UM DE NÓS Julieta Moreira e António Mota

"Tínhamos muito amor à camisola”

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António Mota e Julieta Moreira no hall principal do campus de Azurém, em Guimarães

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Ambos são sócios honorários da Associação Académica da UMinho

Julieta Moreira e António Mota

Nos inícios da UMinho, eram eles que geriam salas de aula e o secretariado, entre outras funções. Corriam entre campi, portas e serviços, afixavam avisos, colocavam projetores  e auxiliavam docentes, a precisarem de tudo para ontem e de alunos a sentir-se em casa. Com entusiasmo e nostalgia, conversámos com a d. Julieta e o sr. Mota, já aposentados e (re)conhecidos na história desta academia.

Quando chegaram à Universidade do Minho?

António Mota (AM): Entrei no ano letivo de 1979/80. Fui trabalhar para os Serviços Académicos, que funcionavam no Largo do Paço. Eram tempos de aventuras, porque a Universidade quase não existia. Os alunos estavam dispersos por edifícios na [rua] D. Pedro V, Abade da Loureira… E nós, funcionários, “corríamos” a cidade para responder aos pedidos que nasciam de todo o lado. Muitas vezes, íamos em grupo, o que ajudava a conhecermo-nos e a aproximarmo-nos. Foi uma altura muito enriquecedora em termos humanos. 

Julieta Moreira (JM):  Entrei em 1978 ou 1979. Em Guimarães, a Universidade funcionava no [Palácio] Vila Flor. Foi aí que comecei. Havia só cursos de engenharia, mais ligados às áreas tecnológicas. Na parte da Escola de Engenharia que funcionava em Braga, estava o sr. Falcão, depois foi para o Serviço de Pessoal e eu fiquei com as duas secretarias, em Braga e em Guimarães. A partir daí, dividia os dias entre ambas. Sentia que era uma família que ali se formava.

Estando a UMinho enquadrada nas chamadas “novas universidades”, que nasciam então, e sendo ambos das primeiras “fornadas” de funcionários, havia algum tipo de dúvidas sobre o que esta academia poderia vir a ser?

AM: Eu sentia que a Universidade tinha muita dinâmica e que todos sentíamos “muito amor à camisola”. Notava-se que ela tinha que ir para a frente, de uma forma ou de outra,  porque era a vontade geral das pessoas. Claro que não havia instalações ideais, não havia quase nada, mas, pelo menos, havia a boa vontade e a dinâmica de a fazer funcionar.

JM:  Era isso mesmo: uníamos os esforços e tinha tudo que funcionar bem! Primeiro em Vila Flor e, depois, quando viemos para o campus de Azurém, creio que em 1990. Quando começaram as primeiras edições das festas dos estudantes e se montou uma tenda além da entrada do campus, as pessoas de Guimarães, que não estavam “preparadas” para estas novidades, ligaram para o presidente da Câmara Municipal a queixar-se do barulho dos alunos. A certa altura até comentei: “Se as pessoas querem uma Universidade em Guimarães, têm que se habituar”. E habituaram-se, por assim dizer, depois tudo correu bem.

Sabiam os nomes dos estudantes

Antes da entrevista, o sr. Mota comentou que ambos conheciam as pessoas pelos nomes, mesmo dos estudantes.

AM: E a vida deles! E passaram por nós muitos nomes, muitos estudantes que se destacaram e foram importantes para a história da instituição. Desde os reitores mais recentes, diversos vice-reitores… vimo-los todos a entrar nos nossos balcões e a fazer as inscrições, acompanhámos os seus percursos académicos…

Alguns desses estudantes, colegas ou professores vos marcaram?

AM: Ninguém em particular. Nós tratávamos todas as pessoas muito bem e de forma igual e todos nos tratavam bem também. A função que tínhamos era cumprir o melhor possível o serviço – e cumpríamos. Ficava toda a gente satisfeita e assim ia tudo “rolando”! [sorriso] No conjunto dos funcionários, havia algumas fricções, não se pode negar isso quando se trata de grandes instituições. Mas também havia amizades, muitas amizades.

JM: Os alunos marcaram-me pela positiva. Eram todos meus amigos. Todos meus amigos!

O sr. Mota começou a trabalhar nos Serviços Académicos e a d. Julieta nas secretarias da Escola de Engenharia. Como é que foi evoluindo o vosso percurso profissional?

JM:  Eu desempenhei praticamente as mesmas funções na secretaria da Escola de Engenharia até ao fim da carreira.

