Estado deve quase 200 milhões de euros à ADSE

Em causa estão pagamentos feitos com o dinheiro dos beneficiários que não deveriam ser suportados pelo subsistema de saúde dos funcionários públicos, nomeadamente mais de 29 milhões de euros em dívida pelo Serviço Regional de Saúde da Madeira

A dívida do Estado à ADSE, em 2019, ascendia a 198,2 milhões de euros, segundo o parecer do Conselho Geral e de Supervisão (CGS) ao relatório e contas do ano passado, publicado, há poucos dias, no site do organismo.

No seguimento das recomendações feitas pelo Tribunal de Contas (TC), o subsistema de saúde dos funcionários públicos contabilizou como dívida do Estado uma série de pagamentos que não deviam ter sido suportados pelas receitas originadas nos descontos dos beneficiários. Deste valor de quase 200 milhões de euros, cerca de 142 milhões de euros dizem respeito a encargos de saúde junto do Serviço Regional de Saúde (SRS) da Madeira (29,8 milhões de euros), em despesas com medicamentos nas farmácias das regiões autónomas (29,4 milhões de euros) e dívidas de descontos que não foram feitos pelos funcionários públicos dos Açores (54,1 milhões de euros) nem da Madeira (28,8 milhões de euros) – nestes dois casos as contribuições já estão a ser entregues mas persistem valores por saldar.

A esta dívida somam-se as verbas para as quais foram constituídas provisões: 51,6 milhões referentes à política social do Estado e 4,5 milhões de euros com custos decorrentes das juntas médicas (a pedido de organismos públicos para controlo das faltas de trabalhadores, a que se soma a verificação domiciliária em caso de doença). No que se refere à política social o que está em causa é a isenção dos beneficiários da ADSE que têm pensões mínimas, numa situação que representa menos 17 e a 18 milhões de euros por ano em receitas, a que acrescem 30 milhões de euros de despesas de saúde com estes inscritos.

A este respeito, o TC sinalizou, numa auditoria de seguimento ao subsistema de saúde, que estes aposentados isentos do pagamento da taxa de desconto é uma “medida de política social, da competência do Governo, definida quando a ADSE era maioritariamente financiada pelo Estado” e que “tem sido mantida ao longo dos anos sem o consentimento expresso dos quotizados da ADSE e sem que o Estado a financie”

Sobre o caso da Madeira, o TC fala em “pagamento indevido de 29,8 milhões de euros, em 2015” ao SRS desta região autónoma, tendo a ADSE suportado “encargos que constitucionalmente compete ao Estado assegurar, tal como o faz para os restantes cidadãos, e que não podem ser financiados pelo rendimento disponível dos quotizados. Tal resulta de a ADSE continuar a ser entendida como um subsistema de saúde público, embora, de facto, não o seja”. Ao Expresso, Eugénio Rosa, membro do conselho diretivo da ADSE eleito pelos representantes dos trabalhadores, constata que são valores “muito difíceis de recuperar”.

Outro dossiê ‘problemático’ são as chamadas regularizações junto dos prestadores hospitalares privados que consistem num acerto de contas. Nos exercícios de 2015 e 2016 este processo resultou na exigência, pela ADSE, de cerca de 38 milhões de euros alegadamente faturados em excesso. O facto motivou um aceso diferendo entre os maiores grupos privados de saúde e a direção do subsistema de saúde, que quase levou ao rompimento dos acordos de convenção, o que pôs em causa o acesso dos beneficiários às unidades da Luz, CUF e Lusíadas Saúde. Estas regularizações resultam do facto de ainda existirem preços ‘abertos’ nas tabelas da ADSE para o regime convencionado, o que permite aos prestadores faturarem como entendem e, depois, a ADSE baliza os valores. As novas tabelas de preços sofreram, entretanto, sucessivas demoras mas já estão nas mãos do CGS para dar parecer. Depois terão de ir para o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, que tem a tutela da ADSE.

Em relação a 2018 e 2019, a ADSE estima que os privados lhe devem 25,5 milhões de euros, a que se somam outros 11 milhões para o ano de 2017. Ou seja, entre 2015 e 2019, o acumulado das alegadas dívidas ascende a mais de 74 milhões de euros. Porém, os prestadores não foram notificados das dívidas de 2017, 2018 e de 2019. No caso dos valores de 2015 e 2016, o desacordo levou os grupos hospitalares a recorrerem ao tribunal e o processo está “parado”, indica ao Expresso Eugénio Rosa. Recorde-se que a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão tem vindo a garantir que as regularizações não estão esquecidas.

Os custos da atividade da ADSE com o regime convencionado passaram de 394,7 para 402,1 milhões de euros, ou seja, um aumento de 7,4 milhões de euros. Porém, segundo o CGS, “há que considerar que nestes números estão introduzidas regularizações previstas de 10 milhões de euros em 2018 e de 15,5 milhões de euros em 2019”. Excluindo estes valores, este encargo passou de 384,7 milhões de euros para 394,7 milhões de euros, mais 1,9 milhões de euros. No entanto, tendo em conta a demora neste processo de acertos, bem como o facto dos valores apurados da ADSE virem a ser alvo de correções (previsivelmente para baixo), tão cedo as contas do subsistema não refletem os reais reembolsos eventualmente feitos pelos privados.

O aumento dos pagamentos do regime convencionado resulta do encurtamento do prazo de faturação pelos prestadores de 180 dias para sete, enquanto no que diz respeito ao regime livre, apesar dos pagamentos terem tido um incremento de 2% relativamente a 2018, “o atraso dos reembolsos é enorme o que não permite aferir o crescimento da despesa da ADSE em 2019”, faz notar o parecer do CGS.

Em termos gerais, os proveitos operacionais da ADSE cresceram 25,3 milhões de euros para 678,4 milhões de euros em 2019, em relação ao ano anterior, o que compara com os 10,6 milhões de euros de aumento registado em 2018 face a 2017. Neste campo, o CGS salienta a subida no valor das contribuições dos beneficiários que passou de 606,1 milhões de euros para 619,1 milhões de euros, em 2019. O que significa que os funcionários públicos asseguram mais de 90% das receitas do seu subsistema de saúde.

Por outro lado, os custos operacionais diminuíram de 608,6 milhões de euros para 580,2 milhões de euros. Esta diminuição “é devida à variação das provisões de exercício” (para fazer face a despesas expectáveis), que reduziram 29,6 milhões de euros para 13,5 milhões de euros.

Um dado positivo reconhecido pelo CGS é o facto de terem sido celebradas 26 novas convenções ao abrigo do regime convencionado, “todas elas com pequenos e médios prestadores, que originaram 52 novos locais de prestação”. “Tal facto só pode ser considerado positivo porque compara com a ausência total de convenções em 2018, situação aliás recorrente nos últimos três anos (em 2016 houve três convenções e em 2017 e 2018 nenhuma)”, sublinha o órgão de supervisão da ADSE, numa alusão à necessidade de facultar mais oferta aos beneficiários, sobretudo fora das grandes localidades, bem como de diminuir o peso dos grandes grupos privados.

ANA SOFIA SANTOS - Expresso   04.08.2020 às 18h47