Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

CESSAÇÃO DE CONTRATO COMO PROFESSOR ASSOCIADO; AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO NECESSÁRIA À EXECUÇÃO DO D.L. Nº. 205/09, DE 31.08; REGIME AVALIATIVO TRANSITÓRIO

Processo: 03509/10.4BEPRT

Data do Acórdão: 18-10-2019

Tribunal: TAF do Porto

CESSAÇÃO DE CONTRATO COMO PROFESSOR ASSOCIADO; AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO NECESSÁRIA À EXECUÇÃO DO D.L. Nº. 205/09, DE 31.08; REGIME AVALIATIVO TRANSITÓRIO; PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA DE INTERESSADOS; APROVEITAMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Sumário:

I- Impondo o nº. 3 do artigo 19º do D.L. nº. 205/09 que, uma vez findo o período experimental, a conversão do contrato de trabalho dos professores catedráticos e associados depende de uma avaliação específica da atividade desenvolvida durante aquele período, de acordo com os critérios fixados pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição da ensino superior, em Regulamentação futura a aprovar, não podia a Ré, como forma de ultrapassar a sua própria inércia regulamentar, avaliar o Autor de com base num “regime transitório” de avaliação com reporte para os critérios de avaliação previstos no anterior regime do ECDU agora revogado, que fez entretanto aprovar por Despacho Reitoral nº. 105/2009, sob pena de atuação contra legem.

II- Mostrando-se evidenciada a falta de substrato legal para a atuação da Universidade do Minho descrita nos autos, especificamente traduzida na criação de um regime avaliativo transitório por parte da Universidade do Minho com reporte para os critérios de avaliação previstos no anterior regime do ECDU agora revogado, resulta absolutamente desnecessária o conhecimento do alegado em torno do artigo 22º do ECDU, pois, ainda que se concluísse que o ali preconizado não era impeditivo do chamamento à colação das normas previstas no anterior regime do ECDU, sempre o princípio da legalidade, enquanto postulado estruturante de atuação da atividade administrativa, o obstacularizaria completamente.

III- Não tendo a Recorrente cumprido o ónus da impugnação da matéria de facto, logo fica este Tribunal Superior impedido de alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida nos termos invocados pela Recorrente.

IV- Na situação recursiva, nada nos garante nada garante, bem pelo contrário, que se a ilegalidade detetada não tivesse sido cometida o conteúdo do ato impugnado teria sido o mesmo, desta feita, resultando aqui inviável a figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.

Recorrente: U.M,

Recorrido 1: J.A.D.R.L.

Votação: Unanimidade

(..) A leitura concatenada dos preceitos de lei ordinária supra transcritos revela-nos, para o que ora nos interessa, que, com a entrada em vigor do citado D.L. 205/09, os atuais professores catedráticos e associados nomeados provisoriamente transitam, sem outras formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado em período experimental, podendo estes optar pela duração do período experimental de 1 ano.

Neste particular, sublinhe-se o que dimana do probatório coligido nos autos sob os pontos 1 a 4, donde emerge designadamente que o Autor, tendo sido nomeado provisoriamente na categoria de Professor Associado, declarou optar pelo período experimental de 1 ano, que terminaria a 31 de Agosto de 2010.

Revela-nos ainda que, uma vez findo o período experimental, a conversão do contrato de trabalho dos professores catedráticos e associados depende de uma avaliação específica da atividade desenvolvida durante aquele período, de acordo com os critérios fixados pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição da ensino superior, em Regulamentação a aprovar, que não pode afastar as disposições do ECDU.

Contudo, e neste concreto domínio, não foi essa a atuação desenvolvida pela Ré nos autos, pois não avaliou o Autor de acordo com critérios fixados em nova Regulamentação a provar, mas antes com base num “regime transitório” de avaliação com reporte para os critérios de avaliação previstos no anterior regime do ECDU agora revogado, que fez entretanto aprovar por Despacho Reitoral nº. 105/2009.

O que serve para concluir que a Ré não seguiu a ritologia procedimental prevista no nº.3 do artigo 19º do ECDU, dessa forma, atuando expressamente contra legem.

Poder-se-á, contudo, objetar que a atuação assim desenvolvida pela Ré, sustentada no Despacho Reitoral nº. 105/2009, é admissível no procedimento em curso, atento um eventual vazio jurídico criado com a falta atempada de aprovação da Regulamentação necessária à execução do ECDU.

Antes de mais, refira-se que o vazio jurídico, rectius, regulamentar, a existir, é exclusivamente imputável à Ré, não podendo o Autor, aqui Recorrido, ser surpreendido com uma solução administrativa especialmente não prevista na lei para ultrapassar a própria inércia regulamentar daquela.

Até porque, e com reporte para os princípios gerais que regem a sua atividade, é sabido que a lei é simultaneamente fundamento e limite da atuação da de Administração Pública, axioma devidamente corporizado no princípio da legalidade [vertente positiva e negativa].

Pelo que, à míngua de expressa norma legal habilitante [princípio da legalidade na vertente negativa], não podia a Ré, aqui Recorrente, ultrapassar a sua própria inércia regulamentar com recurso à fixação de um “regime avaliativo transitório” com reporte para os critérios de avaliação previstos no anterior regime do ECDU agora revogado, que fez entretanto aprovar por Despacho Reitoral nº. 105/2009.

Efetivamente, mostrando-se este “regime avaliativo transitório” carecido do necessário e específico substrato legal de atuação conforme, encontrava-se a aqui Recorrente impedida de proceder da forma descrita nos autos, sendo, por isso, a atuação sustentada no Despacho Reitoral nº. 105/2009 inadmissível em curso.

