Faculdades de Medicina voltam a fechar a porta a aumento de vagas

Cursos procurados pelos melhores alunos vão poder aumentar oferta até 15%. Escolas médicas recusam que haja falta de clínicos no país e dizem não ter condições para acolher mais estudantes.

Nem mais uma vaga. As faculdades de Medicina não vão acrescentar nenhuma aos cerca de 1400 lugares que disponibilizam todos os anos no concurso nacional de acesso ao ensino superior. O Governo vai voltar a abrir a porta a que os cursos procurados pelos melhores alunos cresçam até 15%, mas as escolas médicas entendem não ter condições para receber mais estudantes, ainda que possam fazê-lo.

O assunto ainda não foi oficialmente discutido no Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), uma vez que ainda não foi publicado o despacho orientador para a fixação de vagas do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – o que deverá acontecer durante a próxima semana. No entanto, uma vez que “as condições se mantêm, a decisão também será no mesmo sentido” da que foi tomada no ano passado, avança o presidente do organismo que agrupa todas as faculdades de Medicina, Henrique Cyrne Carvalho.

Há um ano podiam ter sido acrescentados 215 novos lugares à oferta de Medicina em instituições públicas, mas as faculdades rejeitaram essa possibilidade. “Não há nenhum tipo de novidade que nos permita tomar uma decisão de outro tipo”, concorda Fausto Pinto, director da faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

O relatório anual da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), publicado na semana passada, prevê novamente que os cursos procurados pelos melhores alunos aumentem até 15%. Nos últimos anos, o ministro Manuel Heitor tem seguido as suas recomendações na hora de definir as regras para a fixação das vagas nas universidades e politécnicos.

Actualmente, há oito mestrados integrados em Medicina (curso de seis anos) em universidades públicas, que totalizam 1441 lugares disponíveis, aos quais se juntam dois “ciclos básicos” nas universidades da Madeira e dos Açores, que obrigam os estudantes a fazer a parte final da formação numa instituição do continente.

O número de estudantes que as faculdades de Medicina recebem neste momento é “bem superior ao número de vagas” que os seus responsáveis entendem “adequadas”, segundo o CEMP. Por exemplo, a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto foi projectada para 190 alunos e recebe 350 por ano. “Os espaços comuns, que podem ser usados pelos estudantes para estudar ou conviver, só têm espaço para 200 pessoas”, ilustra Altamiro da Costa Pereira, que dirige aquela escola médica, fechando também a porta a um aumento do número de vagas.

“O modelo de ensino tem que ser cada vez mais próximo”, acrescenta Henrique Cyrne Carvalho, que é também director do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, a outra escola médica da Universidade do Porto. Um docente de um curso de Medicina “tem que ser cada vez mais um tutor” e essa mudança pedagógica “não se faz sem os adequados rácios” de professor por aluno, defende, o que seria ainda mais difícil de alcançar se o número de estudantes aumentasse.

Além disso, no actual contexto já existem limitações dos estudantes no acesso às práticas clínicas durante a formação e tem vindo a aumentar o número de médicos que, uma vez concluído o curso, não conseguem acesso à especialidade, justificam os responsáveis das faculdades de Medicina.

Há um outro aspecto frisado: “não há falta de médicos em Portugal”, dizem, contrariando o Ministério da Ciência e Ensino Superior. Formar mais clínicos seria condená-los “ao desemprego ou a terem que emigrar”, entende Fausto Pinto, da Universidade de Lisboa, acusando o ministro Manuel Heitor de estar a promover uma solução que visa “ter mão-de-obra mais barata” na Medicina, “proletarizando os médicos, para benefício de alguns grupos”.

Quando, no ano passado, as faculdades de Medicina rejeitaram a possibilidade de aumento de vagas, Heitor disse não ter dúvidas de que “existe uma necessidade de mais médicos no país” e que esse investimento terá que ser feito pelo ensino superior nos próximos anos. O governante abriu então a porta à criação de novos cursos na área, revelando ter mantido contactos nesse sentido com as universidades públicas de Aveiro e Évora e também com a Universidade Católica.

Entretanto, a Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior deu luz verde ao curso da Católica, que será o primeiro numa instituição privada. Quem quiser tirar essa formação vai ter que desembolsar quase 100 mil euros ao longo de seis anos. A propina mensal será de 1625 euros e corresponde, segundo a instituição, ao custo real da formação. Os primeiros 50 alunos começam as aulas a 13 de Setembro.

Samuel Silva - 11 de Junho de 2021, Público