Professor da Universidade do Porto suspenso por 90 dias por fazer comentários “sexistas, machistas, racistas e xenófobos” nas aulas

É a segunda vez que a Faculdade de Economia aplica sanções a este docente que é acusado por alunos da Faculdade de Letras de ter “atitudes que incitam ao ódio e constituem crimes de assédio e discriminação”.

A Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) suspendeu preventivamente, pelo prazo máximo de 90 dias, o professor auxiliar Pedro Cosme da Costa Vieira, na sequência de uma participação subscrita por 129 alunos das Unidades Curriculares da Licenciatura em Ciência da Comunicação: Jornalismo, Assessoria, Multimédia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) que condenam a conduta do docente, alegando que “muitas” das suas atitudes “incitam ao ódio e constituem crimes de assédio e discriminação”. A suspensão tem efeitos a partir de 15 de Fevereiro.

A conduta descrita pelos alunos na participação terá ocorrido durante os períodos lectivos de 2018/2019 e 2019/2020, onde terão sido proferidas frases como: “Qualquer dia a minha amiga Marta, do judo, que é ceguinha, vai chegar a casa grávida”; “A instrutora [do judo] teve de me mandar lá para fora porque estava quase a saltar-lhe ao pacote”; “Sabem o que é uma caçadeira? Aquela arma que os homens usam para matar as mulheres”; “As mulheres brasileiras são uma mercadoria”.

O PÚBLICO tentou contactar Cosme Vieira através de email, mas não obteve qualquer resposta.

Esta não é a primeira vez que o docente sofre uma sanção. Há cinco anos, Pedro Cosme Vieira, que é professor auxiliar do Agrupamento Científico de Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, foi alvo de uma suspensão preventiva por 30 dias “por condutas relacionadas com a mesma temática, mas em contexto diferente”, lê-se no despacho reitoral da Faculdade de Economia do Porto a que o PÚBLICO teve acesso.

Na participação que fizeram chegar ao director da Licenciatura em Ciências da Comunicação da FLUP, Vasco Ribeiro, os alunos denunciam a conduta do professor e dão 12 exemplos que retratam o “clima e comentários vividos nas aulas” às quais vários alunos deixaram, deliberadamente, de ir devido ao “ambiente tóxico e discriminatório, pautado de recorrentes comentários sexistas, machistas, xenófobos, entre outros”.

O professor Vasco Ribeiro censura os alegados actos do colega e revela, em declarações ao PÚBLICO, que teve conhecimento deles através dos alunos numa das reuniões de acompanhamento da faculdade. Na opinião do director da licenciatura, os actos de Pedro Cosme “consubstanciam alegadamente um crime” pelo que não hesitou em remeter o caso para a direcção a Faculdade de Letras. “Na realidade, fui mero intermediário desta denúncia corajosa dos estudantes. Quando me contaram o que se passava nas aulas, eu pensei isto é crime e extravasa a comissão de acompanhamento da faculdade”, conta o docente, sustentando que “uma universidade tem de ser um espaço de liberdade e humanismo profundo pelo que os estudantes têm a liberdade de discordar”.

No despacho que lavrou a propósito deste caso, a FEP fala de “alarme instalado na Universidade do Porto, nomeadamente na Faculdade de Letras, pelo facto de as condutas estarem relacionadas com o incitamento ao ódio e à discriminação”. Por outro lado, a FEP considera que “é suficientemente clara a existência de matéria factual para instaurar o competente processo disciplinar ao professor (…) por estarem em causa, em abstracto, violação de deveres imputados aos trabalhadores (…), bem como outros que poderão ser apurados, sem prejuízo de eventual apuro em matéria criminal”. Para além da suspensão preventiva, a FEP nomeou um instrutor que elaborará o respectivo relatório final assim que acabar as diligências instrutórias.

Um dos signatários da participação contou ao PÚBLICO que ficou “chocado” com a atitude do professor que, na sua opinião, “demonstra uma grande falta de responsabilidade social naquilo que diz. “O seu discurso incita ao ódio”, afirma, censurando os comentários que proferia, notando que os mesmos “não estavam relacionados com a matéria leccionada”. “São histórias inacreditáveis”, avalia.“O docente se auto explica com comentários sexistas, racistas, machistas e todos os ’istas’ que nós quisermos e que incitam ao ódio e que são desprestigiantes para o ensino da Universidade do Porto, declara o aluno de Ciências da Comunicação, elogiando a atitude do director da licenciatura que, tendo em conta a"gravidade da situação”, endereçou a queixa para a direcção da FLUP.

Os alunos denunciam ainda que o docente admitiu durante as aulas “entender os homens que assediam mulheres em autocarros e metros” e acusam-no de realizar “vários ataques racistas e xenófobos, dirigidos a pessoas de cor e a ciganos”. Afirmam também que nas primeiras aulas Pedro Cosme Vieira discriminou os alunos da Faculdade de Letras por, “alegadamente, não saberem fazer contas”. Mas foi mais longe ao dizer-lhes que se deviam “sentir inferiores por serem alunos da FLUP (…)”. E não resistem a denunciar mais uma tirada: “No ano lectivo 2018/2019, em que leccionou na FLUP pela primeira vez, numa das suas primeiras aulas [o docente] entrou e disse que tinha visto as professoras da FLUP no corredor, afirmando que ‘nenhuma se aproveitava’ e que eram todas ‘velhas e gordas’”.

Salvaguardando que o problema apresentado em nada se relaciona com os métodos de ensino e avaliação do docente, os estudantes acusam-no de “no decorrer das suas aulas” ter realizado “vários atentados à cidadania, que não devem passar impunes e que desprestigiam o bom nome das Universidade do Porto, da Faculdade de Letras e da Faculdade de Economia” a cujo quadro pertence.

No texto pode ainda ler-se que “Pedro Cosme Vieira já era uma figura polémica antes de leccionar na Licenciatura em Ciências da Comunicação da UP, devido a frases como ‘A pretralhada que travessa o mediterrâneo devia ser abatida a tiro’ e ‘Se fizesse o abate sanitário de todos os infectados com sida, a doença desapareceria da face da terra’, expostas pelo Jornal I. Os comentários racistas em questão foram subtilmente repetidos no ano lectivo de 2019/2020’”.

O Bloco de Esquerda entregou na Assembleia da República duas perguntas relativas aos alegados “comentários racistas, xenófobos e misóginos proferidos pelo professor da Faculdade de Economia da UP” dirigidas ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, e à ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Mariana Vieira da Silva, questionando-os sobre as acções que pretendem tomar para seja averiguada a veracidade dos factos relatados.

Margarida Gomes 24 de Fevereiro de 2021, Público