Alice Cracel -  Alice Cracel começou a trabalhar na UMinho com 22 anos, a 1 de abril de 1974

entrevista ao NÓS – Jornal Online da UMinho

“Para si, houve algo mais que deveria ter sido feito, no percurso de crescimento da Universidade?
Parece-me que houve uma componente do apoio social ao corpo de funcionários e de docentes que falhou. Uma creche e um infantário, por exemplo, são infraestruturas importantes para o bem-estar de pessoas que fazem parte desta Casa. Se calhar, é fruto da pouca união dos funcionários, mas penso que a Universidade já deveria ter pensado nisso há muito tempo Também houve também em que os princípios humanistas de que fala a Missão foram um pouco esquecidos. De qualquer forma, é inegável que a UMinho cresceu de forma consolidada: hoje tem a oferta educativa que desejou, tem pessoas valiosas, boas infraestruturas, projeta-se na região, no país e no mundo, e portanto, resta-lhe aprimorar-se.”

cracel1

Nasceu em Paradela, Terras de Bouro, em 1952. Começou a trabalhar na UMinho com 22 anos. “Entrei menina e moça, saí daqui 'canhota'”, disse-nos, rindo.

Nasceu em Paradela, Terras de Bouro, em 1952. Começou a trabalhar na UMinho com 22 anos. “Entrei menina e moça, saí daqui 'canhota'”, disse-nos, rindo.

Chegou à UMinho numa altura muito particular da nossa história.

Vim através do Serviço Nacional do Emprego. Estava grávida do meu segundo filho. Entrevistaram-me os Professores Lloyd Braga, Joaquim Romero e o dr. Vasconcelos. Tive que escrever à máquina, com o teclado tapado! [risos]. Comecei a trabalhar como escriturária, a 1 de abri de 1974. Por seis meses. Passaria a contrato efetivo se desse conta do recado. [sorriso] Passados uns dias, deu-se o 25 de Abril. Foi um tempo de incerteza. Graças à persistência do professor Lloyd Braga, que contactava incessantemente com o Conselho da Revolução, conseguiu-se a estabilização do projeto e em 1975 arrancaram os primeiros cursos; se não estou em erro, os bacharelatos em Matemática, Relações Internacionais, Português e Português-Francês.
Como foram esses primeiros tempos?

Difíceis. Repare: a UMinho tinha sido criada em 1973, pelo ministro Veiga Simão. A Comissão Instaladora tomou posse a 17 de fevereiro de 1974. Era um assunto que vinha do passado. Se pensarmos na Revolução de 25 de Abril como um corte com tudo o que estava para trás; era praticamente impossível prever o futuro. Não havia dinheiro para praticamente nada. O Quadro de Pessoal, que tinha acabado de ser criado, estagnou completamente, porque, com a libertação das colónias e a criação do Quadro Geral de Adidos, o Estado tinha que admitir os retornados. Uma boa parte dos funcionários admitidos nesta altura vinham de Moçambique, pois o professor Lloyd Braga tinha estado em Lourenço Marques.
E o seu percurso pela Universidade, como foi?
Ao fim de algum tempo, o professor Lloyd Braga remeteu ao Ministério, para aprovação, os contratos de trabalho dos funcionários. Aos poucos, as coisas iam andando. Estávamos disponíveis para tudo. Até fizemos limpeza para nos podermos instalar [sorriso]. Uma vez ficámos até às três da madrugada a aplicar alcatifa na Reitoria. Mais tarde, fui trabalhar para os Serviços Técnicos, acabados de criar, com a Eng. Magda (esposa do saudoso Professor Romero), que era uma pessoa sábia e maravilhosa, com quem muito aprendi. Ao fim de alguns anos, a engenheira Magda assumiu a coordenação do Serviço de Reprografia e juntei-me à equipa.

Ali fiquei até cerca de 1980, altura em que fui para o Senado Universitário.

