Universidades privadas têm três anos para evitar perder o estatuto

Agência de Acreditação do Ensino Superior antecipa que apenas a Católica terá condições para manter designação com a aplicação das novas regras para os doutoramentos.

As universidades privadas têm três anos para criarem centros de investigação que lhes permitam manter os doutoramentos que têm em funcionamento, sob pena de perderem a designação de universidade. A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) avisa que apenas a Universidade Católica cumpre, neste momento, as condições exigidas pela nova legislação. Em causa está a lei de graus e diplomas que começa a produzir efeitos este ano.

A nova lei foi aprovada há dois anos e começa a aplicar-se aos pedidos de acreditação prévia de novos cursos a partir de 15 de Outubro. Os efeitos antecipados pela A3ES só deverão sentir-se dentro de três anos. Isto porque os cursos que estavam acreditados no momento da aprovação da legislação mantêm a autorização de funcionamento até ao final de 2022.

O aviso para uma possível razia nas universidades privadas é feito nas notas finais do Relatório de Actividades da A3ES de 2019, que foi publicado no mês passado: “A aplicação da legislação irá, possivelmente, determinar que algumas das instituições que são hoje universidades ou institutos universitários percam essa qualidade.”

A lei de graus e diplomas foi publicada depois de um processo de discussão pública que durou cerca de cinco meses. Com esse diploma, o Governo acabou com a exclusividade das universidades nos cursos de doutoramento – os politécnicos esperam ainda a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo para poderem passar a ministrar formações do 3.º ciclo.

Em contrapartida, as regras para a aprovação de um doutoramento passaram a ser mais exigentes para todas as instituições, que passaram a ter que demonstrar que produzem ciência na área em que querem abrir essa formação. Até aqui, era suficiente que as universidades tivessem professores integrados em centros de investigação que podiam pertencer a outras instituições. A nova lei exige que essas unidades estejam associadas à própria instituição.

Além disso, essas unidades de investigação têm de ter a classificação mínima de “Muito Bom” na avaliação feita regulamente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Para ser considerada universidade, uma instituição de ensino superior deve ter pelo menos três doutoramentos em áreas distintas. Ou seja, serão necessários três centros de investigação bem cotados pela FCT.

“O problema é que, consultando os resultados das avaliações da FCT, verifica-se que centros com essa classificação são uma raridade no sector privado”, explica ao PÚBLICO o presidente da A3ES, Alberto Amaral. Só a Universidade Católica tem três centros classificados como “Excelentes” e outros três com “Muito Bom”.

Os restantes centros de investigação ligados a instituições privadas de ensino superior estão no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), em Lisboa (um centro “Excelente”), Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (um centro “Muito Bom”) e Universidade Europeia, em Lisboa (um centro “Muito Bom”).

“É fácil de perceber que se a lei fosse aplicada hoje, com excepção da Católica, não havia uma única universidade privada que resistisse”, sublinha Amaral. Isso colocaria em causa a manutenção desse estatuto pelas principais instituições do sector privado como a Portucalense, a Lusófona, a Lusíada ou a Autónoma. O presidente da A3ES antecipa também “problemas” para a Universidade da Madeira face à aplicação das novas regras

“Estão a ser extraídas conclusões que são ideológicas e não técnicas”, responde o secretário-geral da Associação do Ensino Superior Privado, Miguel Copetto. Aquele responsável não duvida da “capacidade de adaptação” das instituições do sector particular e cooperativo, que se foi adaptando à legislação produzida pelo Estado nas últimas décadas. A primeira versão do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo é de 1989, mas já havia universidades privadas no país desde a década de 1960.

Já o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior explica que o “período alargado de transição” de três anos visa precisamente “garantir que as instituições de ensino superior dispõem do tempo e das condições adequadas para satisfazer” o requisito que passou a constar da lei. A tutela considera essencial “a existência de ambientes próprios de investigação de elevada qualidade para a acreditação de ciclos de estudos conducentes ao grau de doutor”.

O gabinete de Manuel Heitor sublinha ainda que as alterações introduzidas na lei de graus e diplomas “foram objecto de um amplo e participado processo de discussão pública, tendo recebido um vasto apoio da comunidade académica e científica”.

Samuel Silva - 1 de Junho de 2020, Público