PGR diz que enfermeiros devem perder salário de todo o período de greve

Enfermeiros podem incorrer em infração disciplinar, segundo a PGR, que também coloca em causa a legalidade da angariação de fundos feita por um grupo de enfermeiros fora do sindicato.

A perda salarial dos enfermeiros que estão em greve cirúrgica não deve restringir-se aos períodos em que estiveram efetivamente em greve, mas estender-se à totalidade dos dias abrangidos pelo pré-aviso de greve. Esta é a conclusão do parecer complementar do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que conclui pela ilicitude da paralisação. Mas esta não é a única sanção admitida no parecer.

Greve ilícita, faltas injustificadas

O documento da PGR, publicado na noite de segunda-feira em Diário da República, sublinha que a lei dispõe que a ausência de um trabalhador por adesão a uma "greve declarada ou executada de forma contrária à lei" considera-se "falta injustificada".

Na denominada "greve cirúrgica", os enfermeiros fazem greve de forma intermitente - em dias ou turnos interpolados - de forma a inviabilizar o funcionamento dos blocos operatórios, dado que as intervenções cirúrgicas só se podem realizar com a presença de um mínimo de três enfermeiros. Ou seja, basta que um não compareça para que a cirurgia não se possa realizar. Trata-se de uma "greve rotativa ou articulada", diz a PGR, que por si não é ilegal. Mas, nestas situações, "apesar de se considerar lícita esta modalidade de greve, não deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos causados à entidade patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores em greve, pelo que os descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que cada trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços estiveram paralisados", refere o parecer.

Além do "desconto do tempo de greve na retribuição e na antiguidade", a ausência ao serviço pode ser considerada como "infração disciplinar" - variável em função dos dias de falta.

E, além da responsabilidade disciplinar, a "adesão a uma greve ilegítima também poderá fazer incorrer o trabalhador aderente em responsabilidade civil extracontratual" - suscetível de pedidos de indemnização, caso se comprovem danos resultantes da falta do trabalhador. Quer em relação às sanções disciplinares, quer no que respeita a eventuais pedidos de indemnização, o parecer admite que pode ser ponderado o "desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve".

Abrangidas ficam também as organizações sindicais que decretaram e geriram a paralisação e que poderão ser "civilmente responsabilizadas pelos prejuízos causados por uma greve ilicitamente decretada ou executada".

Greve ilícita porquê?

O parecer da PGR - que se refere à greve aos blocos operatórios decretada em novembro e dezembro - considera que a greve dos enfermeiros aos blocos operatórios é ilegal por não respeitar os termos em que foi apresentado o pré-aviso de greve. A "ausência de qualquer indicação sobre o tempo e o modo como a greve se vai desenrolar ou uma indicação errada destes elementos resulta num incumprimento daquele dever de informação que tem como consequência a ilicitude da greve", diz o parecer da Procuradoria-Geral da República, concluindo que foi o que aconteceu neste caso.

"É precisamente esta a situação que se verifica na greve realizada pelos enfermeiros entre os dias 22 de novembro e 31 de dezembro de 2018, em que a modalidade que a mesma assumiu não constava do aviso prévio emitido pelos sindicatos que a decretaram, pelo que essa greve, pela surpresa que constituiu a forma como ocorreu, face ao conteúdo do aviso prévio, foi ilícita", refere o documento.

O crowfunding é ilegal?

Nesta matéria, a PGR lembra que o crowdfunding que tem permitido compensar os enfermeiros pelas perdas salariais resultantes da greve foi constituído por um grupo de enfermeiros e não por qualquer organização sindical. E não tem dúvidas: isso é ilegal. "Não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma greve vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão, através da utilização de um fundo de greve que não foi constituído, nem é gerido pelos sindicatos que decretaram a greve", diz o parecer.

"Essa situação constitui uma ingerência inadmissível na atividade de gestão da greve, que incumbe exclusivamente às associações sindicais que a decretaram", prossegue o documento, acrescentando que este fator, só por si, pode determinar a ilicitude da greve, caso se "demonstre que essa utilização foi um elemento determinante dos termos em que a greve se desenrolou".

E agora?

Num "esclarecimento aos enfermeiros" publicado esta terça-feira no Facebook, o Sindepor - um dos sindicatos que convocou a greve - afirma que "só os tribunais podem proibir o direito à greve e isso não aconteceu". "O facto de o Governo ter homologado o parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a ilicitude da greve em curso em nada altera o direito dos trabalhadores para se manter em greve", escreve o sindicato.

"Caberá aos conselhos de administração notificar por escrito os enfermeiros para os informar que estão restringidos desse direito, e que caso não o façam incorrem em procedimento disciplinar. Exijam essas ordens por escrito", aconselha o sindicato, que recomenda aos enfermeiros que cumpram as ordens recebidas.

Susete Francisco - 19 Fevereiro 2019 —  Diário de Notícias