Estudo do ISCTE propõe ADSE aberta a todos

Estado da nação sector a sector: aumento das custas judiciais serviu para diminuir acções e resolver congestionamento dos tribunais, mais competitividade só com empresas mais robustas e não através de empresas-cogumelos. Resumo do primeiro relatório sobre políticas públicas feito pelo ISCTE a propósito do debate do estado da nação desta quarta-feira, na AR.

Saúde

Seguro universal obrigatório pode ser solução

O problema do Serviço Nacional de Saúde (SNS) resume-se a uma equação simples com um resultado previsível: os recursos são finitos e os custos são crescentes, logo, a balança pende sempre para o mesmo lado. Os autores do estudo do ISCTE identificam as maiores limitações do SNS: impossibilidade de acesso ao médico de família no próprio dia; atrasos nas cirurgias e nos meios complementares de diagnóstico; resultados nem sempre satisfatórios no acompanhamento de doenças coronárias, vasculares e oncológicas; elevados índices de infecções hospitalares; falhas na saúde oral e mental em classes mais desfavorecidas.

Nada disto é novo e mesmo com aumento do financiamento e dos recursos, os problemas não se resolvem. Porquê? Os autores do trabalho apontam uma falha estrutural: a “indefinição crónica” sobre o modelo de financiamento e sobre a forma como se devem organizar os prestadores dos cuidados de saúde. Consideram que não é “verosímil” que a saúde seja apenas financiada pelo Estado e defendem que a relação entre o SNS e as Parcerias Privadas na Saúde não têm de ser concorrenciais.

Criticando o actual caminho que, em vez de ser sustentado na igualdade, passou a ser ancorado no princípio da equidade – em que o Estado se concentra na população mais desprotegida – sugerem uma outra solução. “Uma possibilidade é um seguro universal obrigatório que permita afectar o orçamento do SNS exclusivamente à sua actividade, organizar o financiamento público da prestação privada evitando concorrência e falta de transparência” e “reforçar a regulação do Estado” sobre os privados. Concretizando com um exemplo que já existe: é como alargar a ADSE a todos os portugueses. Cada um entregava uma parte do seu rendimento “com custos pouco significativos no acto do consumo”. Rita Ferreira

Função Pública

Rejuvenescimento e qualificação são desafios

Qualificar, motivar e rejuvenescer a função pública são os grandes desafios que se colocam à Administração Pública, para que possa assegurar a prestação de serviços de carácter universal, solidário e inclusivo. A receita é deixada pelos investigadores César Madureira e Maria Asensio no capítulo que analisa as políticas levadas a cabo nas últimas duas décadas.

Este período, concluem, ficou marcado por medidas de redução directa de despesa (como o corte nos salários) e por medidas para reduzir os custos do trabalho no médio e no longo prazo, com a introdução do sistema de avaliação SIADAP, “que serviu mais para conter a despesa do que para avaliar o desempenho”. Mas olhar para a Administração Pública apenas pela óptica das despesas com pessoal (que caíram para 10,9% do PIB em 2017) pode ser redutor e não tem em conta o papel dos trabalhadores no sucesso ou insucesso do Estado. 

Apesar de o actual Governo ter revertido algumas medidas do período da troika, a não admissão de novos trabalhadores, a falta de qualificação “de uma parte ainda significativa” dos recursos humanos e a desmotivação continuam a ser um entrave à “eficiência” e “eficácia da acção do Estado em Portugal.

“Para responder adequadamente às necessidades dos cidadãos, o Estado tem de vencer o desafio de motivar e qualificar os trabalhadores da Administração Pública e rejuvenescer os seus quadros, recrutando novos funcionários, mais qualificados, sabendo que terá que o fazer dentro de um contexto em que se mantêm fortes restrições orçamentais”, concluem. Raquel Martins

Produtividade​

Empresas maiores em vez de mais empresas

Portugal tem demasiadas empresas pequenas. É a penúltima economia da UE na proporção de empresas com 250 trabalhadores ou mais. O problema é que esta “reduzida dimensão limita o potencial de inovação e de internacionalização”, observa Ricardo Paes Mamede, e isso torna a economia menos produtiva e competitiva. Por isso, é preciso mais empresas de maior dimensão, defende.

