Quando a diferença de preços cobrados à ADSE pode chegar a 3000%

O preço de um medicamento que os hospitais privados cobram à ADSE chega em alguns casos a uma diferença de 2950%. São muitos os exemplos, e vão desde o simples paracetamol, que tanto pode custar 0,12 cêntimos como 3,66 euros. E, se a comparação for feita entre o que uma unidade pública paga por um determinado remédio e o que um prestador privado fatura à ADSE, as diferenças também são abissais.

Por exemplo, um hospital público pagou 236 euros pelo Denosumab injetável, usado para evitar complicações causadas por metástases ósseas, enquanto um privado imputou à ADSE 445 euros. Ainda no campo da oncologia, o preço de um comprido Ondansetron, usado para os vómitos provocados pela quimio e radioterapia, varia entre os 0,6 cêntimos pagos no público e os quatro euros faturados à ADSE por um privado.

E estes são medicamentos de preços acessíveis, referem gestores hospitalares ao DN. Já quando se trata dos chamados medicamentos inovadores, com preços bastante elevados, essas diferenças podem chegar aos milhares de euros, em algumas situações com valores superiores a 40%. Além de que estes remédios não precisam de autorização do Infarmed para serem ministrados no privado – no público passam por um processo complexo de autorização de utilização especial (AUE). Esta situação, se por um lado pode gerar desigualdades entre quem é tratado num ou noutro sistema, por outro também pode levar a que se gaste milhares de euros sem que a eficácia do tratamento seja comprovada, alertam. A questão, dizem essas mesmas fontes, é que “a ADSE não tem filtro” e “necessita de um sistema de validação e de litigância” para poder fazer baixar os valores cobrados.
Códigos abertos e os 38 milhões.

Estas discrepâncias de preços são possíveis porque nas tabelas de preços dos regimes convencionados com prestadores privados apresentam códigos abertos – ou seja, não existem limites de preços, o que permite aos privados cobrar o que entenderem.

E foi ao tabelar pelo preço mais baixo que a ADSE chegou a 38,8 milhões de euros que considera terem sido sobrefaturados pelos privados só em 2015 e 2016. Deste total, segundo o estudo de Eugénio Rosa, do Conselho Diretivo da ADSE, 31,7 milhões (81,6%) tinham sido faturados a mais pelos cinco maiores grupos privados da saúde – Luz, José de Mello Saúde, Lusíadas, Trofa e HPA do Algarve. O braço-de-ferro entre os gigantes da saúde e o governo já levou a que estes tenham vindo anunciar a suspensão das convenções a partir de meados de abril – Lusíadas foi o único que não avançou com data.

A sobrefaturação, diz a ADSE, acontece em próteses e medicamentos e outros consumos em sala de cirurgia ou internamento – uma prótese com o mesmo código custou num caso 12 608 euros e noutro 21 676 euros.
Por isso, sublinhou ao DN o Conselho Diretivo da ADSE, “a tabela de regime convencionado que está a ultimar incluirá, nomeadamente, preços fixos máximos que a ADSE e o beneficiário (quando aplicável) podem suportar com procedimentos cirúrgicos, medicamentos antineoplásicos e imunomodeladores e próteses intraoperatórias. Desta forma, a atual regra de que os prestadores podem faturar estes atos aos preços que entendam e a ADSE regulariza posteriormente deixará de existir para estes atos médicos assim que esses preços sejam fechados”.

A existência de regras prévias é, na opinião de Bagão Félix, essencial para pôr fim a esta disparidade nos preços, de forma a que todos conheçam as regras do jogo. “A ADSE tem de ter meios para negociar um preçário, atendendo a uma consulta de mercado prévia. Quanto maior for o controlo e a gestão contratual, menor tendência haverá para abusos.” O ex-ministro das Finanças e também o da Segurança Social têm algumas reticências sobre a devolução da faturação e o facto de a ADSE estabelecer como referência os valores mais baixos praticados por um determinado prestador de cuidados em nome de um preço que, afinal, não é conhecido do mercado. A guerra da devolução dos 38,8 milhões já levou a ADSE a pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República que lhe deu razão. E, perante as ameaças dos privados em denunciar as convenções, o primeiro-ministro, António Costa, já veio mostrar disponibilidade para o diálogo, exigindo contudo boa-fé. Também a associação do setor disse na quinta-feira que há margem para voltarem atrás.

Diário de Notícias, 16 de fevereiro de 2019