“A redução da propina máxima em 200 euros é uma medida demagógica”

O reitor da Universidade Nova de Lisboa diz que esta medida não se “direcciona a quem menos pode e a quem menos tem” e que a aposta devia ser na Acção Social. Entrevista

A avaliação do mandato do Governo no ensino superior e na ciência é “incomparavelmente mais positiva” do que negativa para o reitor da Universidade Nova de Lisboa (UNL), João Sàágua. Elogia a política científica do ministro Manuel Heitor e a estabilidade financeira que foi dada ao sector. Ainda assim, as universidades continuam a receber menos dinheiro do Estado do que aquele de que realmente precisam, defende.

No início deste ano lectivo, entrou em vigor a redução do valor da propina máxima em mais de 200 euros. É uma medida que responde ao objectivo que enunciava de “garantir que ninguém fica para trás” no superior?
Não, não responde. É uma medida demagógica, porque essa descida não se direcciona especificamente a quem menos pode e menos tem. A resposta para que ninguém fique para trás são os Serviços de Acção Social.

O valor médio da bolsa de estudo garante aos alunos cerca de 80 euros por mês. É suficiente?
As bolsas de estudo têm certamente que chegar a mais estudantes e têm que ser mais robustas. Isso é que é não deixar ninguém de fora.

Esse é um investimento que o país está disponível para fazer?
Fazer esse investimento é muito mais interessante do que investir em compensar as universidades pelo corte das propinas.

Que impacto teve a redução das propinas em termos orçamentais para a UNL?
Temos à volta de 12 mil alunos e estávamos a praticar a propina máxima. Tire 200 euros a cada um desses 12 mil alunos: [são cerca de 2,5 milhões de euros anuais]. É justo dizer que o Estado já avançou com uma parte desse dinheiro para 2019.

Tendo em conta que pouco se falou de ensino superior e de Ciência na campanha eleitoral, a Convenção do Ensino Superior foi um tiro ao lado?
A convenção conseguiu pôr a claro alguns aspectos. Temos agora uma janela de oportunidade que permite a promoção interna de professores e o Governo tem tido uma política muito activa na área das residências estudantis. Estes foram pontos que focámos na convenção. Além disso, hoje ninguém de boa-fé considera que as universidades públicas estão bem financiadas.

Uma coisa é reconhecer o subfinanciamento, outra é haver um compromisso de que haverá aumento do financiamento. Esse assunto não tem estado na campanha eleitoral.
É um facto e tenho pena disso. Mas penso que os partidos têm tido algumas manifestações de interesse sobre o ensino superior.

Já elogiou em dois ou três momentos desta entrevista o Governo. No final do mandato, a apreciação é mais positiva ou mais negativa?
É incomparavelmente mais positiva. Depois do que passámos no anterior mandato, também era difícil ser mais negativa.

O que é que correu melhor nestes quatro anos?
A tentativa, que foi em boa parte coroada de êxito, de criar uma certa estabilidade financeira às universidades, a despeito das várias medidas sociais que o Governo teve. E uma visão de longo prazo na política de investigação.

O que é que correu pior?
Volto ao reforço da acção social, que é muito importante. Outro aspecto são os enormes desafios na área do ensino. É necessário um mecanismo de financiamento de projectos inovadores no ensino, ao qual devia estar associada uma forma de contratação de professores, tal como os projectos de inovação científica têm associados um mecanismo de contratação de investigadores.

Samuel Silva - 4 de Outubro de 2019, Público