O problema dos “níveis de produtividade modestos” também “reflecte o padrão de especialização, a dimensão das empresas, a qualidade da gestão e as qualificações dos trabalhadores”.

Aposta-se agora no Programa Indústria 4.0, com a digitalização e inovação produtiva, mas Portugal “terá dificuldade em absorver de forma útil aumentos significativos das despesas empresariais em I&D no curto e no médio prazo”. Porquê? Porque se é verdade que Portugal “investe pouco” em inovação avançada face à média europeia (133% do PIB vs. 2,06%), a verdade é que o investimento já é “superior ao valor esperado tendo em conta a estrutura produtiva” assente em pequenas empresas.

Diferentes indicadores expõem este problema de estrutura. Um exemplo: apenas 8,4% das empresas cooperam com o ensino superior; uma ínfima parte (5,4%) são empresas pequenas e a maior fatia (38,4%) são as que têm 250 trabalhadores ou mais.

Ou seja, empresas maiores tendem a ser mais inovadoras. E também tendem a apostar mais na qualidade da gestão, na qualificação e na internacionalização. Por isso, conclui Paes Mamede, aumentar o número de empresas de maior dimensão só trará vantagens. Isso pode ser feito por investimento estrangeiro, que exige melhores “condições de contexto” (como regulação, justiça, qualificação e estabilidade fiscal); ou pode ser conseguido por estímulo ao crescimento das empresas já existentes – algo que se tem tentado através do Programa Capitalizar, mas cujo impacto ainda está por aferir. Victor Ferreira

Emprego

Precariedade depende mais da gestão das empresas do que da lei

A utilização de contratos precários para assegurar funções permanentes nas empresas é “um problema estrutural” do mercado de trabalho português e tem mais a ver com as estratégias seguidas pelas empresas do que com a legislação laboral. Esta foi a conclusão a que chegou o investigador Paulo Marques no capítulo que analisa as reformas na área laboral de 2011 para cá e os seus efeitos na qualidade do emprego.

Depois de analisar a evolução dos salários, do tipo de contratos e da negociação colectiva, o investigador conclui que, na actual legislatura, houve uma melhoria destes indicadores, mas as medidas não permitiram uma “reversão completa do processo de desvalorização interna” que teve lugar no período anterior.

Isso é particularmente visível nos vínculos contratuais. O governo anterior seguiu uma estratégia de diminuição da protecção dos contratos permanentes, enquanto o actual executivo optou por políticas tendentes a reduzir a utilização de contratos atípicos. A mudança de estratégia não teve, porém, resultados “particularmente animadores”: a proporção de contratos temporários involuntários manteve-se em torno dos 18%.

“A segmentação do mercado de trabalho não se explica pelo nível de ‘rigidez’ da legislação laboral. São a estratégia das empresas e o conflito social que actuam como forças estruturais que geram a segmentação”, conclui o autor, lembrando que as empresas que investem pouco em formação são as que têm níveis de rotação mais elevados, independentemente das regras laborais.

Ao nível dos salários e da negociação colectiva, Paulo Marques também dá conta de melhorias, mas o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem continuava, em 2017, a ser inferior ao de 2011 e os contratos colectivos abrangiam, em 2018, menos trabalhadores do que em 2010.

