ADSE limita financiamento de novos medicamentos oncológicos

Fármacos inovadores não financiados pelo SNS e em fase de avaliação no Infarmed passam a depender de autorização prévia da ADSE. Ministra da Saúde rejeita ideia de que haja dificuldades no acesso a medicamentos novos por razões financeiras.

A ADSE vai limitar a forma de financiamento de novos medicamentos oncológicos. O subsistema dos funcionários públicos sublinha que “só pode comparticipar medicamentos para os quais exista decisão de financiamento pelo SNS [Serviço Nacional de Saúde]” e clarificou as regras sobre os “medicamentos de oncologia”, numa comunicação enviada aos hospitais privados no final de Agosto e a que o PÚBLICO teve acesso. 

Se os fármacos ainda estiverem em avaliação no Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento), em situações excepcionais a ADSE pode dar uma autorização especial de financiamento, como “em casos imperiosos para a saúde do doente, designadamente quando o mesmo corra risco imediato de vida ou de sofrer complicações graves”.

Mas nestas situações os prestadores passam a ter que solicitar “uma autorização prévia” através da “plataforma da ADSE Directa” disponível desde o passado dia 2. E, a partir da próxima segunda-feira, dia 16, este pedido de autorização de comparticipação “torna-se obrigatório

Esta decisão é anterior à denúncia do colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos (OM) de que há barreiras no acesso a novos fármacos que são usados numa fase precoce dos cancros e que foi noticiada pelo Expresso no sábado. Uma denúncia que esteve na base da tomada de posição do Conselho Nacional da OM, que esta terça-feira considerou que há clínicos que estarão a ser “impedidos de proteger a vida de doentes com cancro”, tendo em conta algumas “barreiras” no acesso a “medicamentos potencialmente inovadores”. O órgão máximo da OM recomendou aos médicos que registem as recusas da autoridade do medicamento (Infarmed) nos processos clínicos e que responsabilizem os peritos envolvidos nestas decisões.

Na notícia avançada no sábado alguns especialistas diziam que, ao contrário do que acontece com a ADSE e nos hospitais privados, no SNS têm sido indeferidos vários pedidos de utilização de vários medicamentos usados como terapêutica adjuvante (para evitar o reaparecimento da doença). São medicamentos que necessitam de passar por um processo excepcional de autorização para poderem ser dados aos doentes no SNS mas alguns têm sido recusados pelo Infarmed.

O que se percebe, agora, é que a ADSE está também a apertar o crivo do financiamento e a deixar de comparticipar a 100% vários fármacos como acontecia no passado. “Antes não havia controlo, os hospitais privados mandavam a despesa” e esta era depois reembolsada aos beneficiários, disse ao PÚBLICO Eugénio Rosa, vogal do conselho directivo da ADSE, sublinhando que este novo procedimento está previsto num decreto-lei de 28 de Dezembro passado. A despesa da ADSE com medicamentos oncológicos cresceu 27% no ano passado, frisou ainda, acrescentando que alguns destes fármacos custam mais de 15 mil euros por mês.

O PÚBLICO pediu mais esclarecimentos à ADSE, que não respondeu em tempo útil.

Circuito complexo

O circuito da avaliação e aprovação de um medicamento novo é complexo. Quando ainda não há decisão de financiamento pelo SNS, os doentes podem ter acesso às novas terapêuticas através dos chamados Programas de Acesso Precoce a Medicamentos (PAP), num período limitado durante o qual a indústria farmacêutica disponibiliza gratuitamente os fármacos. As autorizações excepcionais são, desde Setembro de 2017, efectuadas ao abrigo destes programas.

A ADSE especifica, aliás, que comparticipa os fármacos neste processo mas apenas se os PAP forem deferidos pelos peritos do Infarmed. Foram as recusas de deferimento de programas deste tipo para tratamento adjuvante que foram postas em causa pela Ordem dos Médicos. Estes fármacos são dados a doentes já em fase avançada da doença quando os médicos reclamam que sejam disponibilizados para prevenirem o reaparecimento da patologia, com metástases. A justificação é que só podem ser dados no caso de risco imediato de vida.

Esta terça-feira, reagindo às notícias, a ministra da Saúde rejeitou a ideia de que existem dificuldades no acesso a medicamentos inovadores por razões financeiras e remeteu para os peritos um entendimento sobre esta matéria. O que pode estar em causa são “divergências entre análises técnicas e clínicas”, considerou Marta Temido, defendendo que estas questões devem ser debatidas em “sede própria” e “talvez com algum resguardo”. A ministra aludiu ao caso recente das crianças com a forma mais grave de atrofia muscular espinhal, como a bebé Matilde, como um dos exemplos de que não há barreiras à inovação por restrições financeiras. Para sábado está marcado um encontro para discussão do financiamento da inovação terapêutica (em geral, não só fármacos oncológicos) em Coimbra.

Também o presidente da Autoridade do Medicamento (Infarmed) assegurou que a avaliação das autorizações especiais para uso de fármacos para o cancro tem em conta critérios que são apenas técnicos e clínicos, com base na análise de peritos médicos. Rui Ivo lembrou que são medicamentos ainda em avaliação que os médicos podem pedir acesso através de uma autorização de utilização excepcional, que são decididas com base no parecer de peritos médicos, muitos deles oncologistas de hospitais públicos.

O Infarmed adiantou ao PÚBLICO que desde 2016 foram financiados mais de 40 novos medicamentos na área do cancro e que só este ano foram aprovados para comparticipação 15 novos fármacos. Além disso, acrescentou, nos últimos três anos o Infarmed deu luz verde a mais de quatro mil autorizações de utilização excepcional. A avaliação é efectuada pela Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde (CATS). 

Quanto ao tempo de avaliação e decisão, o Infarmed admite que “pode ser mais demorado”, mas sublinha que isso se deve a “fases de negociação mais complexas, motivadas essencialmente por propostas de preço desajustadas/irrealistas no contexto de sustentabilidade do SNS”. 

Lentidão da avaliação

O anterior director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, que integra a CATS, considera que a Ordem dos Médicos se queixa “com razão” da lentidão da avaliação, mas frisa que isto acontece “pela dificuldade de negociação de preços” com a indústria farmacêutica.  Sublinha também que não se deve confundir a avaliação técnica com a económica. “Os doentes ficam a pensar que lhe está a ser sonegado um medicamento que os vai salvar e isso não é verdade”.

Este problema da demora da avaliação é “recorrente”, contextualiza a ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), Gabriela Sousa. “Está demonstrado que é muito melhor para o país e para o SNS tratar os doentes numa fase precoce”, uma vez que o que é importante é não haver recorrência da doença, diz, defendendo que é necessário ter “melhores ferramentas e mais rápidas” de avaliação. “O que agora indignou mais os médicos que trabalham nesta área é que estas decisões dependem muito dos peritos que avaliam”, nota. 

O actual presidente da SPO, Paulo Cortes, adiantou entretanto que já estava a pensar tomar uma posição pública sobre esta matéria, depois de ter recebido queixas de médicos e de doentes. Se há um alternativa terapêutica que está validada pela agência europeia do medicamento (EMA, sigla em inglês) e pode diminuir o risco de recidiva (reaparecimento da doença), os médicos devem segui-las no interesse do doente, justificou. 

Alexandra Campos, Público