Financiamento será desafio para o novo titular da ciência e ensino superior

Período de vigência da norma transitória da lei de emprego científico está a chegar ao fim e é preciso decidir como se mantêm em funções os investigadores contratados. No ensino superior, as universidades querem uma nova fórmula de distribuição das verbas do Orçamento do Estado.

O novo titular do Ministério da Ciência e Ensino Superior vai encontrar desafios orçamentais quando tomar posse. A lei do emprego científico tem questões mais imediatas e outras mais estruturais a precisar de solução, incluindo definir o futuro dos cientistas contratados ao abrigo de um regime transitório que está a terminar. No ensino superior, haverá um tema orçamental no topo da agenda do novo titular da pasta: as universidades querem uma nova fórmula de financiamento, que os politécnicos temem que venha a prejudicá-los.

A lei do emprego científico de 2017 trouxe uma norma transitória, que previa contratos transitórios de três a seis anos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).Nos próximos meses, chegam ao fim os primeiros desses contratos, que a norma transitória previa que fossem financiados com verbas da FCT, e as instituições vão ter de decidir (mediante avaliação) se mantêm esses vínculos de trabalho, agora a título permanente, com as suas próprias receitas, ou se esses cientistas voltam a engrossar as listas de maior precariedade e de desemprego.

Já em final de mandato, o ministro Manuel Heitor comprometeu-se a corrigir a lei do emprego científico, sem que tenha até ao momento encontrado uma solução. Em causa estão os cientistas com contratos temporários, que não podem prolongar os seus vínculos, caso optem por gozar a licença de parentalidade. O diploma, aprovado em 2016, deu a possibilidade aos investigadores de passarem a receber um apoio da Segurança Social semelhante ao que é concedido aos restantes trabalhadores. No entanto, não previu o impacto que o nascimento de um filho tem sobre os calendários dos projectos em que estes cientistas estão envolvidos.

Para lá destes problemas imediatos, o emprego científico apresenta estrangulamentos estruturais, que remetem para a difícil relação entre a ciência e economia e para a ausência de mecanismos que consigam realmente atrair doutorados nas empresas. Sem capacidade para absorver no sector do Estado todos os doutorados, os cientistas também não têm encontrado saídas profissionais no sector privado. É crónico o défice de cientistas nas empresas, que ajudariam a criar riqueza baseada na ciência.

Outro dos desafios do novo responsável pelo Ministério da Ciência é sobre o que acontecerá ao ambicioso projecto de criar uma base espacial nos Açores para lançar foguetões, por um lado, e que desenvolvimentos e apostas terá, por outro lado, o Centro Internacional de Investigação do Atlântico (Air Centre), também nos Açores.

A falta de previsibilidade e regularidade do financiamento público do sistema científico português, bem como a baixa taxa de aprovação das candidaturas apresentadas à FCT, é também uma crítica comum – portanto, outro problema cuja resolução continua pendente.

No ensino superior, haverá um tema orçamental no topo da agenda do novo titular da pasta. Desde que tomou posse, há um ano e meio, que a nova cúpula do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, liderada por António Sousa Pereira, da Universidade do Porto, tem exigido “uma fórmula de financiamento adequada e justa” para o sector, alegando que há universidades a serem prejudicadas na repartição anual das verbas.

O tema já tinha aberto um conflito com os politécnicos no Verão. Os institutos superiores temem ser penalizados se houver uma redistribuição de verba, sem reforço do financiamento público. O Orçamento do Estado para 2022 previa uma dotação de 1200 milhões de euros para as instituições de ensino superior, um aumento de cerca 25 milhões de euros face ao ano anterior.

A solução para estas divergências poderá ter que passar por uma nova fórmula de financiamento, como vem sendo defendido por algumas instituições de ensino. O Tribunal de Contas também tinha considerado “inadequado” o actual modelo de investimento do Estado no superior e, em 2018, a OCDE tinha igualmente defendido mexidas nesta matéria. O novo Governo terá também que encontrar uma solução definitiva para o regime de concursos internos nas carreiras do ensino superior, permitindo o acesso às categorias intermédias e de topo. A solução provisória, aprovada em Novembro, já depois da “queda” do Governo, vigora por ano e meio.

Com a nova legislatura abre-se igualmente a porta a uma revisão de fundo no modelo de acesso – que não tem alterações há 18 anos. O programa eleitoral do PS promete “avaliar a melhoria a introduzir no acesso ao ensino superior, com vista à separação entre a certificação do ensino secundário e o acesso ao ensino superior”.

Nos últimos dois anos, devido à covid-19, os alunos tiveram apenas de responder aos exames nacionais das disciplinas consideradas específicas nos cursos superiores aos quais se pretendiam candidatar – uma solução que o Governo, já em gestão, decidiu manter neste ano lectivo.

Samuel Silva e Teresa Firmino Público