“Ensino no próximo ano letivo deverá em princípio ser presencial”

Fontainhas Fernandes, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, tem esperança de que os estudantes voltem presencialmente às universidades. Mas sabe que o regresso pode ter de ser à distância

O próximo ano letivo vai ser um desafio grande para as instituições de ensino superior portuguesas, atendendo à pandemia de covid-19. Fontainhas Fernandes fala dos problemas que podem surgir neste âmbito e sugere soluções. Nesta entrevista, o presidente dConselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) afirma preferir as atividades presenciais em detrimento das digitais, explica que as universidades vão ter um papel preponderante na qualificação e requalificação dos perfis profissionais e aborda o que é preciso fazer no futuro para qualificar mais os portugueses.

Que expetativas tem o CRUP para o próximo ano letivo nas universidades portuguesas?

O CRUP está a desenvolver todos os esforços para trazer de novo os nossos estudantes aos campi universitários, condição decisiva para uma plena concretização da educação superior. A retoma das atividades de ensino, no próximo ano letivo, deverá em princípio ser presencial, de forma a garantir a necessária interação e desenvoltura intelectuais.

Contudo, dada a incerteza, não pode ser afastada a necessidade de trabalhar em cenários baseados nos modelos de blended learning. Estes modelos, para serem eficazes, vão exigir investimentos em tecnologia de suporte, produção de conteúdos e formação de professores, sendo importante a definição de um programa que vise dotar as academias das infraestruturas tecnológicas indispensáveis ao seu sucesso pedagógico, que inclua também o acesso dos estudantes a equipamentos e sinal de Internet adequados às atividades desenvolvidas à distância. É fundamental que o País mantenha a trajetória positiva de qualificação dos jovens.

Os exames nacionais que permitem o ingresso no ensino superior foram adiados. De que forma esta situação pode alterar o próximo ano letivo nas nossas universidades?

Existe hoje na sociedade portuguesa um consenso sobre a importância do investimento na qualificação dos portugueses. Como tal, as universidades estão a garantir as melhores condições para acolher os novos estudantes, desde logo adequando o calendário das instituições ao interesse dos estudantes e do País.

O surto de covid-19 levou a uma aposta rápida das universidades, obrigadas a transitar para o ensino digital. Está aqui uma oportunidade de ter um ensino diferente para o futuro? Ou os alunos devem regressar presencialmente às salas de aula assim que possível?

Durante a crise, as universidades revelaram uma capacidade e competência no uso das tecnologias de informação e comunicação para o ensino à distância, para a produção de conteúdos digitais e para o trabalho em rede. Efetivamente, transitaram para o ensino não presencial em cerca de uma semana, garantindo assim, a todos os estudantes, a conclusão das atividades letivas bruscamente interrompidas. O aprofundamento e o desenvolvimento destas capacidades colocam as universidades portuguesas numa excelente posição competitiva no domínio do e-learning, no panorama internacional. Contudo, o CRUP considera que as universidades só cumprem plenamente a sua missão com atividades presenciais.

Na sua opinião, quais são os principais desafios que as universidades portuguesas têm pela frente?

A atual pandemia vai pôr as instituições de ensino superior numa situação absolutamente desafiante. Em primeiro lugar, a necessidade de garantir o ensino em regime presencial no próximo ano vai implicar um trabalho difícil de organização e planeamento das atividades letivas, que em muitos casos pode exigir a reformulação e a modernização dos espaços, mas, certamente, a crise económica que se perspetiva potenciará transformações na economia e no mercado de trabalho, trazendo certamente desemprego e revelando desajustamentos entre as competências detidas por muitos trabalhadores qualificados e aquelas que lhes serão requeridas. A qualificação e a requalificação dos perfis profissionais são desafios que as universidades não podem e não querem recusar.

Quais são os cursos (ou áreas) que, atualmente, têm mais procura por parte dos nossos estudantes?

Além da tradicional procura dos cursos de medicina, nos últimos anos os cursos das ciências e tecnologia têm tido uma procura crescente, face aos novos desafios societais.

Quais são as médias dos cursos mais altas?

De uma forma geral, os cursos com maior procura têm médias mais elevadas.

Segundo o Pordata, Portugal tem revelado um aumento do número de alunos matriculados no ensino superior. Em 2019, eram 385.247. Que comentário lhe merece estes números?

Não obstante os progressos registados, há ainda muito a fazer se Portugal quiser continuar a convergir com os países mais desenvolvidos. Um dos principais desafios do País na próxima década continua a ser a superação do défice de qualificação dos portugueses e o aumento do número de estudantes do ensino superior.

As universidades desempenham neste desafio um papel decisivo, sendo necessárias políticas públicas que removam os obstáculos ao acesso ao ensino superior, que estimulem a inovação e a qualidade no ensino, que promovam a articulação entre o ensino, a investigação científica e a valorização e transferência do conhecimento.

O CRUP considera que, entre outros aspetos, deve ser dada prioridade a três tópicos: o alargamento e a intensificação da ação social, a definição de um modelo de financiamento que promova a qualidade, a transparência, a eficiência e a autonomia, e a criação de condições para melhorar a qualificação dos docentes.

Sábado - 18.06.2020 Público