Governo falha compromisso de integrar precários até ao fim do ano

Sindicatos dizem que é impossível concluir o processo de regularização até final de 2018

Professores convidados e investigadores têm protestado por as universidades rejeitarem a sua integração no programa de regularização em curso

Ainda não será em 2018 que muitos trabalhadores precários do Estado verão a sua situação laboral regularizada. Os atrasos continuam a ser muitos, e é opinião unânime entre os sindicatos da Administração Pública que não será possível concluir o Programa de Regularização dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), que está a decorrer, até ao final do ano. Esse tem sido sempre o compromisso assumido pelo Governo, sinalizado em março pelo ministro das Finanças na Assembleia da República. Na altura, Mário Centeno afirmou que “o Governo está a cumprir o objetivo de regularizar as situações de precariedade até final do ano”.

“Quero acreditar que é possível ter todos os concursos abertos este ano, mas vai ser muito difícil chegar ao fim do ano com o processo concluído, que era o compromisso do Governo”, afirma ao Expresso José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP). Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, é taxativa: “Nas áreas com maior números de requerimentos, como a Saúde e a Educação, não será possível ter tudo concluído até ao fim do ano.” Uma certeza partilhada por Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum: “Na minha opinião, em dezembro não estarão ainda todos os concursos abertos.” E vai mais longe: “Vamos ver se quando acabar a legislatura está tudo resolvido.”

UNIVERSIDADES

Polémica sem fim à vista

As universidades continuam a recusar integrar professores convidados e investigadores no âmbito do PREVPAP, acusam os sindicatos. “As instituições têm adotado um critério fácil: rejeitar toda a gente”, critica André Carmo, da Fenprof. António Fontainhas Fernandes, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, contrapõe que “estamos à espera que o Governo nos indique a dotação financeira para 2019”. Sem um reforço, “as universidades não podem abrir concursos”, afirma. “Sabemos desde o início que havia um problema de dotação financeira nas universidades. O Governo vai ter de encontrar essa verba”, aponta, por sua vez, Tiago Dias, da Fenprof. Em muitos casos “é apenas uma questão de reafetação de verbas da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que paga as bolsas dos investigadores, para as universidades”, remata.

O Expresso questionou o Ministério das Finanças e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), que tutelam em conjunto o programa de regularização dos precários da Administração Pública, sobre os atrasos, mas recebeu como única resposta que “o MTSSS não fará balanços gerais sobre o PREVPAP”.

A posição que os sindicatos expressaram ao Expresso prende-se com a evolução do trabalho das Comissões de Avaliação Bipartida (CAB) das diferentes áreas sectoriais, que reúnem representantes do Governo, dos serviços da Administração Pública e dos sindicatos, que têm por missão avaliar os 31.957 requerimentos de trabalhadores precários para regularização da sua situação laboral. Esse trabalho devia ter ficado concluído no final de 2017, mas, nas CAB mais problemáticas, com maior número de pedidos — como Saúde, Educação e Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que, em conjunto, representam 67% do total —, o processo ainda decorre. E “está muito atrasado”, afirma Ana Avoila.

Depois dessa avaliação das CAB, os pareceres favoráveis ainda têm de ser homologados pelo ministério da área a que respeitam e pelas Finanças. Só depois podem ser abertos os concursos para a vinculação dos precários. A lei que regula o PREVPAP prevê que deviam ter sido todos lançados até fevereiro ou, em casos especiais, até maio. Mas isso não aconteceu na esmagadora maioria dos casos. No final do processo, os precários ganham estabilidade laboral, mas em contrapartida, podem sofrer uma redução de vencimento (ver P&R).

No início de julho, no Parlamento, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, revelou que 22.321 processos tinham já sido analisados pelas CAB, tendo 12.522 recebido parecer favorável para a vinculação permanente. Mas só 7101 tinham já sido homologados, e os concursos lançados correspondiam apenas a 2267 vagas.