AM: Entrei nos Serviços Académicos e deram-me inicialmente o trabalho de expediente. Dois, três meses depois, a d. Emília, que estava com a secretaria da Escola de Ciências, foi para a Universidade Nova de Lisboa e fiquei a substiuí-la até à abertura do campus de Gualtar, fui para lá logo que começou a funcionar o primeiro complexo pedagógico, o CP1

O primeiro funcionário do campus de Braga
Foi o primeiro funcionário a trabalhar no campus de Gualtar, em Braga.
AM:  Sim. Recebi instruções da empresa responsável pela empreitada sobre toda a funcionalidade do complexo. Efetivamente, o CP1 é um marco. O prof. Carlos Bernardo dizia que tinha cumprido uma missão e de forma vantajosa, porque a construção foi muito rápida e temia o aparecimento de complicações nas estruturas, o que, felizmente, não aconteceu. Tinha a capacidade para receber quatro, cinco mil alunos e mantém-se operacional.
Acredito que ainda hoje seja capaz de percorrer aqueles corredores de olhos fechados.
AM: Sim, sim! E dizer os números das salas e quantos alunos cabiam em cada uma. [sorriso]

A gestora dos técnicos em Guimarães

A D. Julieta manteve as funções, mas viu a Escola de Engenharia e o campus crescerem.

JM: Sim. Foi tudo crescendo. A certa altura, todos os funcionários que desempenhavam funções em Guimarães – telefonistas, motoristas, secretárias dos departamentos, etc. – dependiam disciplinarmente de nós e, portanto, tinha um conjunto de pessoas muito alargado a supervisionar.

Há alguma memória que lhe traz uma nostalgia especial?

JM: O acontecimento que mais me marcou foi a reunião dos 12 Estados-membros que faziam parte da CEE, aqui no campus de Azurém. E marcou-me o dr. João Teotónio Pereira, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com quem trabalhei na organização do evento. Outros mais aconteceram, mas este foi muito gratificante.

AM: Tivemos muitos eventos externos na Universidade: congressos, simpósios, colóquios, alguns deles internacionais… As estruturas garantiam boas condições e com extensa área para estacionamento. Recordo-me da vinda do dr. Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional da Madeira. Mal chegou, perguntou pela comunicação social. Não havia tanta quanto ele desejava e comentou: “Se caísse uma telha em Lisboa, era notícia. Aqui, há um congresso desta natureza e ninguém sabe!”.

Sentiram algum tipo de dificuldade ao longo do tempo em que trabalharam na UMinho?

AM: Nada para mim foi dificuldade.  Posso dizer que a instituição podia ter tirado mais proveito de mim, porque tinha saúde e capacidades físicas para fazer mais! Sou muito organizado. O meu horário de iniciar o trabalho era às 9h00, mas a essa hora eu já sabia todas as atividades previstas para o dia, onde decorreriam e quantas pessoas eram esperadas.

JM: Eu também entrava às 9h00, mas, às vezes, eram 15h00 e eu ainda sem almoçar. Era a última a sair.  Portanto, com esta entrega e a colaboração excelente dos funcionários que trabalharam comigo, as coisas corriam bem. Havia muita dedicação.

Acha que isso se devia à universidade estar em crescimento?

AM: Talvez. Agora está estabilizada. Cada um vai para o seu gabinete e pronto.  Nós lutávamos por qualquer coisa que quiséssemos. Para organizar torneios de futebol ou outro tipo de atividades e parcerias tivemos que criar a Associação de Funcionários (AFUM).

Os netos e a genealogia
Agora mais afastados da Universidade, como ocupam o tempo?
JM: Com os meus netos. [sorriso] Vou buscar um à escola, levo o outro ao desporto, vou buscá-los ali e acolá… e assim dedico-me com todo o gosto a eles. E faço muito croché!
AM: Claro que não ia ficar de braços cruzados! [sorriso] Mesmo com tudo o que faço no dia a dia, ainda tinha tempo que precisava de “matar” e enveredei pela genealogia. Criei um blogue e fiz o levantamento quase todo da região Norte. Sou capaz de ter cerca de 70 mil folhas publicadas. Foi uma forma de ocupar o tempo e a mente. Gosto de ver como é que estas coisas funcionavam antigamente. Tenho muitas visualizações e sinto muita satisfação com o que faço. É outra forma de se viver, de me valorizar.
Ao acompanharem hoje o quotidiano da UMinho pelas notícias e online, nutrem um sentimento especial?
AM: Sim, sim. Eu gosto particulamente quando se trata de notícias sobre registos de patentes, inovações, prémios, distinções… outras nem tanto.
Como olham para a Universidade?
AM: 
Vejo uma instituição ainda dinâmica e com núcleos muito motivados, embora também me aperceba de algumas divergências e questões políticas.

JM: As pessoas poderiam ser mais tolerantes.
AM: Antigamente, penso que tudo remava para o mesmo lado…
Sentem orgulho por terem trabalhado na UMinho?
AM e JM: Com certeza, isso sentimos. Com certeza! E dizemos muitas vezes que trabalhámos aqui.
Numa palavra ou expressão, o que significa a Universidade do Minho?
JM:
 Foi a minha casa, durante muitos anos. Com muito orgulho!

AM: É uma recordação.

NÓS - Jornal Online da UMinho | nº 122 | abril' 2023

30-04-2023 | Paula Mesquita e Daniel Vieira da Silva | Fotos: Nuno Gonçalves