António de Sousa Pereira, presidente do Conselho de Reitores: "Fechar as escolas médicas é um erro. Os finalistas podem apoiar o SNS"

Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) não alinha no coro dominante que o encerramento das escolas pecou por tardio. "É uma medida que deve ser tomada em último recurso", diz o também reitor da Universidade do Porto (UP), onde o retorno às atividades letivas, agora totalmente à distância, vão ser antecipadas para dia 8. Parte das avaliações presenciais do primeiro semestre foram adiadas para uma época extraordinária no final do ano letivo, por alunos e professores não confiarem nas provas à distância. António de Sousa Pereira revela que no primeiro confinamento foram denunciados vários casos de profissionais de diversas áreas que se ofereciam nas redes sociais para realizarem exames, mediante o pagamento de avultadas quantia

O encerramento das escolas, do Básico ao Ensino Superior, pecou por tardio?
Não me parece. O impacto que o encerramento das escolas tem no desenvolvimento de crianças e jovens justifica que esta medida fosse tomada como último recurso, até porque todos os dados recolhidos em Portugal demonstram que as escolas e as universidades não têm sido locais de contágio, estando a origem dos casos registados nas comunidades educativas quase sempre relacionada com o ambiente familiar e social.

Antes da decisão do governo, o CRUP defendia que se deviam manter as avaliações presenciais. Os exames mantêm-se ou estão a ser feitos à distância?
O que o CRUP defendeu é que não se justificava a interrupção das atividades nas universidades porque de forma geral já estavam com exames e sem aulas. A UP já acabou as aulas em meados de janeiro, estamos em período de exames, que se irá manter até às primeiras semanas de fevereiro. E só então irão recomeçar as aulas, mas desta feita totalmente em regime não presencial até ao final do confinamento geral do país

O reconfinamento letivo deve manter-se para lá de 5 de fevereiro?
É agora o cenário mais provável, tendo em conta a evolução da pandemia nas últimas semanas. Mas é necessário que todos tenhamos consciência que a proibição das atividades letivas por muito tempo ou o adiamento das avaliações presenciais é uma situação catastrófica.

Porquê?
Muitas universidades não estão na disposição de repetir a experiência das avaliações à distância, que não funcionam.

Os exames não presenciais não são fidedignos?
Não é um método justo de avaliação por não ser imune à fraude. Em Portugal, temos denúncias de vários casos de profissionais de diversas áreas que se ofereciam nas redes sociais para realizarem exames, mediante o pagamento de avultadas quantias.

Não é possível controlar os 'falsos 'alunos'?
É impossível controlar. Hoje em dia a informática permite tudo. Portanto, esse sistema não é justo, os próprios estudantes não querem a avaliação à distância porque sentem que poderão ser prejudicados nas avaliações, e os professores também não querem. Na UP, optamos por dar a oportunidade de os estudantes realizarem os exames presencialmente numa época extraordinária no final do ano letivo, antecipando a partir de 8 fevereiro o início das aulas do segundo semestre, que arrancarão em modo não presencial.

É a melhor solução?
Acho que teria um efeito perverso colocar milhares de jovens sem ter nada para fazerem por mais tempo e com os efeitos previsíveis. Sabemos o que acontece quando se põe os jovens desocupados: juntam-se todos nas casas uns dos outros.

São pouco cuidados ou estão fartos de confinamento?
É a natureza. Não fomos feitos para estar sozinhos. Se para um adulto maduro é um martírio, para um jovem é insensato pedir para não conviverem uns com os outros.

Para manter os exames presenciais, as universidades têm estruturas e capacidade para manter distanciamento?
Têm e sempre que necessário são afetas estruturas mais amplas para realização de exames. De uma maneira geral, houve um apelo a que, sempre que possível, os exames possam ser substituídos por outras formas de avaliação, como relatórios ou trabalhos. Nas circunstâncias em que seja de todo imprescindível, os exames são feitos presencialmente, garantindo as condições de segurança. Aqui na UP, disponibilizamos vários espaços para o efeito, a Faculdade do Desporto garantiu ginásios e pavilhões, na Universidade de Lisboa o próprio Estádio Universitário foi disponibilizado, equipado com mesas e cadeiras. Há arejamento, afastamento físico e higienização de espaços.

O diretor da Faculdade de Medicina da UP, Altamiro Costa Pereira, avaliou como 'contraproducente' o encerramento das escolas médicas, argumentado que os finalistas estão integrados nos hospitais e podem apoiar o SNS. Concorda?

