Docentes da Universidade de Coimbra dizem-se “envergonhados” com carro chamado “Alcoholocausto”

Finalistas do curso de História recuaram na decisão de usar o nome no cortejo da Queima das Fitas, mas defenderam a validade da escolha. Docentes dizem que atitude é “uma violação grosseira do dever de memória”.

Vários docentes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra repudiaram, num abaixo-assinado a que o PÚBLICO teve acesso, o facto de os alunos fitados do curso de História daquela universidade terem baptizado o carro do Cortejo da Queima das Fitas com o nome “Alcoholocausto”.

Depois das muitas vozes que criticaram esta opção antes da realização do evento, os alunos voltaram atrás na decisão, mas colocaram mensagens de protesto no local onde se situa o nome do carro de curso. “Com esta polémica toda, parece que há Polícia Académica”, podia ler-se num dos cartazes que enfeitava o veículo. Em comunicado citado pelo diário As Beiras, os finalistas do curso de História continuaram a defender a utilização do nome “Alcoholocausto”, afirmando que esta designação era “apenas e só, o nome de um carro integrante do Cortejo da Queima das Fitas, o qual terminaria no final do cortejo no amontoado de destroços que são deixados anualmente”.

Por sua vez, 70 professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra dizem-se “profundamente envergonhados e amargurados pela imagem que, com a sua ignominiosa escolha inicial, o grupo de promotores do carro ‘Alcoholocausto’ projectou de si próprio” enquanto alunos finalistas do curso de História. Para além de criticarem num abaixo-assinado a expressão escolhida para o nome do carro, os docentes colocam em causa o facto de os alunos responsáveis terem defendido a utilização do mesmo, afirmando que esta escolha representou “uma violação grosseira do dever de memória e perante uma ofensa gravíssima à memória das vítimas”. 

“'Holocausto’ é uma palavra que remete, sem subterfúgios, para o maior crime contra a humanidade alguma vez cometido, o extermínio genocida de mais de seis milhões de judeus, ciganos e outros grupos pelo regime nacional-socialista. Este genocídio fez-se em nome de uma ideologia racista e foi planificado e organizado de forma minuciosa e eficiente por uma máquina implacável posta em movimento por toda a Europa sob o domínio nazi”, começam por afirmar os docentes, sublinhando o facto de homens, mulheres e crianças inocentes, “vidas que, criminosamente, não puderam ser vividas”, pode ler-se na declaração.

Em resposta às acusações dos alunos — que se disseram censurados —, os docentes afirmam que existem limites para a sátira e o humor “consignados na lei”. Mas, antes de referirem uma ordem jurídica, os docentes sublinham o “conceito elementar de responsabilidade ética individual”, defendendo que esta acção dos alunos viola a dignidade humana. “Quem assim procede torna-se, implicitamente, cúmplice dos crimes cometidos e não poderá, em nenhuma circunstância, furtar-se a esta responsabilidade. E muito menos poderá, quando confrontado com a indignidade da sua posição, arrogar-se a posição de vítima de um qualquer acto de ‘censura'”, finalizam.

7 de Maio de 2019, Público