O teletrabalho deixa de ser obrigatório. O que muda?

A partir de dia 10 de Junho, o teletrabalho deixou de ser obrigatório no país, excepto em quatro concelhos, que mantêm o risco elevado no âmbito da pandemia de covid-19.

O que muda no regime do teletrabalho a partir de agora?
A evolução da pandemia levou o Governo a decidir que, na generalidade do território do continente, o teletrabalho deixa de ser obrigatório e passa a ser apenas recomendado. A regra aplica-se tanto ao sector privado como à administração pública.

Em que situações o teletrabalho continuará a ser obrigatório?
A obrigatoriedade do teletrabalho aplica-se aos municípios de risco elevado. É o que acontecerá, por enquanto, nos concelhos de Lisboa, Braga, Odemira e Vale de Cambra, em que a adopção deste regime continuará a ser obrigatória, desde que seja compatível com as funções desempenhadas e sem necessidade de acordo entre empregador e trabalhador.

No caso das pessoas que trabalhem num destes quatro concelhos e residam noutro concelho sem restrições, terão de continuar em teletrabalho. Ou seja, aplica-se a regra que está em vigor no concelho onde a empresa se localiza.

Nos concelhos em que o regime é obrigatório quais são as regras em vigor?
As regras estão previstas nDecreto-lei 79-A/2020, que determina que as empresas com estabelecimento nas áreas territoriais em que a situação epidemiológica o justifique, serão obrigadas a adoptar o teletrabalho, sem necessidade de acordo escrito.

De acordo com a lei, excepcionalmente e quando entenda não estarem reunidas as condições para adopção do regime, o empregador pode comunicar por escrito ao trabalhador esse facto e demonstrar que as funções não são compatíveis com o teletrabalho. Se o trabalhador discordar pode pedir a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, a quem compete verificar os factos invocados pela entidade patronal.

A lei prevê que o empregador deve disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação do teletrabalho, mas se tal não for possível e o trabalhador concordar, podem ser dos meios que o trabalhador detenha, “competindo ao empregador a devida programação e adaptação às necessidades”.

Fica também claro que em teletrabalho, o trabalhador tem os mesmos direitos e deveres dos outros trabalhadores, nomeadamente no que se refere a limites do período normal de trabalho e outras condições, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos por acidente de trabalho ou doença profissional, mantendo o direito a receber o subsídio de refeição que já lhe fosse devido.

Há outras situações em que o teletrabalho é obrigatório?
Sim. Nos casos em que o trabalhador, mediante certificação médica, se encontrar abrangido pelo regime excepcional de protecção de imunodeprimidos e doentes crónicos ou nos casos em que tenha uma deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%. São também abrangidos os trabalhadores com filho ou outro dependente a cargo que seja menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, seja considerado doente de risco e que se encontre impossibilitado de assistir às actividades lectivas e formativas presenciais. Esta obrigatoriedade aplica-se a todo o país e não depende do grau de risco de cada concelho.

Quando o teletrabalho não é possível, há regras que as empresas têm de cumprir para evitar o contágio da covid-19?
Sim, há. Na Resolução do Conselho de Ministros aprovada a 9 de Junho, o Governo decidiu que a organização desfasada de horários se aplica a todo o território nacional continental. Assim, as empresas com 50 ou mais trabalhadores são obrigadas a organizar de forma desfasada as horas de entrada e saída dos locais de trabalho, “garantindo intervalos mínimos de trinta minutos até ao limite de uma hora entre grupos de trabalhadores”. Ao mesmo tempo devem ser adoptadas medidas que garantam o distanciamento físico e a protecção dos trabalhadores (constituindo equipas estáveis, alternando as pausas e usando equipamento de protecção individual).

Passa ainda a estar prevista, por determinação da autoridade de saúde, a possibilidade de realização de testes a trabalhadores que, independentemente do vínculo laboral, da modalidade ou da natureza da relação jurídica, prestem actividade em locais de trabalho com 150 ou mais trabalhadores.

Quantas pessoas estão neste momento em teletrabalho?
Embora esteja previsto no Código do Trabalho desde 2003, até à emergência da pandemia, o teletrabalho tinha uma expressão muito reduzida em Portugal.

No segundo trimestre de 2020, com o primeiro confinamento, mais de um milhão de pessoas trabalharam a partir de casa (1037,8 mil), o que corresponde a 22,6% da população empregada. Já em 2021, e de acordo com os dados do primeiro trimestre divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, 20,7% da população empregada trabalhou sempre ou quase sempre a partir de casa com recurso a tecnologias de informação e comunicação.

O regime do teletrabalho previsto no Código do Trabalho é o que tem sido aplicado durante a pandemia?
Não. No Código do Trabalho, este regime pressupõe a existência de um acordo e durante as várias fases de confinamento o teletrabalho foi obrigatório, sem necessidade de acordo.

Vai haver alterações à legislação laboral relacionadas com este regime?
No Parlamento estão vários projectos de lei que visam resolver problemas que se colocaram com a utilização massiva do teletrabalho e que os deputados entendem que devem ficar consagradas na lei para o futuro.

O pagamento das despesas com o teletrabalho é uma das principais divergências entre os vários projectos de lei. De um lado estão as propostas do Bloco de Esquerda, que quer normas imperativas na lei que obriguem as empresas a pagar as despesas aos trabalhadores, e do PCP, do PEV e do PAN, que exigem o pagamento de um valor fixo entre os 10 e 11 euros por cada dia em teletrabalho, o que se traduziria numa ajuda de custos mensal próxima os 200 euros. Do outro, estão o PS e o PSD, que remetem a questão para o acordo com o trabalhador ou para a contratação colectiva.

Mas há convergência no que respeita aos acidentes de trabalho, à salvaguarda da privacidade e às garantias dos direitos para pais com filhos menores ou para cuidadores informais.

Raquel Martins 11 de Junho de 2021, Público