Universidades responsabilizam Governo pela não contratação de precários

Os bolseiros de investigação científica têm multiplicado os protestos contra a situação de precariedade laboral em que vivem

Sindicatos acusam as universidades de “rejeitarem toda a gente”, ao passo que as instituições explicam que tudo depende do que o Governo vier a decidir em breve

Os problemas não são de agora e continuam sem fim à vista. As universidades continuam a recusar integrar professores convidados e investigadores no âmbito do Programa de Regularização dos Vínculos Precários da Administração Pública (PREVPAP), que está a decorrer, acusam os sindicatos. “Há uma grande resistência à regularização”, frisa André Carmo, da Federação Nacional dos Professores (Fenprof). O sindicalista vai mais longe: “As instituições têm adotado um critério fácil: rejeitar toda a gente.”

As universidades têm respondido às críticas com vários argumentos. Invocam a autonomia universitária, dizendo que o PREVPAP viola essa autonomia. Além disso, consideram que o programa se aplica apenas às carreiras gerais da função pública e não às carreiras científica e académica — que têm regras específicas. E expressam grande preocupação com a dotação financeira das instituições para dar resposta ao processo de regularização dos vínculos precários.

A questão financeira é, precisamente, o ponto destacado por António Fontainhas Fernandes, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, em declarações ao Expresso. E aponta responsabilidades ao Governo. “Estamos à espera que o Governo nos indique a dotação financeira para 2019”, revela. E é taxativo: “Sem dotação financeira reforçada, as universidades não podem abrir concursos para quem quer que seja, porque não têm cabimentação financeira.”

Fontainhas Fernandes lembra que “as universidades não recebem o dinheiro todo necessário para pagar salários. Parte vem das receitas próprias”. Situação que é “excecional” na Administração Pública. E reforça: “Tem de haver um reforço da dotação financeira para responder a medidas como o PREVPAP, a promoção do emprego científico, o descongelamento das progressões na carreira, ou o aumento do salário mínimo.”

Tiago Dias, da Fenprof, reconhece o problema e também aponta baterias ao Governo: “Sabemos desde o início que havia um problema de dotação financeira nas universidades. O Governo vai ter de encontrar essa verba.” Contudo, em muitos casos “é apenas uma questão de reafetação de verbas da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que paga as bolsas dos investigadores, para as universidades”, frisa o sindicalista.

A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), reuniu na última semana com Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O PREVPAP foi um dos temas abordados. “Queríamos um compromisso para que as instituições que estão a aprovar a integração de bolseiros vissem a sua dotação financeira reforçada”, diz ao Expresso Sandra Pereira, presidente da ABIC. Mas, “o Governo não se comprometeu”, revela.

Pareceres favoráveis são gota de água

Certo é que o número de professores convidados e investigadores em situação precária com parecer favorável para integração nos quadros das instituições de ensino superior, no âmbito do PREVPAP, é muito reduzido. Seguindo o modelo em vigor para a Administração Pública, essa avaliação é feita na comissão de avaliação bipartida (CAB) da área, neste caso para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. As CAB reúnem representantes do Governo, dos serviços da Administração Pública e dos sindicatos, e têm por missão avaliar os quase 32 mil requerimentos de trabalhadores precários do Estado que querem ver regularizada a sua situação laboral.

A Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é uma das áreas com maior número de processos, apenas atrás da Saúde e da Educação. São 5981 requerimentos de trabalhadores precários, o que levou, face volume e complexidade de casos a analisar, ao desdobramento desta CAB no início de 2018. Mas, os atrasos persistem. Até meados de junho tinham sido aprovados 2956 pareceres. Ou seja, menos de metade do total de requerimentos. O Expresso sabe que algumas universidades ainda nem começaram a ser ouvidas. É o caso, por exemplo, da Universidade do Porto.

Mais ainda, dos 1219 docentes com processo já avaliado (de um total de mais de 1500 requerimentos), apenas 64 (5,3% dos casos analisados) receberam parecer favorável de vinculação. No caso dos investigadores, as CAB apenas aprovaram 360 pareceres de um total de mais de 1600 requerimentos. Os processos com indicação favorável para a regularização do vínculo foram 65 (10,1% dos requerimentos analisados).

Esta é uma realidade que contrasta com o que se passa com as carreiras gerais, ou seja, carreiras transversais a toda a Administração Pública (como técnicos superiores, assistentes técnicos ou assistentes operacionais). Nas duas CAB para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tinham sido deliberados, até meados de junho, 1497 pareceres de trabalhadores de carreiras gerais. Deste total, 924 (61,7%) receberam luz verde para ingressar nos quadros. O contraste é ainda mais profundo com o que se passa nas outras áreas da Administração Pública. Na CAB para a Educação, por exemplo, a esmagadora maioria dos pareceres já aprovados são favoráveis à integração dos trabalhadores com contratos de trabalho sem termo. Dos perto de 3 mil requerimentos já analisados, só seis tiveram um parecer desfavorável.

Explicação?

Os sindicatos denunciam que no caso da Ciência Tecnologia e Ensino Superior e, em particular no que respeita a professores convidados e investigadores, muitas vezes votam vencidos pela integração dos trabalhadores nos quadros. Isto porque estão em minoria. Cada CAB é composta por sete elementos, sendo quatro representantes do Governo e dos serviços públicos (representando o Ministério em causa, o serviço ou instituição a que pertence o trabalhador, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o Ministério das Finanças) e os outros três representantes dos sindicatos da Administração Pública.

Quando as universidades são ouvidas, os reitores têm assumido a posição, em regra, de que os investigadores não satisfazem necessidades permanentes da instituição.

No caso dos docentes, a indicação das instituições de ensino superior tem sido de que embora muitos satisfaçam necessidades permanentes, o seu vínculo é adequado e, portanto, não há nada a regularizar. Isto porque o estatuto da carreira académica prevê a figura do professor convidado. E votam desfavoravelmente a integração. Uma posição que os representantes dos Ministérios normalmente acompanham.

25.08.2018 Sónia M. Lourenço - Expresso