Teletrabalho para mais trabalhadores e à prova de discriminação. Governo apresenta aos parceiros as bases para a para a revisão da lei laboral

Governo e parceiros sociais estão reunidos em Concertação Social para apresentar as conclusões do Livro Verde para o Futuro do Trabalho. O documento elenca 21 linhas de orientação que servirão de base a uma reformulação do Código do Trabalho. Entre as propostas está o alargamento do universo de trabalhadores que poderão requerer o regime de teletrabalho, sem necessidade de acordo com o empregador

O Governo quer alargar o universo de trabalhadores que podem optar pelo regime de teletrabalho sem necessidade de acordo com o empregador, regular o direito a desligar e legislar de forma a garantir que o teletrabalho não se torna um elemento de discriminação laboral, nem agrava assimetrias. As propostas constam de um conjunto de 21 linhas de orientação que resultam do Livro Verde para o Futuro do Trabalho, que está a ser apresentado pelo Governo a patrões e sindicatos esta quarta-feira em Concertação Social. O documento que servirá de base à revisão da lei laboral nacional sugere várias medidas estratégicas para adequar o Código do Trabalho aos modelos laborais do futuro. Além do teletrabalho enquadra também a regulamentação do emprego na economia das plataformas, sugerindo a criação de um sistema contributivo e fiscal adaptado a estes trabalhadores, como o Expressso já tinha avançado.

São apenas duas as situações em que o Código do Trabalho já admite que um profissional possa requerer o regime de teletrabalho sem necessidade de acordo com o empregador: trabalhadores que sejam vítimas de violência doméstica e tenham de abandonar a casa da morada de família, e trabalhadores com filhos até aos três anos de idade, sempre que a atividade desempenhada seja compatível e o empregador disponha de recursos e meios para garantir o teletrabalho. O Livro Verde para o Futuro do Trabalho propõe um alargamento deste universo. O documento, coordenado pelos especialistas em Direito Laboral Guilherme Machado Dray e Teresa Coelho Moreira, designados pelo Governo para elaborar a base de reflexão para a alteração à legislação laboral, sugere "alargar as situações em que o trabalhador tem direito ao teletrabalho independentemente de acordo com o empregador, em modalidade de teletrabalho total ou parcial, nomeadamente no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade".

Esta orientação está, de resto, alinhada com a proposta de alteração legislativa apresentada ao Parlamento pelo Bloco de Esquerda, onde os bloquistas já propõem o alargamento da possibilidade de teletrabalho, sem acordo do empregador, a profissionais com filhos até aos 12 anos. Em matéria de teletrabalho, o documento a que o Expresso teve acesso sugere ainda que devem ser legalmente enquadrados mecanismos que efetivem o direito à desconexão ou desligamento profissional. E propõe que a lei laboral passe a prever mecanismos que garantam que "o teletrabalho não penaliza especialmente as mulheres e que não agrava assimetrias na divisão do trabalho não pago, nem compromete a igualdade de género no mercado de trabalho".

TRABALHADORES DAS PLATAFORMAS COM SISTEMA CONTRIBUTIVO PRÓPRIO

Outra das matérias a que o Livro Verde dá destaque é ao enquadramento legal do trabalho na economia das plataformas. O Governo quer criar uma "lei Uber" que reforce os direitos e a proteção social dos milhares de trabalhadores que integram estas empresas e sugere que seja regulamentado o trabalho em plataformas digitais, "criando uma presunção de laboralidade para estes trabalhadores e um sistema contributivo e fiscal adaptado a esta nova realidade". Desta estratégia faz ainda parte uma adequação do sistema de segurança social às novas formas de prestar trabalho, promovendo o alargamento da proteção social a todos os trabalhadores.

Nesta área quer ainda regulamentar a utilização de algoritmos e de inteligência artificial no quadro das relações de trabalho, nomeadamente na distribuição de tarefas, organização do trabalho, avaliação de desempenho e progressão, "de modo a prevenir enviesamentos e discriminações, nomeadamente de género", lê-se no documento. Um tema polémico que poderá ser foco de tensão entre legisladores e sindicatos. O Livro Verde para o Futuro do Trabalho estará em consulta pública a partir desta quinta-feira, 1 de abril, até o dia 15 do mesmo mês.

