O bife já saiu das cantinas de Coimbra, a neutralidade carbónica está prometida para 2030

Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra, fala sobre os desafios de uma instituição que comemora este ano o 730º aniversário. Atrair mais alunos estrangeiros, aumentar a investigação e modernizar currículos são alguns dos objetivos

É uma das mais antigas universidades do mundo mas é a preparar a instituição para o futuro que Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra (UC), quer dedicar o seu mandato. No ensino, na investigação, mas também na contribuição para os desafios da sociedade atuais, incluindo as alterações climáticas.

Durante a receção aos mais de três mil novos alunos da UC, anunciou que a carne de vaca deixaria de constar das ementas da universidade a partir deste ano. O anúncio gerou discussão, críticas e aplausos. Mas a decisão, “simbólica”, avançou em janeiro e integra um plano mais vasto para atingir a neutralidade carbónica em 2030, ou seja, reduzir as emissões de de gases com efeito de estufa ao ponto de assegurar o equilíbrio em relação ao que polui.

“Acredito que também compete à universidade transmitir à sociedade sinais sobre os problemas que considera importantes e participar ativamente na resolução desses desafios. As alterações climáticas são seguramente um deles”, argumenta Amílcar Falcão, explicando assim a decisão de deixar de oferecer carne de vaca nas cantinas da UC: “Foi um gesto simbólico do reitor para mostrar como a Universidade está comprometida com este combate”.

“Ataque desproporcional”

O que Amílcar Falcão não imaginava era que o anúncio iria causar tanto barulho. Até porque, sublinha, outras grandes universidades, como Cambridge ou a University College London, também avançaram com mudanças nas ementas com a preocupação ambiental em vista. “Confesso que foi com alguma perplexidade que assisti ao desenrolar da minha intervenção. O que aconteceu a seguir foi um ataque desproporcional de alguns lobbies.”

A medida tem o apoio dos estudantes e a ideia é continuar a caminhar para ementas mais “vegetarianas, mais adaptadas a um consumo sustentável e a uma alimentação equilibrada”, revela.

Quanto às críticas que recebeu, o reitor considera que tão “criticável é o reitor que diz que vai retirar a carne de vaca das ementas como o ministro, depois de um incêndio, afirmar que vai plantar uma árvore”. “Seguramente que não é com esse gesto que vai reflorestar a zona. Mas é um sinal de que está comprometido com a reflorestação.”

Entre as medidas que irão contribuir para alcançar a neutralidade carbónica estão também a redução da circulação automóvel no campus e a substituição por veículos elétricos e transportes públicos, a redução ao mínimo dos plásticos, o uso de detergentes biodegradáveis, a redução do papel - com a generalização da assinatura eletrónica - ou ainda a instalação de painéis fotovoltaicos para a produção de energia.

Estrangeiros de mais de 100 países

Quanto a outras prioridades definidas pela equipa de Amílcar Falcão, a investigação está também no topo da lista. O objetivo é ter “mais patentes, mais citações, mais spin offs” e “facilitar a vida a quem apresenta melhor produtividade”. Para o laboratório Coimbra Laser Lab, dedicado ao estudo das radiações e da matéria, haverá um investimento superior a 2,5 milhões de euros, garantindo que metade do equipamento é “único no mundo”.

A atração de estudantes internacionais, numa universidade que conta já com 20% de alunos (um total de cerca de cinco mil) oriundos de mais de uma centena de países, é também outra linha estratégica. Os mestrados e os doutoramentos são os ciclos para onde se quer captar mais estudantes estrangeiros e, entre estes, há um mercado em que a UC, e não só, pode continuar a crescer, acredita o reitor.

“Dos quatro a cinco milhões de estudantes brasileiros que concluem o secundário todos os anos, as universidades públicas do Brasil podem acolher, na melhor das hipóteses, um milhão. Sobram três ou quatro, que ou vão para o privado ou para a Europa e também Estados Unidos. Em Portugal, encontram instituições tão boas ou melhores - e onde até podem pagar menos. Além de que têm acesso a uma nova cultura e à mais valia de se poderem movimentar por toda a Europa”.

Currículos flexíveis e um subfinanciamento que se mantém

Na área do ensino, as palavras de ordem são inovar e modernizar, com a introdução de novas tecnologias, mas também toda uma restruturação curricular que assegure que os estudantes estejam “mais bem preparados para a vida real”.

Os novos cursos já estão a ser pensados nessa lógica e serão criadas disciplinas “transversais” que não se resumem às áreas específicas de estudo. “Temos de caminhar para currículos que tenham um esqueleto base – de biologia, de engenharia civil, etc – com o fundamental de cada área, mas também com alternativas, que passem pelo cruzamento de saberes, mas também pelo desenvolvimento de capacidades várias, desde a liderança a análise e resolução de problemas, valores”, antecipa o responsável.

Em relação ao Orçamento do Estado para o ensino superior – que prevê um aumento de 5% nas verbas para as instituições de ensino superior públicas em 2020 – e ao contrato para a legislatura assinado entre as universidades e o ministério de Manuel Heitor, o reitor considera que foi o acordo possível. “É positivo ter um acordo de estabilidade para os próximos quatro anos, não obstante ser curto em relação ao que seriam os nossos desejos”. Até porque, reforça, não se recuperaram “nem de perto nem de longe” as perdas ocorridas durante os anos da troika, e o sistema continua “claramente subfinanciado”.

Isabel Leiria - Expresso - 30/1/20