Para que a reversão do “processo de desvalorização” se concretize totalmente, o autor defende que é importante que os salários continuem a aumentar e que as políticas de emprego deixem de apoiar empresas que investem pouco na formação dos seus trabalhadores. Raquel Martins

Finanças Públicas

A dívida pública, ainda o problema

A melhoria do saldo orçamental e o início de uma trajectória de redução do peso da dívida pública que Portugal tem conseguido nos últimos anos não significa ainda que a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas, claramente colocada em causa durante a última crise, esteja completamente assegurada. Na análise às finanças públicas portuguesas feita no relatório, o economista Miguel St. Aubyn, que é actualmente vogal executivo do Conselho das Finanças Públicas, destaca a importância da definição de políticas que apontem para a sustentabilidade, definida como a capacidade de o Estado ser capaz de fazer face no futuro aos seus compromissos de despesa (social e outra) e de pagamento da dívida, salientando que, para fazer isso, “existe um vasto leque de escolhas possíveis”.

Em Portugal, neste momento, o problema é o actual peso da dívida pública no PIB, que embora tendo começado a cair a partir de 2014 (passando de passou de 130,6% para 121,5%), continua a estar “em níveis muito elevados”. Isto implica, afirma o autor, “diversos riscos e constrangimentos para as políticas públicas em Portugal”.

Entre os riscos e constrangimentos está a necessidade de “afectação de recursos públicos ao pagamento de juros” e “a perda de espaço orçamental, ou seja, da possibilidade concreta de fazer face a períodos recessivos com a adopção de políticas orçamentais contracíclicas”.

É por isso que, em relação ao que há a fazer no momento em que o défice público chegou a zero, Miguel St. Aubin, embora afirmando que “não se afigura como desejável, ou possível, que, a partir de agora, se mantenha uma tendência crescente da receita, ou a sucessiva quebra da despesa”, salienta que a necessidade de redução do peso da dívida pública “ultrapassa em muito os compromissos resultantes das regras orçamentais europeias”. Sérgio Aníbal

Educação

Baixa qualificação dos jovens adultos é um problema

Cerca de um terço das pessoas entre os 25 e os 34 anos em Portugal não concluiu o ensino secundário, o que mostra que a população jovem adulta ainda tem um problema de baixas qualificações. O capítulo sobre a Educação alerta que existe um perigo de que os progressos feitos na Educação nas ultimadas décadas – como diminuição do abandono escolar ou a melhoria de resultados nos testes internacionais – ajudem a difundir a ideia de que o problema de qualificações da população está resolvido ou confinado às pessoas mais velhas.

Ainda que tenha melhores qualificações do que a geração anterior, os jovens adultos (entre os 25 e os 34 anos) mantêm um “baixo nível” educativo. Cerca de um terço (30%) não completou o secundário, um valor que é o dobro da média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Só há três países piores que Portugal.

Os dados constam da última edição do relatório Education at a Glance, publicado pela OCDE. O país tem, porém, evoluído de forma positiva nas últimas décadas: a percentagem de população adulta que não concluiu o ensino secundário baixou cerca de 40 pontos percentuais desde 1998.

O capítulo dedicado à Educação é assinado por João Trocado da Mata, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), que foi secretário de Estado da Educação, entre 2009 e 2011, quando era Isabel Alçada a ministra do sector. Samuel Silva

Justiça​

“Demasiado lenta” e “demasiado cara”

A avaliação da Justiça coube à coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça, Conceição Gomes, e resume-se no título do artigo “Ainda demasiado lenta, ainda demasiado cara”. A investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra realça que os vários diagnósticos convergem em apontar o “elevado custo da justiça” – quer custos directos como as taxas de justiça, os honorários e as despesas com advogados, quer indirectos como a perda de dias de trabalho e os custos de deslocação ao tribunal – e “em especial, da morosidade e da ineficiência dos tribunais, como principais bloqueios à efectivação do direito à justiça”.

Conceição Gomes nota que não existem estudos que permitam conhecer com rigor o impacto no acesso aos tribunais da alteração do regime das custas judiciais. “Segundo a percepção dos advogados, a partir de 2008 aumentaram as barreiras económicas, com a justiça apenas a ser ‘procurada se isso for absolutamente necessário e incontornável’, escreve a investigadora. E sublinha que esta visão está em linha com os indicadores internacionais que colocam Portugal como um dos países europeus em que o valor das taxas de justiça é mais elevado e onde existem menos situações de isenção.