Estou totalmente de acordo e há muito que defendo isso mesmo. Sendo eu próprio médico e diretor de uma escola médica (Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar) durante mais de 14 anos, sempre defendi que esta é uma oportunidade única para os estudantes de Medicina aprenderem a lidar com eventos pandémicos e de catástrofe. Tenho a certeza de que praticamente todos os futuros médicos estão disponíveis e ansiosos por darem o seu contributo, que numa altura de extrema pressão sobre o Sistema de Saúde poderá ser bastante necessária.

Nos exames finais do ano letivo passado, assistiu-se a um maior surgimento de surtos na comunidade estudantil?

Não. Nem há neste momento surtos nas universidades. Na UP, nos últimos 14 dias tivemos 259 casos por 100 mil universitários, estudantes, docentes e funcionários. No mesmo período de tempo, a cidade do Porto registou 688 casos por 100 mil, o que significa que a incidência de casos na população universitária é inferior a metade da incidência da área territorial onde a universidade está instalada.

Estes dados são similares nas restantes universidades do país?
São dados similares. Temos feito o acompanhamento com a colaboração das autoridades de saúde, fazendo a monitorização dos casos que vão surgindo

O surto que surgiu em setembro na UP foi em contexto letivo ou social?
Nós sabemos exatamente quem foram os infetados, a que faculdades pertencem e não há identificado na universidade nenhum surto. Aliás, o pico de casos registado em setembro decorreu especificamente entre estudantes internacionais de todas as instituições de ensino superior da cidade do Porto, o que desde logo permite perceber que a origem esteve em convívios externos às respetivas escolas. Penso que em Portugal nenhuma universidade identificou surtos internos, mas casos que vêm da comunidade de alunos infetados em casa, o espaço onde surgem o maior número de casos.

É onde estão mais à vontade...
Claro, e sem proteções. Dentro das universidades tivemos o cuidado de implementar regras rígidas de condições de higiene e segurança. Que têm funcionado.

O fecho penaliza mais os alunos primeiros ciclos?
Neste momento, temos de cuidar de várias saúdes, da física, psíquica e económica. O cenário ideal seria manter as escolas abertas num leque alargado de anos entre os mais jovens. Manter os nossos jovens muito mais tempo em confinamento vai ter efeitos perversos depois na sua saúde mental de difícil recuperação no futuro.

A prioridade não tem de ser a quebra de cadeias de transmissão, face elevados números diários de novos casos?
São equilíbrios difíceis de fazer. Não há medidas ideias. O ideal era o desaparecimento do vírus, que não vai existir tão cedo...

“O DISCURSO ANTI-IMIGRAÇÃO FAZ MUITO MAL AO PAÍS”

Há um mês, a UP participou ao Ministério Público atos de xenofobia e racismo de alegados alunos e professores. Acha que terão sido motivados pela divulgação das festas entre estrangeiros?
Não me parece. O que foi denunciado visava a comunidade de estudantes brasileiros e o surto, sobretudo, foi na comunidade espanhola.

Então o que despoletou essa intolerância?
Tenho sempre muito cuidado em procurar contextualizar este tipo de fenómenos. A universidade não tolera comportamentos que ultrapassam as graçolas de mau gosto. Há limites. As redes sociais têm esse problema. Nós presumimos que partiu de alunos da UP mas nem disso temos a certeza. Era preciso identificar os autores dos domínios e nós não temos mecanismos que nos permita descobrir se determinado perfil no Facebook é verídico ou não, até por se tratar de contas anónimas.

A crescente presença de alunos estrangeiros nas nossas universidades pode ser a explicação?
Acho que sim, e está mal. É bom que em Portugal se tenha consciência que o país depende imenso da atração de comunidades estrangeiras que venham colmatar a nossa baixa de natalidade. É bom que quem tem um discurso anti-imigração tenha consciência disso. É um tipo de discurso que faz muito o mal ao país.

Antes da pandemia qual era o universo de estrangeiros na UP?
Acima de 20%. Perto de seis mil estudantes.

É a universidade mais procurada?
Em termos absolutos, penso que sim.

A quebra foi grande neste ano letivo?
Os alunos Erasmus diminuíram, sobretudo devido ao condicionamento das viagens internacionais. Os receios são reais. Mas para nosso espanto, mos estudantes de licenciatura até tivemos mais 53 matrículas do que no ano anterior. Em mestrado integrado, mais 27 do que no ano anterior. A maior quebra foi nos doutoramentos. São os estudantes mais maduros e já com família.

