Carreiras longas: 15 mil pediram reforma antecipada

Governo aprovou alargamento das reformas antecipadas sem penalização. Novas regras abrangem quem começou a trabalhar aos 16 anos ou antes.

Em dez meses, os serviços da Segurança Social receberam e deram resposta favorável a mais de 15 mil pedidos de reforma antecipada formulados por trabalhadores com carreiras contributivas muito longas. Este número foi ontem avançado pelo governo, dia em que foi aprovado o decreto-lei que alarga o regime que permite a saída antecipada do mercado de trabalho às pessoas que começaram a trabalhar aos 16 ou em idade inferior e que atualmente tenham pelo menos 60 anos.

Daqueles 15 mil, cerca de 11 500 foram aceites pelos pensionistas. A diferença decorre do facto de desde 2016 estar em vigor uma regra que determina que um pedido de pensão apenas se torna efetivo depois de o respetivo beneficiário ser notificado de qual vai ser o valor que passa a receber mensalmente e confirmar a decisão junto do Centro Nacional de Pensões.

Em causa estão pensões atribuídas ao abrigo do regime que entrou em vigor em outubro de 2017 e que permite o acesso à reforma antecipada sem qualquer penalização às pessoas com 48 anos de descontos ou que tenham pelo menos 60 anos, 46 de descontos e começado a carreira contributiva aos 14 ou em idade inferior.

Ontem o governo deu mais um passo no alargamento deste regime, ao aprovar o diploma que passa a permitir a reforma antecipada sem qualquer corte (penalização mensal ou fator de sustentabilidade) aos que reúnam as condições de idade e carreira (60/46 anos), mas tenham iniciado a carreira contributiva aos 16 anos ou antes.

A medida entra em vigor a 1 de outubro, abrangendo as pessoas que naquela data reúnam as condições definidas. De acordo com Cláudia Joaquim, secretária de Estado da Segurança Social, serão entre mil e duas mil as pessoas que integram aquele perfil. O impacto orçamental do decreto-lei agora aprovado oscilará entre os quatro e cinco milhões de euros por ano - num cenário em que todos os potenciais beneficiários adiram.

O diploma abrange os trabalhadores do setor privado e da função pública e vem ainda alargar estas regras aos ex-subscritores da Caixa Geral de Aposentações. Nas regras que ainda vigoram, as pessoas que no passado descontaram para a CGA mas que cessaram funções no Estado e viram a sua condição de subscritor da CGA cessar estavam impedidas de aceder à reforma antecipada, tendo de esperar pela idade legal para se aposentarem - ou seja, tinham de esperar pelos 66 anos e 4 meses. No privado esta limitação não existia e de outubro em diante este tratamento indiferenciado, que Cláudia Joaquim classificou como "injusto", acaba.

O avanço nas reformas antecipadas para carreiras contributivas longas foi aplaudido pelo Bloco de Esquerda e pela CGTP, mas foi considerado insuficiente. Para o deputado bloquista José Soeiro, este diploma apenas conclui a "fase de fazer justiça a quem começou a trabalhar em criança", sendo agora necessário avançar com o resto do regime. Neste contexto, entre as prioridades do BE para o OE 2019 está o fim do fator de sustentabilidade para todos os trabalhadores com 60 anos e 40 de descontos e a definição de uma idade legal de reforma pessoal em função da carreira.

Cláudia Joaquim recusou ontem dar pormenores sobre a concretização de novas fases referindo apenas que "está em negociação".

Já a CGTP considera que o novo passo para as reformas antecipadas é "claramente insuficiente", além de pecar por tardio. "Este decreto-lei, fazendo parte integrante da primeira fase de revisão do regime da antecipação, nada adianta quanto à concretização dos compromissos assumidos pelo governo no sentido de prosseguir este processo de revisão de modo a proteger e valorizar também as carreiras contributivas longas (e não apenas as muito longas)".

A CGTP exige que o regime vá mais além, defendendo a valorização das carreiras contributivas longas, a eliminação do fator de sustentabilidade para todas as pensões relativamente às quais se aplica atualmente e o fim do corte pelo fator de sustentabilidade para as reformas antecipadas motivadas por desemprego de longa duração.

A central sindical liderada por Arménio Carlos reclama ainda que as empresas sejam obrigadas a contribuir para o financiamento das reformas antecipadas quando diminuem o número de trabalhadores no âmbito de reestruturações empresariais.