Por outro lado, Conceição Gomes realça que o aumento destas taxas tem sido uma das estratégias usadas para combater a morosidade e o congestionamento dos tribunais, baixando a procura. “O valor das custas e demais encargos processuais, conjugado com as regras restritas do acesso ao apoio judiciário, tornaram os tribunais judiciais inacessíveis para muitos cidadãos portugueses”, conclui a coordenadora executiva. Como notas positivas, a investigadora realça algumas medidas do actual Governo, com especial impacto no interior do país, que procuram sobretudo mitigar o modelo de concentração excessiva da justiça e um melhor aproveitamento das ferramentas informáticas. Mariana Oliveira

Desigualdades

Tributação reduziu as disparidades

Frederico Cantante, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, teve a seu cargo o capítulo sobre desigualdades. Chamou-lhe “combater a desigualdade a partir da base é fundamental, mas insuficiente”. Descrevendo Portugal como um país marcado por desigualdades a vários níveis, o autor centrou-se na questão salarial. “Portugal é um dos países europeus em que existe uma maior concentração das remunerações nos 1% do topo e é a partir dessa latitude da distribuição que as assimetrias são mais expressivas e mais têm aumentado nas últimas”, sublinhou no estudo.

Mas Portugal é também dos países que mais reduzem a disparidade por via da tributação e em que os grupos da parte superior da distribuição mais contribuem para o esforço fiscal. “Em 2016, os agregados com rendimentos brutos acima dos 40 mil euros, que representavam 15,4% do total dos contribuintes, pagaram 61% do total do imposto liquidado”, lê-se.

Da análise feita a políticas de apoios sociais ­– como o rendimento social de inserção (RSI) ou o complemento solidário para idosos (CSI) –, conclui-se que também estas têm contribuído para a elevação dos rendimentos auferidos pela população mais desfavorecida. ”A redução significativa da desigualdade de rendimento que se tem verificado nos últimos anos em Portugal (principalmente entre 2016 e 2017) deve-se sobretudo à diminuição muito significativa do desemprego, ao aumento do emprego e ao recuo da desigualdade salarial”. O próprio aumento do salário mínimo contribuiu, de acordo com o autor, para “potenciar a elevação dos salários em patamares próximos do seu valor”.

Apesar de elencar medidas que tiveram efeitos positivos na desigualdade, o estudo destaca, porém, a precariedade contratual como uma área em que pode haver melhorias. “O actual Governo aprovou um conjunto de normas que, em geral, apontam no sentido de uma maior restrição deste tipo de contratação. As mesmas ainda estão em discussão no Parlamento (…). Seria importante conciliar estas medidas com outras que exerçam uma função dissuasora da utilização abusiva do trabalho precário”, aconselha Cantante. Sónia Sapage

Cultura

O Governo esforçou-se, mas os problemas persistem

Falta dinheiro e faltam pessoas para que seja melhor o acesso à criação e à fruição culturais. Principal conclusão a tirar da breve avaliação que Jorge Barreto Xavier — escolha curiosa dos autores do estudo, já que o gestor cultural foi o último titular da pasta no anterior Executivo liderado por Passos Coelho — faz à actuação do Governo na área da cultura.

Sete páginas em que o antigo secretário de Estado reconhece que desde 2015 se fizeram esforços para aumentar as dotações e o efectivo deste sector público, mas que não foram suficientes para eliminar problemas com décadas.

Com um OE para a Cultura ainda muito longe da aspirada meta do 1% apesar da sua evolução positiva — o aumento acumulado de quatro anos é de 0,04%, nas contas de Barreto Xavier — a resolução de “situações sistémicas” nas áreas da reabilitação do património, da gestão de arquivos ou da criação e produção culturais ficou de novo adiada.

