Valor da bolsa média só paga três semanas de refeições na cantina

Depois de liquidadas as propinas, sobra pouco dinheiro nas mãos dos 74 mil estudantes bolseiros. As propinas que entram em vigor neste ano lectivo são as mais baixas desde 2003, mas vão fazer baixar o valor dos apoios.

A generalidade dos quase 74 mil estudantes com bolsas de acção social no ano passado receberam, na verdade, pouco ou nenhum dinheiro no fim de cada mês. Metade dos alunos carenciados tem direito apenas à bolsa mínima, que cobre exclusivamente o custo das propinas. O valor médio da bolsa de estudos paga no último ano em Portugal, depois de descontado o pagamento às instituições de ensino, não chega sequer para pagar um mês de alimentação nas cantinas.

O PÚBLICO pediu ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) que indicasse qual o valor médio das bolsas de acção social pagas no último ano. A tutela recusou indicar esse número, alegando que “haveria muitas formas” de fazer o cálculo e que este valor não teria “significado real nem prático”.

Durante anos, este foi, porém, um indicador revelado pelos ministérios com responsabilidades no ensino superior, servindo para avaliar a evolução do investimento em bolsas de acção social. Este cálculo é também feito internamente pelos serviços de acção social das universidades para avaliar a forma como os apoios estão a ser distribuídos. Façamos então contas: em 2018, foram gastos 136,4 milhões de euros em bolsas de acção social e houve 74.092 bolseiros — dados do portal Portada, com base em informação da Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES). Ou seja, a bolsa média foi de 184,09 euros por mês (sem contar com um eventual suplemento para deslocados sem lugar nas residência). As bolsas são pagas em dez prestações mensais.

O baixo valor da bolsa média não é surpreendente, tendo em conta que a maioria dos estudantes bolseiros recebe apenas a bolsa mínima, que se limita a cobrir o custo das propinas, que no ano passado podiam chegar a 1064 euros anuais. Este ano, descem obrigatoriamente para 856 euros. No último ano lectivo 36.487 bolseiros receberam 106,4 euros mensais (propina paga, nada sobrava). Este número representa praticamente metade (49,43%) do total de estudantes carenciados apoiados pelo Estado.

O número de bolseiros que recebe a bolsa mínima aumentou 28% nos últimos quatro anos. Em sentido contrário, apenas 46 estudantes (0,06% do total) recebem a bolsa máxima — cujo valor foi no ano passado de 578,2 euros mensais. Há quatro anos eram 28. 

Em suma, sendo um facto que nunca houve tantos estudantes a receber bolsas de estudo no ensino superior como actualmente — 73.822 em 2018/19, de acordo com o MCTES —, também é verdade que boa parte deste crescimento é feito exclusivamente por bolseiros que recebem o valor mínimo. O número total de bolseiros representa cerca de 22% do total de inscritos no ensino superior.

2,75 euros por refeição

Os estudantes que recebem bolsa de acção social no ensino superior têm que descontar ao valor recebido a prestação da propina fixada pela universidade ou politécnico que frequentam. Um aluno que receba mensalmente um valor próximo da média (184,09 euros), depois de pagar os custos de frequência na instituição, fica com cerca de 80 euros no bolso.

“Há livros que eu tenho que comprar que custam mais do que 80 euros”, atira a presidente da Federação Académica da Lisboa, Sofia Escária, que esta semana apresentou uma moção para os próximos quatro anos. Defende uma mudança de regras que permita que mais alunos tenham bolsa de estudo.

Atendendo aos custos actuais das refeições nas cantinas universitárias — 2,75 euros, face à última actualização – o valor médio da bolsa de estudos serve apenas para que os estudantes paguem 29 refeições mensais – ou seja, cerca de três semanas de alimentação, se pensarmos que fazem duas refeições por dia na cantina, de segunda a sexta-feira.

“Há livros que eu tenho que comprar que custam mais do que 80 euros”, atira a presidente da Federação Académica da Lisboa, Sofia Escária, que esta semana apresentou uma moção para os próximos quatro anos em que defende uma mudança de regras que permita que mais alunos tenham bolsa de estudo.

A Federação Académica do Porto (FAP) é favorável a essa proposta – que deverá constar do documento final que sairá do Encontro Nacional de Direcções Associativas que decorre neste fim-de-semana. “As famílias portuguesas têm que fazer das tripas coração para realizar o sonho da família ou dos seus filhos”, ilustra João Pedro Videira, presidente da FAP.

Quanto custa estudar?

O valor médio da bolsa não só não cobre todos os custos com alimentação mensal de um estudante, como deixa de fora outros, como os transportes e gastos com livros, equipamentos e material. Um estudo apresentado há dois anos pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa estimava que estudar no ensino superior custa, em média, 6445 euros anuais por estudante às famílias. Aplicando o mesmo cálculo de dez meses em que são pagas as bolsas, são 644,5 euros mensais, mais de três vezes o valor da bolsa média paga no ano passado.

Segundo esse estudo da Universidade de Lisboa, uma fatia importante dos custos com a frequência do ensino superior é o alojamento. Os estudantes bolseiros têm prioridade no acesso às residências universitárias, mas nos últimos anos tornou-se evidente que não há lugares suficientes para todos os deslocados, o que levou o Governo a apresentar um Plano Nacional de Alojamento Estudantil que, no arranque deste ano lectivo, acrescenta mais 600 camas à oferta existente.

Propina baixa

Os estudantes bolseiros que não tenham lugar numa residência recebem um complemento de alojamento de 174 euros mensais. Além de o valor ser baixo – “em Lisboa, não dá para nada”, comenta Sofia Escária, da FAL – não chega a todos os alunos, uma vez que essa prestação só é paga contra-factura e nem todos os senhorios estão disponíveis para fazer os contratos de arrendamento de acordo com a lei.

Este ano lectivo começa com uma novidade, as propinas vão baixar para 856 euros anuais, fruto de um acordo feito aquando da aprovação do Orçamento do Estado para este ano. Será o valor mais baixo desde 2003.

Mas o que pode ser uma boa notícia para muitas famílias, levanta também problemas aos bolseiros. É que o valor dos apoios do Estado aos estudantes está indexado ao valor da propina. E se a propina baixa, as bolsas também baixarão. A estimativa das associações académicas é que, com a mudança, as universidades e politécnicos gastem, no novo ano lectivo, menos 14 milhões de euros em bolsas. Esse valor, defendem, devia ser usado para reforçar os complementos de alojamento dos estudantes carenciados.

Samuel Silva, Público - 8 de Setembro de 2019