Passados uns anos, o vice-reitor Prof. José Eduardo Lopes Nunes, convidou-me para o secretariar. Estive na Reitoria cerca de dez anos. Fui progredindo. Faltava-me a chefia de secção, que ocupei mais tarde na Escola de Direito (ED), quando me candidatei, pouco depois da sua criação. Dali, aposentei-me. Entrei na UMinho “menina e moça”, saí daqui “canhota”! [risos]
O que foi mais marcante para si?
Os primeiros tempos. Tomavam-se decisões de um segundo para o outro. Tínhamos acabado de passar por um longo período de ditadura. Imagina o que é entrar alguém pelo serviço adentro e mandar toda a gente para o Salão Nobre para um plenário?! [sorriso]. Ou estar a trabalhar e, de repente, estourarem bombas ao lado, no Campo da Vinha.  
Para si, houve algo mais que deveria ter sido feito, no percurso de crescimento da Universidade?
Parece-me que houve uma componente do apoio social ao corpo de funcionários e de docentes que falhou. Uma creche e um infantário, por exemplo, são infraestruturas importantes para o bem-estar de pessoas que fazem parte desta Casa. Se calhar, é fruto da pouca união dos funcionários, mas penso que a Universidade já deveria ter pensado nisso há muito tempo Também houve também em que os princípios humanistas de que fala a Missão foram um pouco esquecidos. De qualquer forma, é inegável que a UMinho cresceu de forma consolidada: hoje tem a oferta educativa que desejou, tem pessoas valiosas, boas infraestruturas, projeta-se na região, no país e no mundo, e portanto, resta-lhe aprimorar-se.
Que mudanças vieram com a UMinho?
Ela foi-se modificando a si mesma e à envolvente muito lentamente, mas passados 40 anos apercebemo-nos do quão grandes foram as transformações. Quando vim estudar para Braga, na década de 60, para o ensino secundário, a cidade tinha a configuração de um bacalhau [risos]: a Avenida Central ligava com a Rua D. Pedro V e esta com a Rua Nova de Sta. Cruz e a mancha urbana afunilava à medida que progredíamos da primeira para a última. E ficava por aí. A UMinho cresceu e fez crescer muito. Mas isso aconteceria, inevitavelmente, em qualquer tempo da história, porque trouxe pessoas de todo o País e do estrangeiro.
O que trouxe de si à Universidade do Minho?
A minha dedicação e a vontade de trabalhar. Fui sempre honesta e frontal [sorriso]. Penso que fui reconhecida por isso… A Universidade do Minho é que me deu. Estabilidade. Consegui criar os meus filhos com segurança e conforto. Foi um percurso muito bom; fazia o que gostava. Não levei qualquer tipo de mágoa.
Sente-se privilegiada por ter sido uma entre os primeiros?
Creio que não. No início, por sermos poucos, tínhamos uma relação quase familiar, que se fortaleceu quando chegaram os primeiros retornados, porque eles vinham muito fragilizados. Mas, creio que, cada um à sua maneira, fomos todos importantes para a Universidade do Minho, demos todos de nós.

Alice Cracel numa feira de divulgação no Parque de Exposições de Braga

cracel2

Num jantar, ao lado do então reitor Lúcio Craveiro da Silva

cracel3

Numa feira de divulgação com o professor João de Deus Pinheiro 

Os gostos, os defeitos e as descontrações de Alice Cracel
 Um livro. “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco
Um filme. “E tudo o vento levou”, de V. Fleming
Música. Fado. Amália e Ana Moura
Uma figura. O meu pai. Um homem como hoje quase não há.
Um passatempo. Culinária e costura. Quando trabalhava, a hora de preparar o jantar era o meu momento de descontração. Adoro cozinhar e ter gente às refeições.
Um sítio. O Gerês. A minha origem e a minha meninice.
Um momento. O dia em que fui avó. Fui a primeira a ver o meu neto! [sorriso]
Um vício. Tabaco. [esbugalhando os olhos] Bem que queria largar…
Um sonho. Saúde, para viver mais tempo!
Um defeito. A teimosia. Não gosto de perder nem a feijões.
Um lema. “De um mal não faças dois”. Aprendi com o professor Lúcio Craveiro da Silva.
A UMinho. Uma coisa boa na minha vida. Espero que passem por cá os meus netos e os meus bisnetos. [risos]

17-02-2014 | Paula Mesquita