Notando que o Governo procurou promover o acesso à Cultura recorrendo à transferência de responsabilidades da administração central para a local, confiando-lhe a gestão de museus e monumentos que até aqui dependiam das decisões de Lisboa, o estudo insiste ainda que é “urgente” fazer face ao problema dos quadros de pessoal diminutos e envelhecidos. O estado em que se encontram, argumenta, chega a colocar questões imediatas de segurança das colecções e a afectar a transmissão de conhecimento das gerações mais velhas para as mais novas, situação particularmente preocupante, acrescentamos nós, no que toca aos conservadores de museus.

“Espera-se que a tendência para a satisfação de necessidades de pessoal verificada nesta legislatura se possa manter para o futuro.” Lucinda Canelas

Ambiente

País não pode continuar a descurar a qualidade dos solos

Falar de Ambiente como área sectorial, tutelada por um entre os vários ministérios de um Governo é algo estranho ao debate que se vai fazendo, no mundo, sobre o impacto da acção humana no clima e, efeito boomerang, do clima em mudança na própria humanidade. Ciente desta transversalidade que nos é imposta, desde logo, pela urgência, Catarina Roseta-Palma, investigadora do ISCTE, alerta que “um dos aspectos mais relevantes da discussão actual é precisamente salientar que a conservação da natureza e dos serviços dos ecossistemas não pode esgotar-se em medidas para as áreas protegidas. O ordenamento do território, a gestão das zonas urbanas, a política agrícola, toda a acção pública, tem impactos sobre o meio que nos rodeia e tem de ter consciência desses efeitos”.

Portugal, nota, é dos países mais ambiciosos do mundo no que diz respeito ao combate às alterações climáticas, como pode ver-se no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050”, tem produzido legislação importante, com o Plano de Acção para a Economia Circular ou a Nova Estratégia Nacional para as Florestas, mas nem por isso consegue ultrapassar as debilidades que, no terreno, nos impedem de cumprir as metas de gestão e reciclagem de resíduos urbanos, por exemplo, ou de amenizar estruturalmente, os impactos dos incêndios rurais.

Catarina-Roseta-Palma assinala ainda que “dada a importância da água para a agricultura e do sector agrícola nas pressões sobre os recursos hídricos, parece evidente que uma política eficaz para melhorar as condições neste domínio exige a compatibilização entre a política da água e a política agrícola”, num país que não pode, também, continuar a “descurar” as questões da qualidade do solo, sobre a qual não há qualquer indicador no Relatório de Estado do Ambiente que o país publica desde 1987. Abel Coentrão

Território

Um planeamento incompleto, e com novos desafios para integrar

O geógrafo João Ferrão, que já teve responsabilidades governativas na Área do Ordenamento do Território, aponta cinco problemas nas políticas de ordenamento do território e coesão territorial levadas a cabo em Portugal nos últimos 15 anos. O país, assinala, ainda não terminou o seu sistema de planeamento, faltando, entre outros, aprovar os planos regionais do Norte, do Centro e da Área Metropolitana de Lisboa. Nas políticas urbanas, critica a curta duração de alguns programas interessantes, “a descontinuidade de objectivos” e “a inexistência de uma visão integradora”.

O antigo secretário de Estado considera que a Governança Territorial – outro edifício inacabado, é “o grande desafio”, e alerta ainda para “o facto de o alargamento do ordenamento do território ao espaço marítimo (uma medida inovadora de indiscutível mérito) ter sido feito sem garantir a necessária integração entre os sistemas de planeamento de incidência terrestre e marítima”. Por último, para não esquecer um tema do momento, questiona se não será perversa, para o Interior, a existência de um programa nacional que é apenas dedicado a uma parte do território, quando politicamente o que se procura é a “coesão territorial”.