Qual foi o reflexo em termos de receitas?
Sentiu-se, em particular, na prestação de serviços, que diminuiu muito. Ainda não temos números exatos do deve e haver. E também houve quebra nos serviços de ação social. Há uma despesa que é fixa e que era compensada pela entrada de verbas da venda de serviços, por exemplo dos bares, que deixaram de funcionar, e de residências universitárias. Sem estudantes alojados, a despesa de manutenção mantém-se e as receitas caíram. Nos serviços sociais, houve impactos grandes, embora diferenciados de umas universidades para outras, dependendo da opção feita ou não por outsoursing. Na UP, temos bastantes cantinas em regime outsoursing, o que acabou por funcionar como escudo protetor, pois o prejuízo está a ser suportado pelas empresas que ganharam os concursos. É uma situação que não se vai manter, já que, compreensivelmente, os contratos estão a ser denunciados. As empresas não aguentam a situação. Esta situação está a ser avaliada pelo CRUP para se ter uma noção exata dos prejuízos e do acréscimo de despesas.

Em medidas sanitárias?
Desde equipamentos de proteção individual, higienização frequente de espaços, álcool-gel e equipamentos para o ensino à distância, trabalho que teve de ser feito com enorme rapidez no primeiro confinamento. Não estavamos preparados para o ensino à distância na escala em que teve de ser feito.

“O REGIME MISTO DE ENSINO PRESENCIAL E À DISTÂNCIA FOI A SOLUÇÃO PARA ACAUTELAR AJUNTAMENTOS”

O ensino não voltou a ser igual, com um regime misto entre aulas presenciais e à distância.
Foi a melhor solução para evitar ajuntamentos. Agora, a maioria das universidades estão a testar massivamente estudantes, docentes e funcionários, com custos elevados.

Que modelo de testagem está a ser feito na UP?
Fizemos um estudo serológico aberto a toda a população universitária antes das férias grandes e repetido antes do natal. Não obrigamos ninguém, nem podíamos, pois não somos uma autoridade de saúde, custo suportado a nível central. A nível local, foi recomendado testes antigénio a quem estivesse a ter atividades presenciais. Na Reitoria, fizemos testes a toda a gente que está a trabalhar no edifício, e penso que ninguém recusou.

Houve casos positivos?
No rastreio foram detetados casos de assintomáticos que seguiram a trajetória normal da doença. Teve a vantagem de identificar os positivos, mesmo antes do natal. Aliás, acho que a adesão total se deveu ao facto de querem contactar a família com o menor risco possível.

O Ensino Superior fez parte do Plano de Recuperação Económica de António Costa Silva...
Fez? Acho que não.

O Plano não incentivava a uma maior aposta das universidades e politécnicos na ciência, inovação e tecnologia?
Verteu um conjunto de ideias que deveriam constar do Plano estratégico para 20/30. António Costa Silva teve até o cuidado de reunir com o CRUP. Ouviu as preocupações dos reitores, mas no documento que é do nosso conhecimento e foi entregue em Bruxelas como documento preliminar, para nosso espanto o ensino superior está ausente, de forma geral. Temos tentado conversar com os diferentes protagonistas do documento para os sensibilizar para a importância de as universidades serem contempladas no Plano. É inexplicável que haja um conjunto de problemas complexos a resolver a que o Plano não dá resposta, mesmo existindo recomendações específicas dirigidas a Portugal por parte da UE para o Ensino Superior.

Quais?
Mudanças na ação social escolar, de maneira a se crie condições que elevar a frequência universitária.

Portugal continua abaixo da média europeia?
Muito abaixo. As recomendações de Bruxelas são taxativas, daí ter admitido que fossem adotadas medidas nesse sentido no documento final. Não foram. Em março, a Comissão Europeia fez recomendações específicas país a país. Para Portugal, um dos défices apontados é o de não ter uma estrutura de ação social escolar que permita aumentar o universo de jovens a frequentar o Ensino Superior.

Ainda temos alunos que deixam de estudar por falta de recursos?
Sim, embora não seja o único fator. Temos de melhorar a captação e aumentar a ação social. Este ano, temos um desafio particularmente exigente: tivemos o maior número de estudantes a aceder ao ao Ensino Superior e o desafio é evitar agora que os alunos saem do sistema. Ou seja, criar condições que evitem o abandono.