O que muda com as novas regras

Quem é abrangido?

O decreto-lei aprovado nesta quinta-feira pelo Conselho de Ministros dá mais um passo no alargamento do universo de pessoas com longas carreiras contributivas que podem reformar-se sem cortes. A medida passa a abranger os trabalhadores com idade igual ou superior a 60 anos e com, pelo menos, 46 anos de descontos, que tenham iniciado a carreira contributiva aos 16 anos ou em idade inferior.

Quando entra em vigor?

Estas novas regras entram em vigor a 1 de outubro de 2018 e aplicam-se às pessoas que a partir desta data reúnam as condições (idade e carreira contributiva) exigidas.

Os funcionários públicos também são abrangidos?

Sim. Estas regras aplicam-se também aos funcionários públicos.

E o que acontece aos ex-subscritores da Caixa Geral de Aposentações?

A partir de outubro de 2018, estas regras passam também a abranger os ex-subscritores da Caixa Geral de Aposentações, ou seja, pessoas que no passado descontaram para a CGA mas que por força do fim do exercício de funções na função pública viram a sua condição de subscritor ser cessada. Nas regras atuais, estes ex-subscritores (onde se incluem professores que ficaram entretanto no desemprego) não podiam aceder à aposentação antecipada tendo de aguardar pela idade legal da reforma - que é de 66 anos e 4 meses em 2018. Assim, desde que cumpram as condições exigidas, estas pessoas podem avançar para a reforma antecipada sem penalização.

Para quem cumpre os requisitos, o acesso à reforma antecipada deixa de ter penalizações?

Sim. Este regime abrange especialmente as pessoas com carreiras contributivas muito longas e permite-lhes que se reformem antes da idade legal em vigor sem a penalização mensal de 0,5% e sem fator de sustentabilidade (que neste ano retira 14,5% ao valor das pensões).

Quantas pessoas serão abrangidas?

Os dados da Segurança Social indicam que serão entre mil e duas mil as pessoas que vão chegar a outubro deste ano com pelo menos 60 anos e 46 de carreira contributiva e iniciaram a vida ativa aos 16 ou em idade inferior.

O regime das reformas antecipadas sem penalização vai continuar a ser alargado a mais pessoas?

Tudo indica que sim, já que o tema está em cima da mesa das negociações (da Concertação Social e com os partidos que apoiam o governo). Quando em maio do ano passado o governo começou a negociar com os parceiros sociais, a proposta que colocou em cima da mesa previa que a medida fosse progressivamente estendida a todas as pessoas que aos 60 anos tenham pelo menos 40 anos de carreira contributiva, atribuindo-lhes uma idade "própria" de reforma e eliminando o fator de sustentabilidade. Nas negociações, o governo sinalizou que pretendia que o regime entrasse em vigor em três fases. A segunda destas fases destinava-se às pessoas com 63 ano ou mais que aos 60 tenham 40 de descontos. O calendário para a execução da medida tem registado várias derrapagens.

O regime que foi aprovado em outubro de 2017 mantém-se válido?

Sim. Nessa altura, passou a ser possível a entrada na reforma antecipada sem qualquer penalização a todas as pessoas com 48 anos de descontos e às que, tendo mais de 60 anos, tivessem iniciado a carreira contributiva aos 14 anos ou menos. O diploma hoje aprovado alarga, no fundo, a exigência dos 14 para os 16 anos.

E quem não cumpre estes requisitos pode reformar-se antecipadamente?

Sim, mas são-lhe aplicadas penalizações. Para quem trabalha no setor privado, é possível a reforma antecipada desde que tenha pelo menos 60 anos e 40 de descontos, mas o cálculo ao valor da reforma terá em conta uma penalização de 0,5% por cada mês que falte para atingir os 66 anos e 4 meses (em 2019 a idade legal avançará mais um mês, para os 66 anos e 5 meses). A este corte vai ainda somar-se o fator de sustentabilidade - que todos os anos é agravado em função do aumento da esperança média de vida. Na função pública as penalizações são iguais, podendo a reforma antecipada ser requerida a partir dos 55 anos e 30 de descontos. Os desempregados de longa duração que esgotem o subsídio de desemprego também podem aceder à reforma antecipada, mas também enfrentam penalizações. A grande diferença é que neste caso a idade "legal" da reforma é diferente.

Lucília Tiago - 24 Agosto 2018 — Diário de Notícias