje é ocasionalmente objeto de protestos. Mas para Manuel Heitor o seu papel foi decisivo nesse processo de melhoria da oferta formativa.

"Podemos às vezes não estar de acordo com o resultado da acreditação mas hoje é consensual que a introdução da acreditação, seguindo mecanismos europeus, foi um marco essencial para o nosso posicionamento na Europa", defende. "Hoje o ensino superior português é de alta qualidade. E isso está muito associado ao que foram os primeiros dez anos de avaliação e de acreditações. Permitiu eliminar algum ruído e algumas atividades de baixa qualidade que havia em Portugal, tanto no setor público como no privado."

Outra melhoria, considera, foi a "diversificação e especialização dos cursos existentes". Nomeadamente através da introdução dos cursos curtos, "inexistentes até 2005", como os cursos de educação e formação (CEF), "particularmente importantes para articular as nossas ofertas com as práticas europeias", mas também noutros ciclos, nomeadamente "nas pós-graduações".

Limitar os mestrados integrados

Uma das transformações mais controversas de Bolonha foi a redução dos primeiros ciclos a três anos de duração. A consequência, em Portugal, foi a generalização em diversas áreas, do Direito às engenharias, dos mestrados integrados, que na prática obrigavam os alunos a frequentar o primeiro e o segundo ciclo para concluírem os seus cursos. Uma imposição que partiu não só das instituições do ensino superior como de ordens profissionais e do próprio mercado de trabalho.

Mas o ministro defende que também esse paradigma está a mudar. "A última revisão do sistema de graus e diplomas vem pôr fim aos chamados mestrados integrados, à exceção da Medicina, e vai continuar a contribuir para essa aproximação ao que são as práticas europeias", diz.

Finalmente, defende ao DN o ministro, Bolonha permitiu reforçar a atividade científica nas universidades e politécnicos portugueses e, por essa via, tornar as instituições mais competitivas.

"Falar em Bolonha é indiscutivelmente também associar cada vez mais a educação a uma forma ativa de ensino, que só se faz com mais ciência. O país beneficiou muito dos programas-quadro de investigação europeus, dos quais hoje é um ativo", considera. "Ainda na última publicação que saiu há dois dias na [revista] Nature, sobre a participação dos vários Estados membros no programa-quadro, é visível que Portugal aumentou a participação de forma considerável. E em 2018 tivemos uma participação recorde", lembra.

20 anos de acordo debatidos em Aveiro

Os 20 anos da assinatura da Declaração de Bolonha, a 19 de junho de 1999, serão o tema de uma conferência nacional que decorre hoje, entre as 10.00 e as 18.00, na reitoria da Universidade de Aveiro (UA).

No encontro, além do ministro Manuel Heitor, estarão Eduardo Marçal Grilo, que assinou a declaração enquanto Ministro da Educação, Pedro Lourtie, o diretor-geral do Ensino Superior que acompanhou as negociações da declaração, Stephane Lauwick, presidente da European Association of Institutions in Higher Education (EURASHE), Robert Napier, presidente da European Students Union (ESU), e João Pinto, presidente do International Board da Erasmus Student Network (ESN).

Adelino Costa, vice-reitor da UA para o Ensino e Formação, defendeu, em declarações divulgadas pela instituição, que "estas datas simbólicas são sempre excelentes pretextos para promovermos a reflexão sobre o passado e a discussão sobre os desafios que o futuro nos impõe".

Pedro Sousa Tavares - 19 Junho 2019 — Diário de Notícias