Qual é a taxa de desistência?
Varia em função de o curso ser ou não a primeira escolha. Nas universidades com maior número de estudantes em primeira escolha, a desistência é menor, como no caso da UP. Há um trabalho que é preciso ser feito para garantir mais opções de primeira escolha.

A questão do alojamento, caro e escasso, é uma das causas que restringem o acesso ao Superior?
É um dos fatores condicionantes. Há poucas residências universitárias e encontrar alojamentos em Lisboa, Porto, Braga ou Coimbra tornou-se muito caro. É um problema que precisa de ser resolvido. Este é um ano completamente atípico, já que muitos alunos de fora optaram por ficar em casa, deslocando-se quando têm aulas presenciais. Diminuiu a procura, mas é um cenário fruto da circunstância. Quando a vida voltar ao normal, vai continuar a faltar alojamentos e o Plano de Recuperação é uma oportunidade sem igual para se construírem residências.

Ainda vão a tempo?
Esperamos conseguir. O documento ainda não está finalizado e tudo tem sido muito dificultado pela pandemia, com várias reuniões adiadas, uma das quais com o ministro do Planeamento, Nelson Souza que testou positivo. Isto é uma tragédia que afeta tudo, mas não faz sentido descurar as universidades, na linha da frente da produção de conhecimento. Não percebo que haja duas grandes agências a financiar a investigação em Portugal: uma ligada ao ministério da Ciência e Tecnologia (FCT) e a Agência Nacional de Inovação, ligada ao ministério da Economia. É uma clivagem que não percebo. O que faz sentido é as universidades colaborarem com as empresas, sem deixar de se financiar a investigação fundamental, 'pileline' que alimenta a inovação.

"O GOVERNO FEZ MAL EM BAIXAR AS PROPINAS. SE TINHA DINHEIRO, DEVIA TER REFORÇADO A AÇÃO SOCIAL”

Há um ano, o Governo baixou as propinas para €697. Foi uma boa medida?
Acho que não, mas manda quem pode e obedece quem deve. Se o Estado tinha dinheiro, devia-o ter usado para reforçar a ação social, não para dar redução de propinas a quem não precisa.

A UP vai crescer para Gondomar?
Neste momento, não, mas daqui a 10, 15 anos. O que acontece é que a cidade do Porto é pequena em termos geográficos, o equivalente a um bairro de Paris, e não tem edifícios públicos disponíveis, ao contrário do que acontece em Lisboa. Não há outra opção que não seja migrar concelhos vizinhos, por isso tenho falado com presidentes de câmara para acautelar um espaço nas revisões do Plano Diretor Municipal, numa lógica de continuidade. Em Matosinhos, a orla encostada ao Porto está saturada, a Maia também, enquanto Gondomar tem o Vale de Campanhã, zona pouco densificada.

Tem metro e está prevista uma segunda linha...

Tem transportes e encosta com à Circunvalação. Marco Martins viu o pedido com bons olhos e reservou uma área grande para edificado público, caso a UP necessite de uma nova faculdade ou um instituto de investigação.

A UP integra a European University Alliance for Global Health. Quais a mais-valia de universidades europeias em rede?
A ideia é criar espaços de ensino superior que agregue universidade de vários países, facilitando a circulação entre elas e promovendo a cooperação de investigação, docência e intercâmbios. A meta é iter daqui a três anos termos 50% dos alunos em mobilidade.

O que significa?
Um estudante do Porto é estimulado a fazer um ano cá, outro em Paris, outro Alemanha ou Estocolmo e ter um diploma reconhecido por esse organismo. O programa Erasmus foi absolutamente fundamental para a Europa. Não só por dar oportunidade de os jovens contactarem outras culturas e realidades, mas, numa Europa traumatizada por duas guerras mundiais, aparecer uma geração verdadeiramente transeuropeia. É o que acontece com o Erasmus. Muitas famílias, se tivessem tido um natal normal, teria à mesa casais a falar várias línguas porque os nossos filhos e netos fizeram Erasmus e vivem com companheiros de outras de outras nacionalidades. O meu filho está a viver na Alemanha. É algo fundamental para o verdadeiro sentimento europeu. Daqui a 20 anos vai haver uma geração que não se sentirá nacional de um país, mas cidadãos de uma Europa unida. Nos consórcios de universidades, a filosofia Erasmus mantem-se, mas com um reforço mais orientado da componente letiva. Esta é a grande aposta da Comissão europeia.

31 janeiro 2021 Isabel Paulo