21 ORIENTAÇÕES PARA REDESENHAR A LEI LABORAL

  1. Desenvolver uma Agenda de promoção do Trabalho Digno e Proteção Social Inclusiva, nas suas diferentes dimensões (precariedade, negociação coletiva, políticas ativas de emprego, formação e qualificação, defesa dos rendimentos, proteção social inclusiva e respostas específicas para segmentos mais desfavorecidos), incluindo neste âmbito o futuro do trabalho;
  2. Apostar em áreas estratégicas e com potencial de crescimento do emprego, tanto setores e competências fortemente ligados à digitalização e à tecnologia, à transição climática e energética, e à internacionalização da economia portuguesa, entre outros, como nas áreas ligadas à satisfação de necessidades sociais, dos cuidados à saúde;
  3. Aprofundar e melhorar a regulação do teletrabalho nas suas diferentes dimensões, com salvaguarda dos princípios basilares do acordo entre empregador e trabalhador e de que não existe acréscimo de custos para os trabalhadores, e apostando em particular em modelos híbridos de trabalho presencial e à distância numa ótica de equilíbrio na promoção das oportunidades e mitigação dos riscos desta modalidade;
  4. Efetivar e regular o direito à desconexão ou desligamento profissional;
  5. Implementar instrumentos que garantam que o teletrabalho não penaliza especialmente as mulheres e que não agrava assimetrias na divisão do trabalho não pago, nem compromete a igualdade de género no mercado de trabalho;
  6. Regular o trabalho em plataformas digitais, criando uma presunção de laboralidade para estes trabalhadores e um sistema contributivo e fiscal adaptado a esta nova realidade;
  7. Posicionar Portugal como um país de excelência para atrair Nómadas Digitais reforçando desde logo as estratégias de comunicação e promoção do país, mas também criando um enquadramento fiscal e um sistema de acesso à proteção social específico para melhor integração dos “nómadas digitais”, nomeadamente no plano da contratação por empresas, no enquadramento fiscal destes trabalhadores, no acesso a seguros de trabalho, bem como à saúde e à segurança e à proteção social, e criando condições como uma rede nacional de espaços de coworking, com envolvimento de agentes públicos e privados, para criar melhores condições de atração deste público;
  8. Regulamentar a utilização de algoritmos e de inteligência artificial no quadro das relações de trabalho, nomeadamente na distribuição de tarefas, organização do trabalho, avaliação de desempenho e progressão, de modo a prevenir enviesamentos e discriminações, nomeadamente de género;
  9. Alargar em grande escala as competências digitais e de literacia de dados relacionadas com a inteligência artificial, bem como as competências ligadas às novas tecnologias, em diferentes setores e em todos os níveis de qualificação, assegurando também a adequação e atualização de modo ágil dos conteúdos formativos nas diferentes tecnologias;
  10. Promover a utilização de ferramentas de inteligência artificial em diferentes domínios das políticas públicas e áreas da administração, investindo, em articulação com as universidades, centros de investigação e outros agentes, na capacitação do próprio Estado e da Administração Pública para o uso da IA;
  11. Prevenir e regulamentar de modo restritivo a prática do employment background check, evitando que a avaliação do perfil e curriculum profissional do candidato a emprego seja feita com recurso a dados pessoais do próprio que não têm ligação direta com o tipo de atividade para a qual o mesmo se está a candidatar e que interferem com a sua esfera pessoal ou íntima;
  12. Propor a criação de uma figura próxima do encarregado de proteção de dados, especificamente dedicada para a garantir a salvaguarda de dados pessoais e a privacidade do trabalhador;
  13. Alargar as situações em que o trabalhador tem direito a teletrabalho independentemente de acordo com o empregador, em modalidade de teletrabalho total ou parcial, nomeadamente no âmbito da promoção da conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar, em caso de trabalhador com deficiência ou incapacidade;
  14. Reforçar os incentivos à partilha entre homens e mulheres do gozo de licenças parentais e criar mecanismos de licença a tempo parcial no âmbito da promoção de uma melhor conciliação;
  15. Permitir, em sede de negociação coletiva, modelos de trabalho que integrem também objetivos e prazos mensuráveis e concretos, além do número de horas de trabalho;
  16. Adequar o sistema de segurança social às novas formas de prestar trabalho, promovendo o alargamento da cobertura a todos os trabalhadores, independentemente do respetivo vínculo jurídico, com acesso a proteção de níveis adequados e respeito pelos prazos do sistema previdencial, e simplificando o acesso e implementando uma reforma digital da segurança social, apostando na personalização das respostas e no uso da inteligência artificial.
  17. Alargar a cobertura da negociação coletiva a novas categorias de trabalhadores, incluindo os trabalhadores em regime de outsourcing e aos trabalhadores independentes economicamente dependentes;
  18. Estimular a cobertura e o dinamismo da negociação coletiva, através da introdução de incentivos e condições de acesso a apoios e incentivos públicos, financiamento comunitário e contratação pública relativos à existência de contratação coletiva recente;
  19. Lançar uma Agenda Estratégica de modernização e reforço da formação profissional, e em particular da formação contínua, em articulação com os parceiros sociais (atualmente em diálogo na CPCS), incluindo quer os níveis mais elevados de formação avançada quer a elevação da base de qualificações nomeadamente por via do Programa Qualifica, a modernização das infraestruturas e centros de formação, a melhoria do sistema de governação, o reforço da ligação aos agentes e tendências do mercado de trabalho, e a aposta em planos específicos para áreas estratégicas como o digital, a transição energética, a internacionalização ou os serviços sociais e cuidados de saúde;
  20. Desenvolver um sistema de licenças associadas à formação e qualificação dos trabalhadores
  21. Reforçar as competências e a capacidade inspetiva da ACT nos domínios das áreas digitais e do uso de dados, nomeadamente promovendo a interconexão de dados e o uso inteligência artificial também para identificação de situações de risco e melhor calibragem da atividade inspetiva.

31 MARÇO 2021  Cátia Mateus Jornalista Expresso