Inquérito mostra que 53% dos funcionários públicos dizem ter sido prejudicados pela avaliação

Estudo inquiriu 2066 trabalhadores da administração central e concluiu que é preciso rever o sistema de quotas para aceder às notas mais elevadas.

Em vigor há quase duas décadas, o Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) é visto por sindicatos e trabalhadores como um dos principais entraves à progressão na carreira. Um estudo recente, que teve como ponto de partida um inquérito a mais de dois mil funcionários públicos, mostra que essa percepção negativa é maioritária: 52,7% dos inquiridos dizem que foram prejudicados pelo SIADAP e 90% consideram o sistema injusto.

O estudo O Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública e as Percepções dos Funcionários Públicos Portugueses, da autoria de César Madureira, Belén Rando e David Ferraz, foi publicado em 2021 e teve como base entrevistas a 2066 trabalhadores da administração central. O objectivo era perceber até que ponto os funcionários públicos consideram a avaliação justa e se ela condicionou a sua vida profissional.

Uma das principais conclusões que os investigadores retiraram do inquérito é o facto mais de metade dos inquiridos (52,7%) declararem que foram prejudicados pela avaliação e de apenas um quarto (24,6%) terem respondido que não se sentiram prejudicados.

Ao mesmo tempo, 90% dos trabalhadores consideram que o sistema em vigor é injusto e apenas uma minoria entendeu que foi avaliada de forma justa.

Na perspectiva de César Madureira, professor no ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa e um dos autores do estudo, estas percepções estão muito relacionadas com a existência de quotas para as notas mais altas (a lei prevê que em cada serviço só pode haver 25% de trabalhadores com nota relevante e, destes, 5% podem ter excelente).

Os sistemas que têm quotas rígidas, lê-se no estudo, levam a que nos serviços com níveis de desempenho elevado os trabalhadores tenham classificações mais baixas do que o merecido, enquanto nos serviços com pior desempenho haja trabalhadores com classificações altas imerecidas, apenas com a finalidade de preencher as quotas.

Essa percepção, refere ainda o documento, “mina a credibilidade do sistema, ao fomentar entre os trabalhadores a sensação de que sua classificação não depende do seu esforço ou desempenho, mas de uma série de outros factores discricionários”.

Os dados recolhidos comprovam isso mesmo. Mais de 93% dos funcionários inquiridos mostram-se total ou parcialmente contra o sistema de quotas, 66% consideram que isso os penaliza e 75% percepcionam como injusta a forma como a diferenciação de mérito é aplicada.

Além disso, depois de conhecerem a sua avaliação, 86% dos trabalhadores não mudaram a sua forma de trabalhar.

Outro dos pontos analisados tem que ver com a relação entre o SIADAP e a progressão salarial dos trabalhadores. Neste campo, quase 70% dos inquiridos consideram que a evolução não deve depender apenas dos resultados do SIADAP e que a avaliação devia ter em conta o trabalho em equipa, a pontualidade ou a antiguidade.

Já em relação à forma como o desempenho deve ser recompensado, metade dos inquiridos defende o aumento do número de dias de férias, enquanto 45% consideram que deveria haver prémios por equipa. A flexibilização do horário e a redução do tempo de trabalho são outras medidas defendidas.

Objectivo “não é avaliar”

O facto de o inquérito datar de 2018 não tira relevância às conclusões que, na perspectiva de César Madureira, até se terão agravado.

“O SIADAP foi inventado e continua a ser utilizado com um único propósito que não é avaliar. O SIADAP existe como ferramenta de alavancagem orçamental, ou seja, existe para que o montante do Orçamento do Estado gasto na massa salarial da administração pública seja o mais baixo possível”, sublinha.

Os autores do estudo recomendam que o sistema de quotas seja reanalisado, “tornando-o mais aberto e permitindo que mais pessoas acedam às notas mais elevadas (relevante ou excelente)”.

Se isso for feito, concluem, “é provável que muitos funcionários públicos deixem de ver o sistema de avaliação como injusto e é muito provável que sintam cada vez mais vontade de se esforçar para melhorar seu desempenho”.

César Madureira complementa que qualquer alteração no sistema de quotas tem de ser significativa: “Se pusessem quotas de desempenho relevante de 50%, havia um avanço.”

O Governo criou um grupo de trabalho para rever o SIADAP e comprometeu-se a apresentar uma proposta durante o mês de Julho.

Deixar cair as quotas está fora de questão e alargar os limites também não parece ser possível. Do que se sabe, o executivo admite alterar a forma como as quotas são distribuídas dentro do serviço e criar uma nova nota – além das quatro existentes – para os trabalhadores que tiverem uma classificação superior a quatro, permitindo-lhes acelerar o desenvolvimento da carreira.

As medidas em cima da mesa “estão longe de me parecerem adequadas e suficientes”, critica César Madureira.

“O SIADAP deve fazer parte de uma reflexão mais alargada. O Governo tem de tomar uma decisão sobre a forma como olha para a massa de trabalhadores da qual é patrão. Quer olhar como um mal necessário ou como algo que é fundamental para o funcionamento da sociedade como um todo”, desafia o professor do ISCTE que estuda o emprego público há mais de 25 anos.

“Temos de decidir se queremos avaliar as pessoas e dar-lhes perspectivas de que, se trabalharem bem, há uma progressão possível ou se queremos que a massa salarial seja um mal que vamos tentar debelar. Tem de ser tomada uma posição em relação a isto e o SIADAP faz parte desta discussão, porque vai ditar quem sobe e quem não sobe, em quanto tempo e também vai ditar diferentes salários”, conclui.

3 de Julho de 2023, Público