Função Pública. Salários sobem mas os mais baixos ainda perdem 9% em relação ao valor de há dez anos

Os trabalhadores com salários até 683,13 euros brutos contam este ano com mais dez euros mensais. Um aumento de 1,5% que compara com 0,3% para os restantes funcionários públicos. Mas, ao fim de uma década de congelamento das tabelas, a perda acumulada no poder de compra dos vencimentos mais baixos ainda ultrapassa 9%

Afinal, será de dez euros mensais - e não de sete - o aumento para os salários mais baixos da Administração Pública este ano. Na reunião desta quarta-feira com os sindicatos, o Governo anunciou um avanço à sua proposta, o que significa que os trabalhadores que ganham até 683,13 euros brutos por mês - cerca de 150 mil, segundo o Governo - vão contar com um incremento de 1,5%.

Quanto aos restantes trabalhadores da Administraçao Pública, a proposta do Governo manteve-se inalterada, nos 0,3%.

Estes números significam que, ao fim de uma década de congelamento das tabelas, os aumentos em 2020 ficam muito longe de compensar a perda de poder de compra acumulada durante esses anos. Mesmo para os salários mais baixos.

ver gráfico em
https://expresso.pt/economia/2020-02-19-Funcao-Publica.-Salarios-sobem-mas-os-mais-baixos-ainda-perdem-9-em-relacao-ao-valor-de-ha-dez-anos

 

As contas do Expresso indicam que, em termos reais (ou seja, considerando a inflação, para analisar a evolução do poder de compra), mesmo com este aumento mais expressivo este ano, os vencimentos mais modestos na Administração Pública ficam em 2020 mais de 9% abaixo do patamar onde estavam em 2010.

Se a conta for feita em euros, a perda no poder de compra para estes trabalhadores abrangidos por maiores aumentos este ano oscila entre os 64 euros e os 70 euros por mês.

Em causa estão os funcionários públicos que atualmente se encontrem posicionados entre os níveis 4 e 5 da Tabela Remuneratória Única (TRU), cujos salários vão aumentar para, respetivamente, 645,07 euros e 693,13 euros. Desta forma, a medida abrange sobretudo assistentes operacionais e assistentes técnicos, que estão nas primeiras posições remuneratórias das respetivas carreiras.

Quanto aos restantes funcionários públicos, que terão este ano um aumento de 0,3% - um valor em linha com a inflação registada em 2019, mas que fica abaixo da inflação prevista para este ano, que é de 1% - a sua remuneração em 2020 vai ficar, em termos reais, 10,2% abaixo do nível onde estavam em 2010, para a mesma carreira e posição remuneratória.

A perda no poder de compra (medida apenas pelo impacto da inflação) chega, no caso dos salários mais elevados, aos 647 euros por mês (na remuneração-base, em termos brutos). É o caso dos médicos no topo da carreira.

É uma perda que dada a política anunciada pelo Executivo de António Costa para a atualização anual das remunerações da função pública, pode não ser recuperada. A este ritmo, os salários nunca vão “regressar”, em termos reais, ao patamar de 2010.

Isto porque, para 2021, o Executivo já se comprometeu com aumentos de 1% — a inflação prevista para 2020. E abriu a porta a um valor superior apenas se for necessário cobrir uma subida mais expressiva dos preços este ano.

Esta política de atualização dos vencimentos é considerada pelos sindicatos da Administração Pública como “inaceitável”. E, na prática, significa que os funcionários públicos nunca vão recuperar o poder de compra perdido durante os anos de congelamento das tabelas. É que só incrementos acima da inflação possibilitam essa recuperação e, esses, não parecem entrar nas contas do Executivo.

A análise do Expresso incide apenas sobre a remuneração-base em termos brutos, não tendo em conta outros subsídios. E considera apenas o impacto da inflação, não abrangendo outros fatores que penalizaram o valor líquido da remuneração desde 2010, como o agravamento dos impostos ou o aumento dos descontos para o subsistema de saúde da função pública (ADSE).

Além disso, como as progressões na carreira foram descongeladas a partir de 2018, os funcionários públicos podem ter visto a sua remuneração engordar nos últimos dois anos. Segundo o Governo, cerca de 500 mil trabalhadores já progrediram desde então, para um universo total de cerca de 690 mil postos de trabalho.

Contudo, quem ainda não progrediu contou com zero de aumento. Até agora, em que pela primeira vez desde 2009 há atualização das tabelas.

Esta degradação no poder de compra associado às várias posições remuneratórias de cada carreira chama a atenção para outro problema: a perda de competitividade da Administração Pública para atrair e reter os melhores profissionais. É o que aocntece em áreas onde há forte concorrência do sector privado na captação de talento, caso dos médicos, por exemplo.