Mais de metade por avaliar na Educação

Números a que o Expresso teve acesso ilustram os atrasos. No início de agosto, a CAB para a Educação, por exemplo, apenas tinha aprovado 2818 pareceres de um total de 6119 requerimentos admitidos à avaliação (outros 777 requerimentos não foram admitidos). Os restantes 3301, ou seja, mais de metade do total, estavam ainda por aprovar. “Houve muitos atrasos na resposta dos serviços aos pedidos de informação das CAB sobre os requerimentos em análise. Tinham um prazo de 10 dias, nalguns casos demoraram meses”, constata José Abraão.

Um cenário que se repete na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, onde, até meados de junho, tinham sido aprovados pelas duas CAB da área (houve um desdobramento no início do ano, devido ao atraso nos trabalhos) 2956 pareceres. Isto quando o número total de requerimentos entregues no âmbito do PREVPAP foi de 5981, ou seja, mais do dobro. O Expresso sabe que algumas universidades ainda nem começaram a ser ouvidas nas CAB. É o caso, por exemplo, da Universidade do Porto.

Acresce que esta é uma área onde os problemas já noticiados pelo Expresso, sobre a recusa das universidades em integrar nos seus quadros professores convidados e investigadores no âmbito do PREVPAP, continuam (ver caixa). Sinal disso, dos 1219 docentes com processo já avaliado (de um total de mais de 1500 requerimentos), apenas 64 (5,3% dos casos analisados) receberam parecer favorável de vinculação. No caso dos investigadores, as CAB apenas aprovaram 360 pareceres de um total de mais de 1600 requerimentos. Os processos com indicação favorável para a regularização do vínculo foram 65 (10,1% dos requerimentos analisados).

Esta situação irá atrasar ainda mais o trabalho das CAB. Isto porque, quando o parecer é negativo para a vinculação com um contrato de trabalho sem termo, o trabalhador pode recorrer num prazo de 10 dias, sendo ouvido em sede de audiência prévia. As CAB têm depois de analisar essas respostas, num “processo exaustivo, onde os responsáveis do serviço ou instituição em causa podem ser ouvidos de novo. E alguns revêm a sua posição sobre a integração do trabalhador”, explica Helena Rodrigues. Ora, “está a haver muitas audiências” de trabalhadores nesta situação, remata José Abraão.

Como decorre a regularização dos precários do Estado?

O processo tem várias fases. Primeiro, os requerimentos dos trabalhadores passam pelo crivo das Comissões de Avaliação Bipartida (CAB), que reúnem representantes do Governo, dos serviços da Administração Pública e dos sindicatos. Depois, os que recebem parecer favorável de integração, têm de ser homologados pelo ministério de cada área e pelo Ministério das Finanças. Só depois podem ser abertos os concursos para a vinculação dos precários abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas com contratos sem termo. Nas empresas públicas, fundações ou reguladores, o processo é diferente. Aqui, a regra é as relações laborais serem abrangidas pelo Código do Trabalho. Por isso, não há concurso, já que a lei obriga à regularização imediata do vínculo laboral.

Quem recebe parecer negativo pode recorrer?

Sim. Tem um prazo de 10 dias para o fazer, sendo depois ouvido em sede de audiência prévia. As CAB têm depois de analisar as respostas e podem voltar a chamar os responsáveis do serviço ou instituição onde a pessoa trabalha. Alguns reveem a sua posição sobre a vinculação dos trabalhadores, dizem os sindicatos.

Os trabalhadores podem passar a ganhar menos?

Sim, o risco existe para os trabalhadores abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Isto porque a lei que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública prevê que os trabalhadores sejam integrados na carreira correspondente às funções exercidas, na categoria de base (início da carreira). O seu vencimento vai corresponder à primeira posição remuneratória da categoria de base da carreira, ou na segunda, no caso dos técnicos superiores, independentemente do seu vencimento atual. Mas, a lei também estabelece que o tempo de exercício de funções na situação de precariedade conta para progressão na carreira, logo, para progressão remuneratória, produzindo efeitos a partir do momento da integração de cada funcionário. Os trabalhadores das empresas públicas, fundações ou reguladores, abrangidos pelo Código do Trabalho, não correm este risco de redução de vencimentos, já que o Código do Trabalho o proíbe.

Sónia M. Lourenço - Expresso