As atas de reuniões [das Câmaras Municipais] devem ser lavradas e submetidas à aprovação dos membros do órgão no final da reunião ou no início da seguinte, defendeu o coordenador do Curso de Direito da Universidade de Coimbra - Especialista alerta que lei não admite adiamento de atas no tempo

“As regras aqui são muito claras e a lei não deixa dúvidas. Por norma, as atas são lavradas pelo secretário e submetidas à aprovação dos membros do órgão no final da reunião ou no início da reunião seguinte”, indicou Jorge Alves Correia.

Em declarações à agência Lusa, o professor da Faculdade de Direito, especialista em Direito Administrativo, explicou que esta baliza temporal imperativa resulta da conjugação do artigo 57.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL) com o artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

“Isto significa que a lei não admite o adiamento sucessivo de atas no tempo”, acrescentou, sugerindo a ponderação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento em caso de práticas reiteradas e abusivas.

Questionado sobre a existência de autarquias locais que arrastam três, quatro ou mais atas por aprovar em reuniões sucessivas sem dar a conhecer as minutas, Jorge Alves Correia não tem dúvidas de que tal configura “uma ilegalidade flagrante”.

“A lei diz expressamente que as atas são imprescindíveis para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas. Se as atas não são aprovadas, as deliberações são válidas, no entanto, há um problema quanto à eficácia”, sustentou.

Segundo o coordenador do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, as deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois das respetivas atas serem aprovadas.

“Se a ata não for aprovada, as deliberações não podem ainda produzir efeitos jurídicos para terceiros: são ineficazes. A meu ver, são ineficazes para o exterior, ou seja, para fora do órgão que as emitiu”, referiu.

No entanto, considerou que as deliberações tomadas vinculam o órgão que as produziu, que não pode decidir em sentido contrário a tais deliberações.

“Diz-se que têm eficácia interna, mas não externa, enquanto as atas não forem aprovadas em reunião colegial”, esclareceu.

No seu entender, existe “um ilícito administrativo” e, uma vez que a ata não foi produzida, não é possível ir ao Tribunal Administrativo deduzir uma intimação informativa urgente, nem solicitar à CADA [Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos] a disponibilização de uma ata não produzida.

“Por vezes, para o cidadão, fica a sensação de que o ilícito administrativo compensa, o que é inaceitável”, vincou.

O docente disse ainda que se esse ilícito for uma forma de ocultar a prática de uma ilegalidade grave, como, por exemplo, o impedimento de membro de órgão autárquico, faltas injustificadas à reunião, violação de regras urbanísticas, orçamentais ou dos limites de endividamento da autarquia, poderá ser levada a cabo “uma ação judicial de perda de mandato do titular do órgão autárquico, nos termos da Lei da Tutela Administrativa”.

“Perante um ilícito grave, devem esses factos ser comunicados ao ministro da Tutela ou, no limite, ao Ministério Público, neste caso, para instauração da ação”, informou.

Contactada pela agência Lusa, a juíza desembargadora nos Tribunais Administrativos Maria Helena Canelas frisou que as atas devem ser prontamente elaboradas, sendo postas à aprovação logo no final da respetiva sessão ou no início da seguinte.

“Nada impede, no entanto, e a lei prevê-o expressamente, que as atas ou o texto das deliberações mais importantes possam ser aprovadas em minuta no final das respetivas sessões ou reuniões, exigindo-se, todavia, que isso mesmo seja deliberado pela maioria dos membros presentes, sendo então assinadas, após aprovação, pelo presidente e por quem as lavrou”, acrescentou.

No entanto, a juíza desembargadora chamou a atenção para a questão da eficácia das deliberações tomadas pelos órgãos colegiais.

“Os atrasos que se possam verificar na elaboração, aprovação e subsequente assinatura das atas obstam à produção dos efeitos próprios das deliberações que nelas tenham sido tomadas, até que as mesmas sejam aprovadas e assinadas”.

De acordo com a magistrada, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, em diversos acórdãos em que foi chamado a apreciar a eventual inconstitucionalidade de referendos locais, “afirmando que a elaboração e aprovação de minuta da ata no final da sessão em que foi tomada a deliberação referendária atinge valor certificativo equivalente ao da ata aprovada em sessão posterior, e confere imediata eficácia externa à deliberação”.

“De todo o modo, mesmo nos casos em que o órgão delibere pela aprovação de deliberações em minuta, a ata da respetiva sessão ou reunião, relatando tudo o que tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, deve ser sempre elaborada nessa maior transcrição e concretização do que nela se passou, e também ela submetida a aprovação, e posterior assinatura”, rematou.

(27-01-2024 | lusa.pt)

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