Alunos desfavorecidos são prejudicados no acesso ao ensino

Há uma persistência da desigualdade no acesso e na permanência dos estudantes no ensino superior, assim como na entrada para o mercado laboral. E essa desigualdade prende-se com o contexto socioeconómico do qual se parte. Esta é a principal conclusão de um estudo realizado pelo Edulog, uma iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo

Em Portugal, o contexto socioeconómico continua a ser o factor que mais determina o acesso ao ensino superior, o abandono deste e o ingresso no mercado de trabalho. Esta é uma das principais conclusões do estudo “Estudantes Nacionais e Internacionais no Acesso ao Ensino Superior”, realizado pelo Edulog, iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo.

“Da massificação do ensino superior verificada nas últimas décadas, esperava-se um alargar das oportunidades para os grupos de estudantes menos favorecidos. Mas o que se tem vindo a observar é que, embora esses estudantes estejam agora em maior número no ensino superior, continuam sub-representados", lê-se no documento, desenvolvido desde janeiro de 2020 por uma equipa de 11 investigadores do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior.

Se do total de alunos que concluem o secundário somente 40% transita para o superior, esse ingresso encontra-se influenciado pelo ponto de partida. Um estudante que não pertença à primeira geração da família a frequentar o superior estará desde logo “em posição de vantagem”. E as notas obtidas no secundário e nos exames nacionais possuem uma correlação direta com o contexto familiar e socioeconómico de origem, diz o estudo.

Do mesmo modo, a decisão de se permanecer ou de se abandonar o ensino superior aponta na mesma direção: não só “as desigualdades que existem à partida, e que se poderão manifestar no momento do acesso, podem, também, condicionar o percurso escolar no ensino superior, podendo determinar diferentes taxas de abandono”, como, decididamente, quanto menos favorecido for o contexto socioeconómico, maior será a taxa de abandono. Em média, esta verifica-se em menor grau nas universidades do que nos politécnicos, uma vez que é nestes últimos que se encontra o grupo mais heterogéneo de estudantes, provenientes de contextos muito diversificados.

Mas o que motiva o abandono do ensino superior? As razões multiplicam-se. Uma delas pode advir de os estudantes não terem sido colocados na primeira opção de curso escolhida. Mas também pesa a circunstância de não estarem satisfeitos quanto à situação de mobilidade alcançada ou de esta não corresponder às possibilidades económicas existentes, sendo deste modo “demovidos de escolher cursos e instituições afastadas da residência dos pais por incapacidade de suportar os custos de mobilidade e o nível de vida em algumas cidades”. Recorde-se que, em Portugal, as contribuições das famílias têm um peso no seu orçamento superior à média da União Europeia, “o que é agravado pelas menos boas condições socioeconómicas das famílias portuguesas”.

A existência de mais bolseiros no sistema politécnico, “poderá indiciar que os estudantes [deste sistema] provêm de um contexto socioeconómico relativamente mais desfavorecido”. Neste sentido, verifica-se que a proporção de alunos inscritos no ensino superior universitário público cujo pai/mãe tem curso superior “é o dobro da encontrada no ensino politécnico público”. Por sua vez, a taxa de abandono diminui nos cursos de Mestrado Integrado e Licenciatura de 1.º ciclo, elevando-se nos Cursos Técnicos Superiores Profissionais e Mestrados de 2º ciclo. Áreas como Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática apresentam taxas de abandono inferiores (5,7%), quando comparadas com as restantes (9,7%).

DIPLOMA NÃO ASSEGURA MOBILIDADE SOCIAL

O problema é mesmo o modo como os obstáculos de acesso e de permanência parecem manter-se intactos na hora de entrar no mercado de trabalho. Mais uma vez, segundo o estudo, “quando mais desfavorecido for o contexto socioeconómico dos estudantes de um dado curso, maior será a propensão ao desemprego dos seus diplomados”.

Na verdade, se estudos anteriores já mostravam a desvantagem dos menos favorecidos em todos os estágios do ensino superior, os resultados aqui obtidos “sugerem que essa desvantagem não é compensada no ensino superior”. Isto é, não só os diplomados que provêm de contextos mais privilegiados estão em melhor posição para encontrar emprego, como o facto de ter concluído um curso não garantir a mobilidade social. E entre os universitários confirma-se uma tendência menor para o desemprego do que os saídos dos politécnicos — o que deita por terra a teoria de que estes teriam uma melhor preparação para a integração no mercado de trabalho.

“O mercado de trabalho parece não absorver de igual forma os diplomados do ensino politécnico e do ensino universitário”, reconhece-se, alertando que “a persistência nas desigualdades no acesso, na permanência e no sucesso no mercado de trabalho deve continuar a merecer a atenção do governo central”.

O estudo procurou também analisar a evolução da presença de estudantes internacionais no ensino superior português, considerada vital para a sobrevivência das instituições de ensino, concluindo que estes duplicaram no intervalo de uma década e estão concentrados sobretudo nas regiões de Lisboa e do Porto.

No ano letivo de 2019/20 estavam inscritos 48.649 estudantes estrangeiros, dos quais 35.476 (72,92%) oriundos do Brasil e de países da CPLP. Entre os estudantes de outras origens, a maioria provém de Espanha, seguindo-se a França, a Itália e a Alemanha. De acordo com o estudo, o facto de existir uma presença maioritária de estudantes internacionais que dominam o português pode indicar falhas na internacionalização por falta de cursos ministrados numa língua franca, como a inglesa. Além de uma fraca captação de alunos da UE, poderá igualmente existir demasiada burocracia para a obtenção de vistos dos estudantes extracomunitários.

"Um dos desafios mais referidos pelos diferentes interlocutores e que é transversal a todos os tipos de instituição de ensino é a ausência de oferta em inglês, sendo uma barreira encontrada pelas instituições que procuram diversificar os seus mercados para além do Brasil e dos PALOP", lê-se

29 NOVEMBRO 2021 0:08 - Luciana Leiderfarb | Expresso