Metade dos estudantes do ensino superior está em burnout académico

Novo estudo mostra que o número de estudantes do superior em burnout está a aumentar, como tem acontecido entre os médicos, enfermeiros ou professores. Investigador descreve a situação como sendo “deveras preocupante”.

Exaustão, descrença, ineficácia. O chamado burnout aterrou entre os estudantes do ensino superior e com níveis “preocupantes”: metade dos alunos das universidades e politécnicos estão já nesta situação limite. É o que mostram os resultados de um estudo da autoria do professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), João Marôco, que será apresentado nesta sexta-feira no Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, que se realiza na Universidade da Beira Interior (UBI).

Um levantamento divulgado pelo mesmo investigador em 2012, com base num inquérito apenas a estudantes de Lisboa, dava conta de que “apenas” 15% deles estavam em burnout. Um valor que entre os alunos que estudam na capital subiu agora para 52%. Mas é na Universidade de Aveiro que se observa a incidência mais elevada, com 64,9% dos seus alunos a apresentarem sintomas deste estado.

Se em 2012 a situação que encontrou não lhe causou alarme, neste momento tudo mudou. “A situação agora é deveras preocupante”, alerta aquele investigador, adiantando que já estava à espera deste “salto”: “Nos contactos com outros professores e com alunos tenho constatado que os níveis de exaustão entre estes são mais elevados. E que a descrença sobre o que irão fazer com o que estão a estudar é também maior.”

Uma pausa para se identificar então o que é o burnout, que tem vindo também a alastrar em grupos profissionais como médicos, enfermeiros ou professores. “É a síndrome de exaustão, de alguém que chegou ao limite, esgotando os seus recursos. Na perspectiva mais clínica acontece em situações profissionais e académicas, esta é a principal diferença dos outros quadros depressivos”, descreve o psicólogo do Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Rui Martins. João Marôco isola as características deste estado entre os estudantes, o que se pode chamar de burnout académico: “Elevada exaustão emocional, elevada descrença relativamente à utilidade dos estudos e elevada ineficácia académica.”

Entre os alunos que recorrem ao Gabinete de Apoio Psicológico da UBI, passaram a ser frequentes descrições como estas: “estou tão cansado que não consigo dormir ou descansar .... é horrível"; "sempre quis estudar está área .... e agora .... já não sinto prazer nisto"; "as amizades não me dizem nada. Não quero saber …" São desalentos testemunhados pela responsável daquele serviço, Fátima Simões, entre o número “crescente” de alunos que recorrem ao gabinete de apoio com sintomas de burnout. Acontece “sobretudo, quando se aproxima o final do semestre e em áreas científicas que se encontram identificadas em diversos estudos ou em alunos que frequentam estágios curriculares, por exemplo”.

Descrença no futuro profissional

O inquérito desenvolvido por Marôco e que contou com 1066 inquéritos a estudantes universitários mostra que é na área das ciências biológicas que os valores médios deste estado limite se apresentam mais elevados: 3.75 numa escala de 0 (nunca) a 6 (sempre). Seguem-se-lhe ciências exactas (3.54), ciências da saúde (3.46) e ciências sociais e humanas (3.18).

“Os anos da troika acentuaram muito a descrença dos estudantes quanto ao seu futuro profissional, que ainda permanece porque a situação socioeconómica do país continua a ser difícil”, aponta o investigador do ISPA, lembrando que em Portugal continua a ser “muito difícil que estes estudantes encontrem colocações compatíveis com as suas qualificações”. Não faltam relatos de diplomados que acabam “a trabalhar em call-center, como caixas de supermercados, ou que então emigram, e tudo isto passa para dentro da universidade aprofundando a descrença e o abandono académico”, frisa.

Vários estudos têm constatado que o abandono dos estudos também pode ser provocado por situações de burnout, já que este aparece associado “a sofrimento físico e psíquico” e acaba por “reduzir o rendimento académico”. Segundo os últimos dados disponibilizados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, datados de 2018, a taxa de abandono do ensino superior ronda os 30% ou dito de outro modo, todos os anos lectivos há 15 mil estudantes que, depois de entrarem no ensino superior, desistem de prosseguir os estudos.

Janeiro, por causa da habitual carga de exames de final do semestre, é um dos meses maus para este estado de sofrimento. Não por acaso é este um dos temas centrais da newsletter de Janeiro da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, divulgada esta quinta-feira. Um lugar onde a ansiedade se desenvolve não só por conta dos exames semestrais, mas que aponta também para mais longe quando no final se chegar à prova de acesso à especialidade e ainda depois aos concursos de colocação, que nos últimos anos têm deixado centenas de jovens médicos sem acesso a uma formação específica.

Estudantes deslocados estão mais vulneráveis

Um título desta newsletterÀ beira de uma explosão mental, foi o escolhido para uma entrevista ao psicólogo Rui Martins, responsável por um dos espaços do Gabinete de Apoio ao Estudante daquela faculdade. “(…) O desespero e a angústia pelo perfeccionismo dão a ideia que enfrentar um dia normal é tarefa quase impossível. Queixam-se muito do nível de exigência de algumas matérias, da falta de tempo para preparar previamente as aulas que ainda vão ter”, refere sobre os estudantes que procuram aquele espaço. 

Rui Martins alerta que o risco de burnout tem demonstrado ser mais elevado entre os estudantes deslocados, ou seja, que estão a estudar em cidades longe das suas áreas de residência. No total, cerca de 42% dos alunos do ensino superior público estudam longe de casa. Esta é também uma determinante constatada por João Marôco na sua investigação e que o leva a sugerir medidas simples que poderão fazer a diferença: “As instituições do ensino superior deveriam começar a acertar o trabalho que é solicitado aos alunos com as condições em que estes se encontram. Por exemplo, quando se trata de estudantes deslocados acontece muitas vezes que este não conseguem ir a casa aos fins-de-semana por causa da carga de trabalhos que têm e isso só lhes vai aumentar o stress”.

A partir de hoje é possível fazer denúncias anónimas de bullying

Até porque as condições em que muitos destes alunos vivem não ajudam em nada ao seu rendimento académico. Um levantamento recente feito pela Federação Académica de Lisboa (FAL) dava conta, por exemplo, que mais de metade deles (58%) vivem em casas que não têm salas onde possam estudar. Ao PÚBLICO, a presidente da FAL, Sofia Escária, revela que tencionam “proceder à realização de um estudo da incidência e prevalência das perturbações de saúde mental nos estudantes do ensino superior em Lisboa”.

“Temos verificado que se encontram frequentemente em condições de vulnerabilidade, tanto a nível psicológico como físico, durante o seu percurso académico”, conta esta dirigente académica, que em parte atribui esta situação à “sobrecarga lectiva, excesso de trabalho e competitividade, receio de mau desempenho académico, inserção no mercado laboral e apoios sociais concedidos”. E por isso deixa este desafio: “É essencial que as instituições de ensino superior actuem no sentido de diminuir o burnout, designadamente através da criação de gabinetes de apoio psicológico (que não existem em muitas unidades orgânicas)”.

“Os serviços de apoio psicológico têm de ter uma atitude mais proactiva. Os técnicos têm de sair dos gabinetes para conseguirem levar por diante um diagnóstico precoce, porque já adiantará pouco tentar recuperar um aluno que desapareceu durante um semestre”, exorta João Marôco.

Clara Viana - 31 de Janeiro de 2020, Público