Quando muito, e na melhor das hipóteses, seria de admitir que a solução jurídica divergiria do acabado de expor caso o fixado “regime avaliativo transitório” oferecesse mínima correspondência com a nova Regulamentação a aprovar - que, nesta altura, já se mostra concretizada no Regulamento dos Concursos para Recrutamento de Professores da Carreira Docente Universitária na U.M, aprovada pelo Despacho n.º 17945/2010 - por se manter em vigor em tudo quanto não contraria a nova Regulamentação.

Porém, esse não foi o caminho trilhado pela Ré, que, no âmbito da sua discricionariedade, fez aprovar critérios de avaliação totalmente divergentes dos previstos no anterior regime do ECDU agora revogado, e que transitoriamente, serviram de suporte à avaliação da atividade desenvolvida pelo Autor, aqui Recorrido.

Por conseguinte, não ocorre a errada aplicação e interpretação do disposto no artigo 19º, nº. 3 do ECDU.

Cumpriria agora centrar a nossa atenção em torno do alegado erro de julgamento, por errada aplicação e interpretação do artigo 22º do ECDU.

Ocorre, porém, que tal tarefa se nos apresenta como inútil por destituída de efetiva relevância considerando o que se vem de expender supra.

Na verdade, mostrando-se plenamente evidenciada a falta de suporte legal para a atuação da U.M descrita nos autos, especificamente traduzida na criação de um regime avaliativo transitório por parte da U.M com reporte para os critérios de avaliação previstos no anterior regime do ECDU agora revogado, resulta absolutamente desnecessária o conhecimento do alegado em torno do artigo 22º do ECDU, pois, ainda que se concluísse que o ali preconizado não era impeditivo do chamamento à colação das normas previstas no anterior regime do ECDU, sempre o princípio da legalidade, enquanto postulado estruturante de atuação da atividade administrativa, o obstacularizaria completamente.

E nesta falta de relevância reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.

Nestes termos, e também por falta de relevância para a decisão de mérito a proferir, improcede o invocado erro de julgamento de direito em análise.

Improcedem, pois, as conclusões vertidas nas alíneas B) a U) do presente recurso.

Resta-nos, pois, a questão de saber se o acórdão recorrido, ao decidir pela preterição da audiência prévia de interessados, incorreu em erro de julgamento, por violação das normas previstas nos artigos 100º a 103º do C.P.A, na redação vigente à data dos factos.

Efetivamente, a Recorrente insurge-se contra este entendimento, desde logo, porquanto entende que o Autor foi notificado foi, efetivamente, notificado em 16 de julho, e não apenas em setembro.

Tal invocação, porém, não se pode admitir, atento os moldes em que foi a mesma delineada na motivação do recurso em análise.

Na verdade, e admitindo que se trata de uma impugnação implícita da matéria de facto fixada em 1ª instância, caberia à Recorrente, sob pena de rejeição imediata, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; bem como indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.

Neste sentido, ver, de entre muitos outros em sentido idêntico, aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2015, tirado no processo 00418/12.6BEPRT, consultável em www.dgsi.pt.

Não tendo a Recorrente cumprido este ónus da impugnação da matéria de facto, logo fica este Tribunal Superior impedido de alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida nos termos invocados pela Recorrente.

Por conseguinte, o quadro fáctico a atender é o que resulta fixado em 1ª instância, e não um qualquer outro, como o pretendido pela aqui Recorrente.

Sendo aquele o contorno fáctico imutável do caso a decidir, do qual este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que nada existe a objetar à interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo categórica no sentido da ocorrência in casu preterição da audiência prévia de interessados.

Todavia, não se pode encerrar a questão sem considerar o princípio de aproveitamento do ato administrativo.

Na verdade, e como a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem reiteradamente decidido, “o princípio do aproveitamento do ato administrativo, negando a eficácia invalidante do vício constatado, só poderá valer em casos de atividade vinculada da administração e apenas quando se possa afirmar, com inteira segurança, que o novo ato a praticar pela Administração, em execução de julgado anulatório, teria forçosamente o conteúdo decisório idêntico ao do ato anulado” [cfr. por todos, os acórdãos do Pleno de 16.06.2005, Proc.° n.° 1.204/03, e de 15.10.99, Proc.° n.° 21.488].

Assim, para se entendesse ser aplicável em situações como a dos autos o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, teria o Tribunal de concluir com toda a segurança que o cumprimento da formalidade que se preteriu em nada alteraria o sentido da decisão censurada nos presentes autos.

Em tais circunstâncias, o mais que pode aceitar-se é que o Tribunal deixe de proferir a anulação contenciosa se lhe for exibida prova [cujo ónus compete ao Réu] de que a violação cometida não teve qualquer espécie de influência no resultado decisório, que seria sempre o mesmo se os vícios procedimentais detetados não tivessem ocorrido.

Só que, no caso dos autos, essa demonstração não é segura, pois mostra-se estribada na obrigatoriedade de apresentação de um relatório de atividades por parte do Autor, aqui Recorrido, de acordo com os critérios fixados no fixado “regime avaliativo transitório”, cuja aplicação no caso concreto, já vimos, que se mostra claramente destituída de substrato legal.

Pelo que nada nos garante nada garante, bem pelo contrário, que se esta ilegalidade não tivesse sido cometida o conteúdo do ato impugnado teria sido o mesmo, resultando assim inviável a utilização aqui da figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.

O que serve para concluir que se mostra bem realizado o julgamento realizado pelo Tribunal a quo no domínio em análise.

Concludentemente, improcedem as conclusões de recurso em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a sentença recorrida, com a atual fundamentação.

Assim se decidirá.

IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/a3231e145fa90e96802584c7005e0bd8?OpenDocument&Highlight=0,universidade