Mudança de regime de trabalho implica redução de salário, mas há vários professores que têm pedido para ficar a tempo parcial. Uma docente que está agora de baixa devido a burnout viu os seus pedidos recusados por três vezes. Provedoria da Justiça afirma que recusas não têm fundamento.

O Ministério da Educação está a impedir o exercício de direitos que se encontram consignados na lei, ao recusar que professores do quadro passem, a seu pedido, para um regime de trabalho a tempo parcial. O aviso é da Provedoria da Justiça, que no passado dia 24 de Julho exortou o ministério a mudar esta situação no próximo ano lectivo.

A passagem a tempo parcial implica uma redução de salário. Este é o segundo ofício que a provedoria envia ao ME sobre o caso. O primeiro, datado de Novembro passado, tem na base a queixa de uma docente do quadro, que dá aulas de Matemática, a quem o ministério recusou, por três vezes, os seus pedidos para passar do regime de trabalho a tempo completo para outro a tempo parcial.

Esta recusa foi feita “sem fundamento que à face da lei, se possa considerar válido”, constata a Provedoria da Justiça, que, entretanto, recebeu queixas de vários outros professores do quadro a quem foi recusada a mudança de regime de trabalho, com base na mesma resposta que foi enviada por três vezes à docente de Matemática.

Ao PÚBLICO, esta professora explica que apresentou o primeiro pedido, depois de em 2016 ter chegado a estado de esgotamento, por considerar que a única forma de evitar uma recaída era a de solicitar o exercício de funções a tempo parcial. Três pedidos feitos consecutivamente em 2016, 2017 e 2018. Três recusas. Consequência: “Neste momento encontro-me de baixa médica a recuperar de um segundoburnout”, informa.

A possibilidade de um trabalhador a tempo completo mudar, a seu pedido, para um regime a tempo parcial está prevista, cumulativamente, no Estatuto da Carreira Docente (ECD), na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) e no Código do Trabalho (CT). Mas o ministério recusou os pedidos alegando o seguinte: “O exercício de funções em regime de trabalho a tempo parcial não consubstancia uma modalidade de horário de trabalho, pressupondo a celebração de um contrato, sendo passível de regulamentação colectiva de trabalho, pelo que se encontram em análise os moldes em que aquele regime [tempo parcial] poderá ser aplicado ao pessoal docente.”

Nos ofícios enviados ao ministério, a Provedoria da Justiça reconhece que “está em causa matéria passível de regulamentação colectiva”, mas frisa de seguida que o facto de esta não existir “não impede o exercício do direito” por parte dos docentes que queiram passar para tempo parcial. “É matéria passível, mas não dependente de instrumento de regulamentação colectiva”, explica.

Aliás, o próprio Código de Trabalho é explícito quando estipula que “a liberdade de celebração de contrato de trabalho a tempo parcial não pode ser excluída por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”. E é este diploma que estabelece as normas do trabalho a tempo parcial dos professores.

Isto acontece porque o Estatuto da Carreira Docente determina que os professores podem exercer funções naquele regime, “nos termos previstos para os demais funcionários e agentes da Administração Pública”. Termos esses que na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas são remetidos para o Código do Trabalho.

A explicação apresentada pela DGAE é também oposta à prática que o ministério tem seguido em relação aos professores a contrato colocados em horários incompletos (menos de 22 horas de aulas por semana), a quem o ME tem imposto a designação de trabalhadores “a tempo parcial”, prejudicando deste modo a contagem do tempo de descontos para a Segurança Social (ver texto nestas páginas).

Tratamento “injusto"

Os pedidos para a mudança de regime de trabalho foram primeiro apresentados às direcções das escolas onde estes professores trabalham, que os reenviaram para análise da Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE), tutelada pela secretária de Estado Alexandra Leitão. E foi por decisão da DGAE que foram recusados. “O que se afigura tanto mais injusto quanto, em outras escolas, pedidos idênticos têm sido oportunamente apreciados e decididos [pelos directores], em muitos casos em sentido favorável”, frisa a provedoria.

Seja como for, refere também a Provedoria da Justiça que “a um pedido de um trabalhador em funções públicas no sentido de passar a desempenhar funções a tempo parcial, não pode a Administração responder, durante três anos, que está a apreciar o assunto”.

Em respostas ao PÚBLICO, o ME argumenta que “os contratos a tempo parcial só se colocam para os professores contratados e não para os que estão já vinculados”. Razões apontadas pelo ministério: a docente de Matemática que originou o primeiro alerta “está vinculada por um contrato sem termo, a que corresponde um período normal de trabalho de 35 horas, com a respectiva componente lectiva completa [22 horas de aulas por semana]”, enquanto os contratados podem ser colocados “em horários incompletos para satisfação de necessidades temporárias” das escolas.

Já numa segunda leva de respostas, o ME adianta que o facto de os professores do quadro terem horários completos “não prejudica o trabalho a tempo parcial para trabalhadores com responsabilidades familiares”. Este é um dos critérios de preferência que o Código do Trabalho estabelece para a admissão em regime de tempo parcial. “Pessoas com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica”, também estão elencadas nesta lista.

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Nega a uns e a impõe a outros

Cerca de 9500 professores a contrato têm sido considerados pelo Ministério da Educação como estando a tempo parcial por estarem em horários incompletos (menos de 22 horas de aulas).

Esta situação leva a que na contabilização do tempo de descontos para a Segurança Social “vinte anos de trabalho diário e efectivo sejam convertidos em apenas entre cinco a dez anos de carreira contributiva, com consequências gravíssimas para efeitos de prazo de acesso a prestações sociais [como o desemprego] e à aposentação”, como têm denunciado estes professores.

Com uma “injustiça” suplementar: nos termos do Estatuto da Carreira Docente (ECD), “os horários dos docentes podem ser completos ou incompletos no que respeita apenas à componente lectiva [tempo de aulas]”, sendo que o horário de trabalho semanal é de 35 horas, por se incluir também a chamada componente não lectiva, que é destinada a reuniões, apoio a alunos e a outras tarefas das escolas.

No Parlamento encontra-se uma petição pública assinada por mais de cinco mil professores com o objectivo de corrigir esta situação. Já foi remetida pela comissão parlamentar da educação para agendamento da sua discussão em plenário, o que agora só acontecerá na próxima legislatura. Há também um projecto de lei apresentado pelo grupo parlamentar do PCP com o mesmo objectivo, que também não chegou a ser debatido em tempo útil.

Ainda no mês passado, a respeito destes professores, o ME reiterou ao Parlamento que “o horário incompleto de um docente se traduz em trabalho a tempo parcial”, quando na resposta que tem enviado aos docentes de carreira refere expressamente que o “regime de trabalho a tempo parcial não consubstancia uma modalidade de horário de trabalho”.

Clara Viana

2 de Agosto de 2019, Público