“Questões como a evolução das cidades ou da orla costeira, dos incêndios florestais ou da reabilitação urbana, da biodiversidade ou das redes de equipamentos sociais, do papel dos centros urbanos de média dimensão ou das assimetrias regionais, estão hoje incorporadas nas políticas de ordenamento do território e nos seus vários planos”, assume, mas alerta que “emergiram, entretanto, novas questões, cuja integração nos instrumentos de política existentes é ainda insuficiente ou complexa. Alterações climáticas, despovoamento, habitação, relações urbano-rurais ou impactos da agricultura hipertensiva são alguns dos exemplos mais evidentes”, diz. Abel Coentrão

Ciência

Os desafios da ciência

O modelo de governação, o emprego científico e o impacto socioeconómico da investigação. São estes os três desafios apontados para a ciência e tecnologia em Portugal por Tiago Santos Pereira, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

No estudo, o modelo de governação actual é descrito como “demasiado complexo”. “Os processos de decisão em investigação deverão dar prioridade à previsibilidade do financiamento, ao contexto da investigação, e a modelos de avaliação que respondam aos objectivos de qualidade e impacto da investigação”, lê-se.

Quanto ao emprego científico, o maior desafio é a criação de condições para progressão na carreira, “ultrapassando um modelo em que a precariedade é permanente e não apenas para uma fase inicial da carreira”.

Por fim, destaca-se a necessidade de promoção do impacto da investigação científica e tecnológica feita em Portugal. “As políticas de investigação e inovação de nova geração são cada vez mais orientadas pela procura do seu contributo para a transformação face aos grandes desafios societais”, refere-se, indicando-se que este deverá ser um desafio para novas formas de cooperação entre centros de investigação ou empresas.

Nas principais medidas do actual Governo, destaca-se o Programa de Estímulo ao Emprego Científico, que tentou responder à precariedade de emprego de novos doutorados e que, embora persistam situações de precariedade, é descrita como “uma mudança muito significativa”. Já iniciativas de ligação entre a investigação científica e a inovação como a criação da Agência Espacial Portuguesa e os laboratórios colaborativos (consórcios que envolvem a academia, empresas privadas e instituições públicas) são consideradas promissoras.

Assinala-se ainda o objectivo de Portugal – em linha com a Europa – em atingir um nível de investimento em investigação e desenvolvimento de 3% do produto interno bruto (PIB). Mas esta ambição ainda está longe de ser alcançada: de acordo com o Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, em 2018 o investimento em ciência atingiu 1,37% do PIB. “O eventual êxito no seu alcance significaria também uma mudança estrutural do sistema”, indica-se. Teresa Serafim

Defesa

Forças Armadas sem atractivo

O que se passou para que, desde 72 mil efectivos em 1989, na sombra da guerra colonial e com Serviço Militar Obrigatório, as Forças Armadas tenham passado para cerca de 27 mil em 2018? Na sua análise, Helena Carreiras, professora associada no ISCTE em Sociologia, Políticas Públicas, Segurança e Defesa, e desde a semana passada directora do Instituto de Defesa Nacional, descreve as etapas do processo: umas planeadas, deliberadas e executadas; outras, por influência sócio cultural e em derrapagem face ao previsto no programa 2020 que previra entre 30 mil e 32 mil efectivos.

Desde 2014, já com serviço militar exclusivamente voluntário em tempo de paz e tendo como meta a profissionalização, há um saldo negativo de entradas e saídas, invertendo-se o peso relativo dos militares no quadro permanente, 60%, para 40% de voluntários e contratados. As Forças Armadas não atraem os jovens nem têm capacidade de reter os que por elas passam.

Para combater esta “crise de vocações”, em Abril o Ministério da Defesa Nacional apresentou um plano que carece de regulamentação. Desenhado sobre três eixos, ou momentos, visa o recrutamento, a retenção de modo a rentabilizar a sua formação e aumentar a possibilidade de reinserção na vida civil após a saída das Forças Armadas.

Definida a escassez e suas implicações, desenhada a incompatibilidade entre os meios humanos e o dispositivo territorial que implicará o ajustamento ou encerramento de unidades, há a certeza de que falta quase tudo por fazer.

Nuno Ribeiro - PÚBLICO - 9 de Julho de 2019