Burocracia retém milhões e asfixia universidades

Em causa milhões de euros relativos a projetos de investigação.

FCT promete adiantar, já no próximo mês, 80% da despesa devida, algo nunca feito

Há universidades com largos milhões de euros por reembolsar relativos a projetos de investigação. Um avolumar de dívida que está a pôr em causa a estabilidade financeira das instituições e que, a manter-se, pode pôr em xeque os próprios projetos. Ao JN, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) garante que já no próximo mês, e pela primeira vez, serão pagas de imediato 80% das despesas reclamadas.
Só na Universidade do Minho estão em causa 10 milhões, dos quais cerca de cinco milhões via FCT e o restante através de outras entidades financiadoras, revela ao JN o seu reitor. "Põe em causa os projetos de investigação e os projetos de investigação, desenvolvimento e inovação e a própria estabilidade financeira das instituições", explica Rui Vieira de Castro. Para se ter uma noção, no final do ano a universidade transita com saldos na ordem dos 14 milhões de euros.
Refira-se que nos projetos de investigação as instituições recebem até 15% de adiantamento e depois vão executando com verbas próprias, sendo reembolsadas à medida que apresentam despesas. O problema é que, explica, por sua vez, o reitor da Universidade de Aveiro, "nesta altura o atraso é maior do que o costume".
Em Aveiro, e desde o início do ano, "somando todas as componentes, tudo o que está em atraso são 17 milhões de euros", qualquer coisa como 15% do orçamento da universidade, revela Paulo Jorge Ferreira. A parte relativa a projetos andará na casa dos 11 a 12 milhões. "Equilibro a bola com o nariz. Não faço disto um drama enorme. Vou cavando um buraco entre o que gasto e o que recebo", diz.
Para o reitor da Universidade do Minho o impacto é duplamente negativo: "Afeta a tesouraria e dificulta o desenvolvimento dos projetos". E preocupa-o, claramente, a "redução de saldos de tesouraria", até porque convém lembrar que as instituições de Ensino Superior estão sujeitas à regra de equilíbrio orçamental, ou seja, o saldo do ano anterior tem que transitar para o ano seguinte.

Em causa está a máquina burocrática que gira em torno destes projetos, financiados em grande parte por fundos europeus, seja através da FCT ou diretamente das linhas do Portugal 2020. "Há uma grande burocracia e complexidade na gestão dos fundos que conduzem a atrasos e geram baixas taxas de execução", afirma o reitor da UTAD, Fontainhas Fernandes.

FCT VAI ADIANTAR 80%

Questionada pelo JN, a presidente da FCT, Helena Pereira, confirmou o avolumar de pedidos, o que levou a Fundação a adotar uma medida inédita: pagar primeiro, validar as despesas depois. "Constatámos que houve um acumular de pedidos de reembolsos pelas instituições nos últimos dois a três meses". Ciente de que seria "incomportável os serviços validarem" tantas solicitações, a FCT "criou um grupo de trabalho para ver de que forma poderia agilizar o processo", explica Helena Pereira, que conhece o sistema científico nacional como a palma da suas mãos.
E situações excecionais obrigam a soluções excecionais. "A solução é pagar por adiantamento 80% das despesas que estão a ser solicitadas, sendo a validação feita a posteriori", o que acontecerá já no próximo mês, compromete-se. Sabendo, no entanto, que o dinheiro não está do seu lado. "A ambição é regularizar o máximo possível. Não digo que tudo, porque estamos dependentes das transferências da Direção-Geral do Orçamento".
Para o efeito, revela, "os serviços de informática estão a trabalhar com caráter de total urgência para preparar a plataforma".

Três anos de cursos de curta duração por pagar

Politécnicos à espera de milhões de Bruxelas

 Lançados em 2015, os cursos técnicos superiores profissionais (TESP) têm visto a procura aumentar de ano para ano, devendo ultrapassar a fasquia dos nove mil alunos. O problema é que, até hoje, apenas a primeira edição (2015-2017, têm a duração de dois anos) foi paga aos institutos politécnicos. O que significa que estão três edições em falta.
"Do de 2016/18 recebi 45%", os restantes ainda não abriram, revela ao IN o presidente do Politécnico de Setúbal, Pedro Dominguinhos. Em Viana do Castelo, o cenário repete-se. "São cerca de dois milhões de euros, só em TESP", quantifica Carlos Rodrigues, o novo presidente do politécnico. Nada mais do que 20%, lembra, do que recebe através do Orçamento do Estado.

TÉCNICOS PARA BUROCRACIA

Se formos a Bragança, o presidente Orlando Rodrigues também tem as contas feitas: "São mais ou menos três milhões de euros em reembolsos pendentes", a maioria relacionados com TESP e com um projeto de investigação em parceria com Espanha. A complexidade na execução dos TESP é de tal ordem que se viu obrigado a pôr três técnicos superiores, em exclusivo, só a tratar da parte burocrática.
Os efeitos são os esperados em instituições que não vivem com saldos folgados. "Vivemos num momento com algumas dificuldades de tesouraria, com uma gestão mais apertada e difícil", reconhece o presidente do politécnico de Bragança, a quem falta10% do orçamento.

Já em Viana do Castelo, estamos a falar de mais de 800 alunos e cerca de 70 docentes a tempo inteiro. Cujos salários estão a ser adiantados pelo politécnico.

Jornal de Notícias | 18.09.2019 - JOANA AMORIM